O que o assassinato de Marielle e o julgamento de Lula tem em comum? Tudo.

Na última quinta-feira assistimos uma atrapalhada sessão do STF diante da pauta do acolhimento ou não do julgamento do Habeas Corpus de Lula solicitado por sua defesa.

Houve momentos hilários em que Rosa Weber parecia votar no que não queria votar e não dar o seu voto ao que, na verdade, gostaria. Gilmar Mendes posando de paladino dos justos e, citando e assumindo o PT como inimigo, exortando a que aqueles que não concedem justiça ao inimigo não podem julgar. Marco Aurélio balançava uma passagem aérea impressa dizendo que teria de sair às pressas para um voo às 19:40, a fim de comparecer a uma homenagem no dia seguinte, e por isso não poderia estar presente até a conclusão dos trabalhos. Houve também os votos inequívocos e bastante claros e previsíveis da presidente do STF Cármen Lúcia, contra o acolhimento do Habeas Corpus e contra o encerramento da sessão e a liminar solicitada pela defesa do ex-presidente.

Tudo somado se percebe um STF perdido, sem rumo incapaz de tomar decisões que se coadunariam com os egrégios valores da democracia e do republicanismo, mas muito mais vulneráveis às conjunturas, momentos políticos determinados, pressões políticas advindas de muitos lados- os recentes encontros de Cármen Lúcia com Temer em sua residência e com o movimento de ultradireita Vem prá Rua, um dia antes do julgamento estão totalmente conectados aos votos da ministra no último dia 22/03, e não deixam dúvidas sobre a possível eficácia de tais pressões.

Contudo, mesmo os mais otimistas, consideravam a batalha e a causa do ex-presidente perdida. Muitos já aguardavam a prisão já no dia 26/03. E a reviravolta foi surpreendente: 7×4 ninguém esperava.

Se olharmos os antecedentes houve mudanças significativas na estratégia de defesa incluindo dois pesos pesados como Sepúlveda Pertence e Roberto Batochio na linha de frente da defesa do ex-presidente. A caravana Lula também é fator importante, mas sozinhos não seriam capazes de gerar tamanha reviravolta e, agora, alguma esperança para o ex-presidente.

Sim, porque houve o fator Marielle.

As multidões que foram às ruas comovidas, indignadas, revoltadas com um assassinato cruel de uma representante legitimamente popular, com pautas claras e um protagonismo indiscutível se esparramaram por todas as capitais do país. Hoje tudo indica que a inscrição psíquica, social e política “Marielle” veio para ficar porque não é uma inscrição apenas na linguagem, no pensamento é, também e antes, no corpo. Todo militante, ativista, defensor dos direitos humanos do país sentiu resvalar em seu corpo, em sua própria pele algo desses nove tiros contra o corpo de Marielle. Muitos, constante e frequentemente ameaçados, achincalhados, assediados pela ultradireita nas redes sociais e nas ruas consideraram, intimamente, a possibilidade de sua própria execução física, de sua morte, de seu assassinato. Os assassinatos a líderes indígenas, a outras lideranças camponesas e populares, aos defensores de direitos humanos no Brasil afora de repente se condensam no corpo de Marielle. A morte de Marisa Letícia, então com 66 anos, é recordada. E o longo processo de cruelização judicial por qual passa Lula é retomado. Toda a maquinaria judicial, incapaz de repor a justiça, reproduz os anseios da extrema direita: queríamos assassinar Lula já, imediatamente – como foi feito com Marielle – mas não sendo possível podemos fazê-lo aos poucos. Como vem sendo feito com sua esposa, seus filhos, netos e sua família que também, a esta altura, deve se encontrar exausta e em frangalhos.

Amigos meus, defensores dos direitos humanos confessavam, após a morte de Marielle, o recrudescimento desse medo e adotavam práticas pessoais de proteção.

Os que acreditam e defenderam e defendem os direitos humanos e a justiça no país temem por sua vida mais hoje, do que ontem. Não cederão. O medo nunca foi o que os fez desistir. Mas o assassinato de Marielle remeteu a todos um sentido de urgência. Quem será o próximo após tantos outros? Lula? Jean Wyllys? Guilherme Boulos? Manuela D’Avila? Marcelo Freixo?

A extrema direita quer cindir dois processos correlatos. As mídias rendem homenagens a Marielle, sempre alienando a imagem dela de suas próprias pautas (https://theintercept.com/2018/03/19/nao-deixe-que-a-politica-radical-de-marielle-seja-explorada-ou-apagada-como-o-fantastico-tentou-fazer-ontem-a-noite/) e, com isso quer romper elos que ainda existem entre os partidos de esquerda e gerar uma contenda entre o PT e os outros partidos numa estratégia clara de isolamento do Partido dos Trabalhadores.

Repetem à exaustão: Marielle era gente boa, mas Lula é um ladrão mentiroso e corrupto. Vamos bater palmas para Marielle e vaiar ( matar?) Lula.

Mas os ministros do STF sabem que não é bem assim. É bem provável que pressintam que uma prisão de Lula, imediatamente após o assassinato de Marielle, provocasse uma comoção ainda maior e uma condensada – e aguardada – união das esquerdas e da população que sofre com os golpes desferidos no seu corpo todos os dias, e sentem o ódio e o desejo por sua morte por setores significativos e organizados da população, mancomunados com prefeitos, governadores e com o presidente.

Os ministros sabem que tem em suas mãos uma decisão que somará indignações passadas e seculares às do presente, só não sabem qual será o efeito de Marielle assassinada e Lula preso num país que que é um dos que mais mata ativistas que lutam pelos direitos humanos no mundo. Segundo relatório da anistia internacional de 2017, ocorre um assassinato a cada 5 dias.( https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/03/brasil-esta-entre-os-quatro-lideres-globais-em-homicidios-de-ativistas.shtml)

Num país que destrói os direitos humanos e os que os defendem, ainda surpreende que sejam muitos a defendê-los. No Brasil somos encurralados pela ameaça: ou os Direitos Humanos ou a vida. Não é escolha é coação maquiada de opção. Isso porque sem direitos humanos não se alcançará o direito à vida e, sem a vida, para que serviriam os direitos humanos?

Centenas de assassinatos a ativistas e líderes populares, à população pobre e negra indica, com clareza absoluta, que Marielle assassinada e Lula preso, para os perpetradores e o sistema que os protege, é só a continuação de um trabalho bem executado de crimes organizados, incentivados e impunes que envolvem diferentes atores e instituições no Brasil. Talvez, alguns ministros do STF estejam percebendo isso.

Enquanto muitos pranteiam a morte de Marielle, outros tantos a celebram. Há os que lamentam a morte de Marisa Letícia e a possibilidade da prisão do ex-presidente e outros que a exultam.

Os que estão de um lado ou de outro, nos dois casos, são os mesmos.

 

 

 

 

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