Ocupação de Moradia em Salvador

Ocupação MSTB Núcleo Força e Luta Salvador - Júlio Fisherman | Jornalistas Livres

Entre dois dos maiores conjuntos do Minha Casa Minha Vida em Salvador, o Bosque das Bromélias e o Jardim das Margaridas – este praticamente pronto mas ainda não entregue – cerca de 65 famílias de sem tetos passaram a ocupar um terreno que há mais de cinco anos encontrava-se abandonado e sem cumprir nenhum fim social, como preconiza a Constituição brasileira.

O sonho da casa própria passou a ganhar vida para estas pessoas no fim de novembro de 2016 quando, organizadas num núcleo do Movimento Sem Teto da Bahia (MSTB), decidiram realizar a ocupação do espaço até então neglicenciado nas margens da rodovia CIA|Aeroporto – uma região na periferia de Salvador praticamente esquecida pelo poder público e que sofre com escassez de serviços e infraestrutura públicos. Faltam posto de saúde, escola, serviços de comércio e o transporte é precário.

Conjunto Bosque das Bromélias, com 2.400 unidades o segundo maior condomínio do Minha Casa Minha Vida em Salvador. Na ausência de planejamento para áreas de serviços, improviso no uso do espaço

Vínhamos nos organizando há mais de dois anos. Observando a necessidade de muitas pessoas. Muita gente morando de aluguel ou de favor no próprio condomínio do Bosque das Bromélias. Começamos a pesquisar e procurar um terreno. Foi quando observamos melhor este que estava ocioso há vários anos”, diz Maria Lobato, coordenadora estadual e municipal do MSTB, mais conhecida como Lôra.

A hostilidade quanto à ocupação não tardou. No dia seguinte dois policiais não identificados, que acompanhavam uma pessoa que se apresentou como proprietária da área, tentaram provocar com ofensas os ocupantes. Como não obtiveram sucesso, estes policiais voltaram sozinhos à noite quando então destruíram as marcações que haviam sido feitas no terreno e passaram a disparar tiros durante um longo período, segundo relatos dos ocupantes. “Eles simulavam participar de um tiroteio. Era só teatro para nos intimidar”, afirma Lôra.

Especulação Macabra

Num terreno baldio com grande densidade vegetal e vizinho ao terreno ocupado, duas semanas depois, em meados de dezembro, a Polícia Civil descobriu dois corpos em estado avançado de desintegração e ainda se cogita que pode haver mais cadáveres enterrados na área.

A menos de 1 km do Bosque das Bromélias, o conjunto Jardim das Margaridas com 1.880 unidades planejadas, com obras em acabamento e próximo de ser entregue

Na ocasião o MSTB lançou um nota sobre o episódio – “Onde há gente morando não há cemitérios clandestinos” – assinalando que a própria dinâmica de segregação produzida pela especulação imobiliária acaba se manifestando na violência contra os marginalizados.

A descoberta dos corpos em um terreno baldio evidencia uma face macabra da especulação imobiliária que tem se intensificado na cidade de Salvador. (…) Estas áreas ociosas, mantidas como reserva de capital pela iniciativa privada, acabam sistematicamente transformadas em cenário ou depositário da violência contra a população mais fragilizada da nossa cidade. Fazem parte de um sistema brutal que impunemente assassina e desaparece com os corpos negros e pobres das periferias, e cristaliza a desigualdade social” , diz a nota.

Recomeço

Ocupação MSTB Núcleo Força e Luta Salvador - Júlio Fisherman | Jornalistas Livres

Para muitos dos que estão na ocupação do núcleo Força e Luta, a oportunidade de conseguir um lugar seu não apenas é a chance de encontrar uma solução para a questão da moradia, como também iniciar uma nova fase de suas vidas.

É o caso do jovem Adriano Paz, 18 anos, ex-morador de rua. “Ou morava na rua ou morava de favor na casa de alguém, quando acabava sofrendo humilhação. Na rua morei por três anos no bairro da Pituba e era rotina sofrer agressão policial sem ter feito nada. Sentia ainda que as pessoas tinham muito medo de mim. Aqui eu tenho encontrado pessoas que me ajudam e com quem posso contar e conversar espero começar a minha vida. Botei na cabeça e vou construir aqui uma casa”, diz.

Outra ex-moradora de rua é Valdileide Santos, 24 anos, que participa de sua segunda ocupação. “Acabei deixando a outra Ocupação MSTB Núcleo Força e Luta Salvador - Júlio Fisherman | Jornalistas Livresocupação que participei, em Plataforma (subúrbio de Salvador), mas desta vez vou dar mais valor a todo esforço que estou fazendo para conseguir construir aqui minha casa. Meu barraco no momento é de lona, mas quando morei na rua, nem lona tinha. Eu quero mudar de vida, não quero mais esta vida para mim. Muitos que eu vejo morar na rua, inclusive um irmão meu, acabam se entregando a droga. Mas eu escapei disso, embora fosse parada e agredida por seguranças de lojas e policiais muitas vezes” declara num tom entusiasmado.

Já numa curva da vida mais adiante, há também Hugo Santana, 66 anos, que procura o sossego de ter uma casa sua. “Trabalhava como caminhoneiro numa empresa, mas fui demitido em fevereiro de 2016. O dinheiro da indenização empreguei numa pequena fábrica de sandálias que montei, mas o negócio não deu resultado e estou vendendo tudo que comprei. Até o desemprego morava numa casa alugada, depois fui morar de favor na casa de um sobrinho. Nunca tive casa própria. Agora é construir primeiro o barracão e depois uma casinha para mim”, diz com ar melancólico, mas altivo.

A ocupação foi judicializada com pedido de reintegração de posse. Requerendo a expulsão imediata e sem consideração aos ocupantes, um pedido em caráter liminar foi negado pelo Tribunal de Justiça. “A gente sempre passa por isso, mas não me assusta, a gente vence. Estou preocupada no momento na construção dos barracos e na melhora da estrutura aqui. Estamos interessados em corrigir o erro de outras ocupações. De todo modo, nós vamos estar organizados”, diz Lôra, com confiança.

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