O remédio amargo e necessário do impeachment

Manifestação contra o STF e o Congresso Nacional em frente ao Palácio do Planalto no domingo, apoiada por Bolsonaro

Por Ruy Samuel Espíndola, advogado e professor de Direito Constitucional

 

Entre os 178 Países que sofrem, atualmente, com a pandemia de covid-19, nenhum deles experimenta uma específica patogenia complementar: a ameaça real à integridade de suas instituições democráticas. O Brasil precisa agir rápido para evitar a eclosão de uma epidemia antidemocracia, tendo em conta o comportamento contaminador do presidente da República, Sr. Jair Bolsonaro.

A democracia admite opiniões e proselitismos que lhe contrariem, o que a ditadura não permite, de modo algum, seja ela de direita ou de esquerda. Mas a Constituição, em um Estado de Direito, impõe o limite para que opiniões e proselitismo antidemocráticos não se transformem em ações e comportamentos concretos, que objetivem implodir a democracia, no ânimo de estatuir ditadura ou outra forma autocrática.

Nossa Constituição prevê vários instrumentos para salvaguarda da normalidade democrática, sobressaindo, como última arma de defesa, o impeachment, quando o agressor for o Presidente da República e os demais diques não se mostrarem bastantes para conter os seus ímpetos inconstitucionais. O Congresso, o STF e a Imprensa Livre, compõem os elementos de contenção, todavia, se passam a ser ameaçados de agressão ou efetivamente agredidos, o uso da arma de maior calibre se mostra necessário.

Na mesa do Presidente da Câmara dos Deputados aguardam despacho 26 petições  que pedem impedimento do presidente da República. Juntas compõem um minucioso relatório a dotar de justa causa um eventual impeachment. Entre as principais causas de pedir figuram: as recentes revelações pelo ex-ministro Sérgio Moro de (i) interferência política na Polícia Federal; (ii) a participação em vários atos pró-intervenção militar; (iii) disseminação de notícias falsas, ataques a jornalistas e a veículos de imprensa; e (iv) desobediência ao isolamento social exigido pela covid-19, ao promover aglomerações e estímulos para que cesse, mesmo diante do crescimento acentuado do número de contaminações e óbitos.

Os acontecimentos de sábado e domingo (2 e 3 de maio), entrelaçados em causalidade, aprofundam a justa causa para impeachment.

No sábado, após 8 horas de depoimento, o ex-ministro Moro trouxe novas provas sobre a alegada tentativa de interferência sobre a Polícia Federal. A depender do seu conteúdo e veracidade, poderão robustecer essa causa de pedir.

Domingo, manifestações explícitas patentearam a real intenção delitiva do Presidente, ao dizer em transmissão pública que: “o povo está ao meu lado, e as Forças Armadas estão ao lado do Povo e do meu Governo”; “cheguei  ao meu limite”; que não tolerará, que não terá “mais paciência” contra atos dos demais poderes que venham a conter sua vontade de poder.

Ao dizer tudo isso, justamente perante manifestação popular que pedia, expressamente, intervenção militar, fechamento do Congresso e do STF, Bolsonaro transgrediu a linha que separa a atuação governamental da consumação de crime de responsabilidade. E sua conduta durante a manifestação também transgrediu regras legais sanitárias; confrontou exigências médico-científicas e estimulou ações que agravam a crise pandêmica. Além do que, sob o seu olhar, ainda que por omissão, jornalistas foram fisicamente agredidos pelos manifestantes, que apenas refletiram, em atos físicos, repetidas manifestações presidenciais contra veículos de imprensa que lhe expressam opiniões desfavoráveis.

Assim, os temas da “intervenção militar”, “da Covid-19” e “agressão à liberdade de imprensa”, ganharam robustez, pois ficaram patentes as condutas que os tipificam como crimes de responsabilidade: atos que atentaram contra o livre exercício do Congresso Nacional e do STF (artigos 4º, II c/c  6, item 1, 7º, itens 7 e 8 da Lei 1.079/50); atos que atentam contra o exercício do direito social à informação dada pela imprensa e contra o direito individual de jornalistas de realizarem seus trabalhos (artigo 4º, III c/c 7º, item 9); atentado ao direito social à saúde dos brasileiros (artigo 4º, III c/c 6º, itens 7 e 8, 8º, itens 4, 7 e 8); ato revelador da intenção de não cumprir decisões judiciárias que contrariem sua vontade de poder (4º, VIII c/c 6º, item 5, 12, item 2).

Novo pedido de impeachment poderia ser apresentado pela Ordem dos Advogados do Brasil, conjuntamente com a Associação Brasileira de Imprensa, em proteção do livre exercício do Congresso Nacional, do STF e da Imprensa, como medida profilática a barrar o surto de antidemocracia derivado do patogênico comportamento presidencial. Que esses agentes sanitários da institucionalidade, apoiados pelas forças democráticas e progressistas que se encontram dentro e fora dos poderes constituídos, impeçam a eclosão de uma epidemia que pode tomar o País e afetar drasticamente a saúde da nossa liberdade. Epidemia que poderá levar a óbito ou aleijar de forma irrecuperável, por “síndrome aguda respiratória”, a nossa ameaçada democracia constitucional.

Para a pandemia de Covid-19 ainda não há vacina, mas para se evitar à eclosão epidêmica da antidemocracia existe o remédio do impeachment.

 

Ilha do Desterro, SC, 4 de maio de 2020

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