O último professor de jornalismo?

Sérgio Gomes (Oboré), Silvia Marques, Audálio Dantas, Prof° Chaparro e José Marques de Melo no lançamento de livro de Chaparro em 2008. Fonte: http://blogdavoice.blogspot.com/2008/03/prof-manuel-carlos-chaparro-consultor.html

Por: Luciano Maluly

O falecimento do jornalista, professor e pesquisador José Marques de Melo (1943-2018) no ano passado trouxe um vácuo ao ensino do jornalismo no Brasil, sentimento comparado à perda de um pai. Desde lá, vem a memória nomes que mantém a dignidade de um ofício tão lindo; e tão criticado atualmente.

Esta constante angústia foi intensificada quando recebemos a notícia do problema de saúde de um outro ícone do jornalismo brasileiro: o professor Manuel Carlos Chaparro.
Junto com minha amiga, a também jornalista e professora Márcia Avanza, fomos visitá-lo no hospital São Camilo, no bairro da Pompéia, em São Paulo.

Memórias de uma aula infinita

A emoção do encontro logo foi substituída pela recordação da minha primeira aula como aluno de doutorado no Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação (PPGCOM) na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), em 1999, quando o professor Chaparro adentrou à sala de aula e grifou na lousa: O QUE É JORNALISMO?

O debate foi intenso, com a aula sendo prolongada por mais de duas horas após o término. Um dos alunos perguntou se a publicação de uma imagem sem texto seria jornalismo. Após longa discussão fomentada pelo professor, aprendemos algo simples, mas formidável (e olha que ninguém falava em fake News e Pós-Verdade): “nem tudo o que está publicado em um jornal é jornalismo.”

Tempos depois, reencontrei esse mesmo professor no corredor do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA-USP. Nesse encontro, voltei a ser aluno e fiquei em silêncio prestando atenção nos ensinamentos do velho mestre. Naquele dia, ele revelou o jornalismo “como o espaço dos conflitos e das ideias”, antecipando uma já visível “revolução das fontes” e, assim, uma mudança no universo da notícia e, por conseguinte, do jornalismo – fato que observamos constantemente com o avanço do digital.

A eterna pergunta

Aqueles momentos estavam tão presentes durante a visita no hospital que até fiz um diagnóstico: “a doença daquele homem era ensinar”. Antes de nos despedirmos, ele me confidenciou que estava iniciando uma pesquisa que possibilitava encontrar os problemas do jornalismo atual. Lembrei até do clássico livro “O problema da imprensa” (Edusp/Com Arte, 1988) de Barbosa Lima Sobrinho. Fiquei triste pois não houve tempo para ouvi-lo.


Esses dias, recebi uma foto dele, por intermédio de sua filha Cristina, no WhatsApp. A legenda revelava a recuperação e a alegria por estar tomando um café expresso. E como eu gostaria de estar presente para compartilhar de mais uma conversa. Assim, teria a honra de fazer minha última e constante pergunta, que já me incomoda há 20 anos, desde quando entrei naquela sala de aula junto com meu amigo e colega de curso de graduação na Universidade Estadual de Londrina e também no PPGCOM-USP, Álvaro Emídio Ferreira: “Professor Manuel Carlos Chaparro, O QUE É JORNALISMO?”

 

Nota dos Jornalistas Livres: Jornalista desde 1957, o Prof. Chaparro é doutor em ciências da Comunicação, professor de jornalismo da ECA/USP e já conquistou quatro Prêmios Esso de Jornalismo.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

COMENTÁRIOS

POSTS RELACIONADOS

A poeta e o monstro

A poeta e o monstro

“A poeta e o monstro” é o primeiro texto de uma série de contos de terror em que o Café com Muriçoca te desafia a descobrir o que é memória e o que é autoficção nas histórias contadas pela autora. Te convidamos também a refletir sobre o que pode ser mais assustador na vida de uma criança: monstros comedores de cérebro ou o rondar da fome, lobisomens ou maus tratos a animais, fantasmas ou abusadores infantis?