O povo foge da ignorância, apesar de viver tão perto dela

Foto: Isabella Lanave/R.U.A Foto Coletivo

 

No último domingo (16), convoquei dois amigos para ir comigo nas manifestações na Praça Santos Andrade, centro de Curitiba. Nós três somos filiados ao Partido dos Trabalhadores, militamos diariamente e ocupamos cargos de direção em gestão de representação do movimento estudantil.

Como uma experiência quase antropológica, adaptamos ao contexto com camisas ‘normais’, retirei adesivos da mochila e celular (referentes ao coletivo que integro no movimento estudantil), pulseira da Marcha das Margaridas (havia participado do evento dois dias antes) e demais acessórios. Adotamos o papel de ambulante e das 13h até 17h acompanhamos o ato vendendo bebidas (melhor maneira de conversar com as pessoas sem ter que interpelar).

A experiência foi muito interessante, respeitamos a democracia, o direito da livre manifestação e aproveitando pra exercer alteridade, que não é simples, dessa formar observar além da generalização de que são “burros”, “ignorantes”, “loucos”, “coxinhas”. Até porque os grupos que reivindicavam intervenção (golpe) militar e reclamavam da “ameaça comunista” são bem menores, mas incômodos e raivosos.

O intuito era compreender a participação daquelas que não compõe o ato cegamente pelo ódio, desrespeito, desejo de vingança, incapacidade de abrir mão dos privilégios ou mesmo de enxerga-los, esses são notáveis que o diálogo não está aberto e o delírio predomina. Portanto, queríamos fomentar o diálogo para entender o que eles querem dizer com o “Fora Dilma”, “Fora PT” e pedir impeachment, REFORÇO, ouvir o que eles entendem por tais expressões, não colocar nas categorias do que eu entendo como tais expressões.

Fica visível que a maioria dos presentes não pertence a grupos sociais mais pobres e sim das classes alta e média, também eram brancos em sua maioria, pude contar meus dois amigos e mais seis pardonegros em meio de mais 30 mil pessoas (campo de visão do local que estávamos), isso não deslegitima a natureza ou invalida a pertinência das reivindicações dos presentes, também não a configura como plural e diversa como em 2013, mas reforça autocrítica em buscar onde estão as falhas que culminam nas atuais crises, digo no plural, porque vejo três crises diferentes (financeira, política-institucional e a social).

Foto: Isabella Lanave/R.U.A Foto Coletivo

Um dos momentos que mais evidenciou pra mim, o esvaziamento de discurso dos participantes da manifestação, foi quando ao retornar das manifestações, encontramos uma família que mais cedo havia nos visto na fila do mercado e nos observou vendendo durante toda à tarde de sol intenso as bebidas. Perguntaram-nos se havíamos vendido tudo e elogiaram nossa tenacidade, enfatizando nosso esforço, o que tornou contraditório os elogios a nós, foi que essa mesma família horas antes bradava xingamentos aos petistas como “vagabundos”, “preguiçosos” e que “vivem de bolsa esmola”.

Em suma, a experiência não foi fácil eu confesso, ouvi diversas vezes hostilidades à presidenta Dilma que jamais desejaria presenciar (como militante, mas principalmente como mulher) e incitação de discursos violentos que destoam do caráter político direcionando para a misoginia, preconceito, machismo e ódio às pessoas das classes mais baixas, questionamentos me inundaram durante o tempo que estive lá, mas compreender mesmo sem concordar é fundamental para quem defende a democracia.

A superação da crise política e econômica passa por processos bem mais difíceis do que prevíamos, as tais reformas de base, mesmo que complexas, são as únicas formas reais de solução e enquanto não houver mudança no sistema político e sistema financeiro, permanecem esvaziados os discursos que tanto foram repetidos naquele domingo.

Foto: Isabella Lanave/R.U.A Foto Coletivo

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