O governador da Bahia, as universidades estaduais e um silêncio ensurdecedor

Laurenio Sombra, especial para os jornalistas livres*

Em 4 de abril deste ano, os docentes de três das quatro universidades públicas do estado da Bahia (Universidade do Estado da Bahia -Uneb, Universidade de Feira de Santana – Uefs, Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – Uesb) deflagraram greve. Na semana seguinte, os docentes da Universidade Estadual de Santa Cruz – Uesc, a quarta universidade do estado, também fizeram o mesmo. Desde então, as quatro, reunidas, tentam negociar. Os motivos não faltam: sem reajuste desde 2015, os professores já tiveram seu salário corroído em cerca de 25%; o governo reduziu o repasse em relação às receitas líquidas do estado; aumentou a contribuição previdenciária de 12 para 14%; tem dificultado as possibilidades de promoção na carreira; retirou redução na carga horária em sala de aula para professores com pesquisa e extensão, entre outros aspectos.

Independente dessas razões, o governador Rui Costa manifestou profundo aborrecimento com a greve, que ele julgou “política”. Já no final do primeiro mês, ele mandou colocar faltas para os professores, que em consequência tiveram boa parte dos seus salários cortados.

Chama a atenção que a hashtag mais repercutida pelos professores em greve é #NegociaRui, numa manifestação relativamente humilde: não chega a veicular um conteúdo específico, mas uma demanda que deveria ser básica num contexto como o citado acima – que o governador se disponha a negociar.

Por uma coincidência inesperada, a greve surgiu algumas semanas antes do tsunami suscitado pelo governo federal, quando o ministro da Educação (sic) do governo Bolsonaro anunciou o corte de cerca de 30% nas universidades e institutos federais em todo o país. Como se sabe, e com toda a justiça, este anúncio provocou e ainda provoca fortes reações de estudantes, professores e sociedade civil em geral. O governador da Bahia também apresentou sua indignação, até porque a UFBA foi uma das universidades mais visadas. Mas quem tem vivido os cortes das estaduais se surpreendeu com esta manifestação: os 110 milhões cortados por Rui Costa nos últimos dois anos (2017 e 2018) estão em níveis muito próximos aos anunciados pelo governo Bolsonaro – sendo que, no governo federal, o ministro ainda não garante que ele se efetivará por todo o ano.

Evandro do Nascimento, o reitor da Uefs, a universidade proporcionalmente mais afetada pelos cortes nos últimos anos, deu uma declaração simples em reportagem à Folha de São Paulo, em 10 de maio: “os impactos não são diferentes aos anunciados por todas as universidades públicas do país”. Pelas reações de políticos ligados ao governador, o fato dele ter sido “comparado a Bolsonaro” não o agradou. O reitor que foi recentemente reeleito teve sua posse adiada e o governador, até este momento, não confirmou o seu nome, deixando o cargo da universidade temporariamente vago. Importante ressaltar que ele foi eleito com maioria dos votos em todas as categorias (professores, estudantes e servidores técnicos). A comunidade naturalmente recebeu com apreensão esta medida. A eventual consumação dessa ameaça (a indicação de outro nome da lista tríplice) realmente aproximaria o governador do atual presidente, que tem feito ameaças semelhantes nas universidades federais.

Mas o que pensa o governador das universidades estaduais? Que elas representam apenas um peso para o orçamento do estado? Não se sabe. A ausência de diálogo no decorrer da greve representa um silêncio muito mais amplo. As estaduais não foram citadas nas campanhas políticas do governador, ele não apresenta projetos de articulação com as universidades e pouco dialoga com suas inúmeras pesquisas.

Governador da Bahia, Rui costa

Talvez alguns dados ajudem a materializar o tamanho desse silêncio. Reunidas, as quatro universidades estaduais têm mais de 50.000 alunos matriculados. Se considerarmos o ranking universitário promovido pela Folha de S. Paulo (http://ruf.folha.uol.com.br/2017/), a qualidade de cada uma delas no estado só fica abaixo da Universidade Federal da Bahia, superando qualquer outra universidade privada, como Unifacs e Ucsal, e mesmo outras universidades federais no estado, como UFRB, UFOB e UFESBA). Em número de alunos, somadas, representam mais matriculados que a própria UFBA (50.000 contra pouco mais de 32.000) e também ultrapassam qualquer outra privada citada.

Como atesta um estudo recente, 99% da pesquisa acadêmica (https://www.investe.sp.gov.br/noticia/99-das-pesquisas-sao-feitas-pelas-universidades-publicas/) no país se faz no âmbito das universidades públicas – certamente resultados semelhantes se encontram no eixo da extensão, das ações direcionadas à comunidade. Isso faz com que, para além dos alunos matriculados em graduação e pós-graduação, as universidades públicas significam um importante fator de vitalidade e de desenvolvimento regional, o que já foi constatado por fartas pesquisas empíricas.

Outro dado relevante: comparando-se as universidades públicas estaduais com as federais no estado da Bahia, as primeiras têm mais que o dobro dos alunos (mais de 28.000) matriculados em cursos de Licenciatura (contra cerca de 12.000 nas federais, com mais vocação para o bacharelado) – fonte: Censo da Educação Superior, MEC/INEP. Isto significa que elas têm um papel fundamental na formação dos futuros professores da educação básica. Com o estado da Bahia apresentando baixos índices na educação básica, mesmo em comparação com outros estados do Nordeste, chega a ser surpreendente a redução de investimentos num contexto em que eles deveriam aumentar – já que crescem as matrículas e a população jovem.

Assim, o “#negocia, Rui” representa algo muito mais pungente do que o fato de que os professores das universidades estaduais apresentam nesse momento um grito de indignação contra a redução progressiva do seu nível salarial (o que naturalmente também reduz a qualidade do ensino a médio prazo) e do orçamento da universidade em que trabalham. Representa a estranha sensação de que o governador do estado da Bahia, até este momento, não se deu conta de que não há nada mais “tamanho G” (slogan que adota para as grandes obras que o reelegeram) que o futuro da juventude que ele deveria cultivar.

* Professor de Filosofia da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs).

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