O terceiro centenário da Independência do Brasil: uma história do futuro

Por Valdei Araujo, professor de História na Universidade Federal de Ouro Preto

O ano é 2122 e o país se prepara para comemorar o terceiro centenário da independência. O MERC, Ministério da Educação Religiosa e Cívica, organiza as comemorações. O imperador Bolsonaro IV planejou viajar pelo Brasil ao longo do ano saudando seus súditos, mas uma epidemia de um vírus desconhecido o obrigou a adiar os planos. Segundo o monarca, trata-se de mais uma gripezinha, mas as companhias aéreas internacionais, únicas a operar no país, seguem a cartilha dos globalistas e suspenderam todos os voos. Mas a nação não vai parar.


O segundo Império brasileiro foi instaurado em 15 de novembro de 2022. Uma multidão de caminhoneiros, motociclistas, policiais militares e ruralistas foram convocados para protestar no dia 1º de novembro em Brasília, dia em que o TSE anunciou a vitória da oposição nas eleições. Os patriotas recebem o apoio das Forças Armadas para instaurar um novo regime. Jair Messias Bolsonaro é sagrado Imperador e defensor perpétuo do Brasil.

Como o país não conseguia produzir eleições sem fraude, decretou-se o fim dos partidos e da política. O primeiro ato do novo regime foi o fechamento do STF e do Congresso Nacional, estabelecendo em seu lugar o Conselho de Estado vitalício indicado pelo Imperador. Uma nova Constituição, outorgada, proíbe as ideologias destrutivas do comunismo, do feminismo, gayzismo e do vacinismo. O lema da bandeira foi atualizado para “Ordem, tá okay!”, em homenagem à frase lapidar do fundador do regime. Como o progresso foi considerado um conceito comunista, acabou sendo suprimido.


Em 2037 o Imperador Bolsonaro falece aos 82 anos. O filho 01, Flávio, é sagrado Imperador Bolsonaro II. Em 31 de março do ano seguinte, mais uma gloriosa revolução força Bolsonaro II a abdicar em nome de seu irmão, Carlos Bolsonaro, que assume com o título de Imperador Bolsonaro III, o sábio.


Em 2045 os antigos estados da federação são dissolvidos. Em seu lugar restauram-se as capitanias hereditárias, concedidas a empreendedores-milicianos responsáveis pela exploração econômica e prestação de serviços, em um novo modelo de desenvolvimento inspirado no modelo do novo bandeirantismo empreendedor-miliciano de matriz carioca. O antigo estado do Paraná foi entregue aos milicianos da Havan, tornando-se a capitania de Nova New York. Os antigos estados do nordeste são divididos em duas capitanias, após uma ampla política de substituição populacional. A capitania do Rio Grande do Sul no Norte, cujo núcleo é formado por herdeiros de antigos plantadores de soja; e a capitania de Nova Camboriú, dominada por franqueados da Coco Bambu, maior empresa nacional.


Bolsonaro III, o sábio, falece em acidente de jet ski em 2067, aos 85 anos. Seu filho adotivo, Jair Messias Júnior, de 16 anos, é sagrado Imperador Bolsonaro IV. Instaura-se a regência trina permanente, formada por um representante do Conselho Terrivelmente Evangélico da República, um general das Forças Milicianas Nacionais e do Fórum dos Ruralistas da Terra Plana.


Em 2108 a Regência assina um tratado de cooperação com os Estados Unidos da América para tornar o Brasil território semi-incorporado, no mesmo nível de Porto Rico. O dólar se torna a moeda nacional, cedendo o país sua política econômica ao FED. Como contrapartida, os brasileiros ganham passe livre em visitas aos parques da Disney.

O Ministério Religioso da Saúde está presente em todo o país oferecendo tratamento de ponta como sangrias, ozonioterapia e drogas ultramodernas produzidas pela indústria nacional, todas à base de Cloroquina e Ivermectina. O programa Benção de Família financia o trabalho de uma rede de agentes religiosos que regularmente visitam as casas para rituais de cura e educação. A cura gay é uma das terapias bem sucedidas oferecidas pelo programa, embora pesquisa do IBVE (Instituto Bolsonarista de Verdade Estatística) tenha constatado a universalização da heterosexualidade no censo de 2082.


Boa parte dos problemas sociais do Brasil foram resolvidos pela política de controle populacional do novo regime. Em 100 anos a população brasileira foi reduzida de 200 para 30 milhões de habitantes. Em 2088 comemorou-se o programa imperial de repatriação dos exilados africanos no Brasil. Em um ato magnânimo, o Imperador corrigiu a injustiça histórica que foi a diáspora africana no século XIX, produzida pela fuga para o Brasil de exilados que escapavam de cruéis escravocratas comunistas na África.


Em um sinal evidente do sucesso do modelo econômico e social bolsonarista, o Brasil se tornou um grande importador de alimentos e outros insumos, liberando a população para se dedicar aos seus compromissos cívicos, religiosos e esportivos, em especial o motociclismo convencional e aquático, além dos clubes de tiro e a caça, que foi universalmente liberada. O rebanho bovino no país foi quase que totalmente dizimado pela grande epidemia de febre
aftosa de 2085, pois os cientistas do governo decretaram a proibição universal da vacinação também entre animais. O gado tornou-se um animal sagrado em todo o Brasil.

Entre 2090-2095 ocorreu a Grande Guerra patriótica contra a ditadura comunista Venezuelana liderada pelos Estados Unidos. Mais de cem mil jovens patriotas brasileiros foram mortos, mas a guerra terminou em estrondosa vitória nacional. O Imperador, em gesto de generosidade, cedeu a antiga província de Roraima ao novo protetorado estadunidense estabelecido em substituição à ditadura Venezuelana.

Mesmo sem muita certeza acerca dos fatos históricos, Bolsonaro IV lidera as festividades comemorativas da Independência do Brasil em 31 de março. O país contrata uma consultoria estadunidense para tentar descobrir onde foram sepultados os restos mortais do primeiro imperador. Durante a cerimônia, que teve como cenário as ruínas históricas de uma das lojas da Havan na cidade-estado da Barra da Tijuca, foi anunciada a extinção geral de todas as tomadas de três pinos do território brasileiro, último vestígio da ditadura lulopetista no país. Segundo o lema da famosa beata e heroína Damares Alves, “Meninos usam azul, meninas rosa, e tomadas, só dois pinos”. O apagão elétrico geral que atingiu o país na ocasião não ofuscou o brilho da festa, que foi concluída com a benção do Bispo Edir Macedo, na ocasião com 177 anos, em transmissão por multiverso direto da cidade-estado de Nova Jerusalém,
antiga Salvador.


P.S. Este texto foi inspirado por um mergulho recente do autor nas redes bolsonaristas do Telegram. Todas as imagens são cópias de material que circula nesses grupos.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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