Por Cecília Figueira | Jornalistas Livres

A escola de Samba “Paraíso de Tuiuti” surpreendeu o poder estabelecido e as elites, com sua garra, sabedoria e profundidade na crítica do momento atual: tratou com maestria o desmonte do Estado e das políticas públicas, da democracia, dos direitos do trabalhador e de sua aposentadoria, e a entrega do patrimônio nacional e de tantos outros temas.

Com muito batuque, a “Paraíso do Tuiuti” deu lição de História do Brasil, que poucos hoje conhecem e sabem fazer. O povo negro e pobre, sujeito a escravidão no passado e construtor da riqueza de nosso país, denunciou com todas as letras e com muita ginga, a farsa do governo golpista, do Congresso que só defende interesses próprios, o enriquecimento pessoal e o compromisso com o neoliberalismo e o capital financeiro. Mostrou os vendilhões de nosso patrimônio apoiados por uma parcela do Judiciário e total concordância das grandes corporações midiáticas que compactuam com a escravidão até hoje.

 

A insatisfação submersa, engasgada no cotidiano do povo, explodiu. O nó apertado e o grito rouco dos trabalhadores, do povo pobre e negro, do morro, das periferias e das favelas desatou com garra e deu seu recado:
“Não sou escravo de nenhum senhor
Meu Paraíso é meu bastião
Meu Tuiuti, o quilombo da favela
É sentinela na libertação”

Com arte e maestria esse canto ecoou fundo. Os indignados com a situação atual de nosso pais se emocionaram e se espantaram com esta energia e a sabedoria popular.

“Ê, Calunga, ê! Ê, Calunga!
Preto Velho me contou, Preto Velho me contou
Onde mora a Senhora Liberdade
Não tem ferro nem feitor”

Surpresa para as esquerdas, para os sindicatos, para movimentos sociais e para pessoas comprometidas com a luta e a esperança de um país melhor para todos. Essa revelação nos faz pensar- Porque as forças progressistas não estão conseguindo captar este grito do povo e insatisfação popular? Como impedir que essa força e garra, desapareçam, virem pó?No pós Carnaval, o corte das cenas impostas pelo Palácio do Planalto, a supressão do “Temer Vampiro” com a faixa presidencial, a decisão de intervenção militar no Rio de Janeiro, embotaram corações e mentes?

 

Era de se imaginar que em São Paulo, no dia 19 de fevereiro, dia de mobilizações e paralizações contra a reforma da Previdência, o canto forte e vibrante da “Paraíso de Tuiti” inspirasse ações conjuntas e solidárias… Nem a ameaça e artimanhas do “prefake” Dória e da Câmara Municipal de mudar as regras da aposentadoria do servidor público municipal, contribuíram para que as categorias e alas se articulassem. A poucos passos e quase na mesma quadra, próximo à sede da Prefeitura de São Paulo, os manifestantes de categorias de servidores diversos e dos professores e profissionais da rede municipal de ensino se dividiram. O grito rouco da “Paraíso da Tuiti” não serviu para sugerir que pela mesma luta, os servidores tivessem sintonia e a mesma voz em uníssono.

Da mesma forma, a arte forte dos muitos “Tuiutis” e a alegria criativa do carnaval, não sensibilizaram as lideranças de partidos, sindicatos e organizações sociais para que fossem inventivos em seus protestos: discursos pouco ouvidos se repetiram, lideranças e candidatos se fizeram presentes prá ver quem fala mais alto…

Nenhuma participação e conversa com as pessoas que circulavam nas ruas, nos ônibus, nas lojas, nas calçadas, com o povo que está engasgado do seu lado, sem saber o que fazer também.

Sonho com telões expondo nas ruas, nas esquinas e nas calçadas, os desfiles dos muitos “Paraíso da Tuiuti”, dos muitos “Arrastões do Bloco” que pipocaram em todo o carnaval, cantores e artistas, rappers e funks puxando músicas de protesto, vídeos sobre os desmonte dos direitos do povo brasileiro, jovens se expressando a sua maneira e tendo voz, distribuição de folhetos em linguagem clara e simples esclarecendo o povo, artistas fazendo performances, os indignados se juntando…

Muitos blocos e escolas de samba por todo nosso Brasil, expressaram de maneira clara e precisa a insatisfação popular e a rebeldia através de seu samba neste carnaval.

Quando será que as forças progressistas irão se sensibilizar e rever as suas práticas e linguagens?
Por tudo isso, apesar de termos reunido um grupo significativo de militantes, onde estava o povo? Dia 19 para muitos foi uma 4ª feira de Cinzas!

”Meu Deus! Meu Deus!
Se eu chorar, não leve a mal
Pela luz do candeeiro
Liberte o cativeiro social”
É possível sonhar o sonho de nova militância, da união, da sintonia, da solidariedade.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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