O golpe na Bolívia é racista, religioso e ultraconservador e pode assanhar as milícias evangélicas no Brasil

Por Yuri Silva*, do Mídia 4P

O golpe de Estado a que foi submetido o povo boliviano, por meio da pressão das Forças Armadas para que o presidente Evo Morales e seu alto escalão renunciasse ao governo, expõe o avanço acelerado das milícias religiosas conservadores na América Latina e o racismo delas contra os povos originários indígenas e os negros latinos.

Qualquer paralelo com o momento vivido atualmente no Brasil, com ataques a templos de religiões de matriz africana e perseguição aos povos indígenas que vem tendo seus espaços de culto incendiados e seus direitos sociais vilipendiados, não é mera coincidência. Trata-se de uma ação articulada, e em violenta escalada, em todo o continente.

As cenas que se sucederam no roteiro de consumação do golpe militar na Bolívia — que ainda está em curso até o momento em que ficará mais nítido quem será o ditador a ocupar o comando do país — apontam que o ódio aos povos andinos é o combustível que faz mover a deposição de Evo.

Além da imagem aberrante do opositor Fernando Camacho, líder da extrema-direita, de joelhos defronte a uma bíblia dentro do Palácio de Governo, relatos e vídeos publicados ainda dão conta de atos de incêndio contra a bandeira Whipala, símbolo das nações originárias, os quíchuas e os aimarás, para os quais tal representação é a expressão do pensamento filosófico andino.

O golpe, que tenta se justificar com base em ilações de fraudes no percentual da vantagem obtida por Morales no primeiro turno das eleições bolivianas, é edificado, contudo, nesse sentimento de fundamentalismo religioso, de destruição de tradições e de “conversão” de todo um povo.

A ultradireita – que fortalece-se em todo mundo, vide o resultado das eleições espanholas deste final de semana com um crescimento enorme do ultraconservador Vox nas urnas – segue em marcha para dar respostas às recentes vitórias das forças de esquerda, como triunfo do kichnerismo e do lulismo na Argentina e no Brasil e a revolta do povo chileno nas ruas.

As Forças Armadas da Bolívia, prontamente apoiadas pelo governo Bolsonaro e pelos generais que compõem as fileiras do bolsonarismo (atual instrumento de atuação da ultradireita brasileira), iniciaram logo cedo a perseguição aos governistas, com prisões, violência, saques e ameaças veladas. Também estão, até a finalização desse texto, em perseguição a Evo, que tenta chegar até o México para receber lá asilo político.

Situação grave? Imaginemos, então, que o Brasil, possuidor das mesmas características de avanço do conservadorismo evangélico neopentecostal, e com a assunção a passos largos de um Estado miliciano, já tem tido que lidar com declarações dos filhos do presidente Jair Bolsonaro a favor de “um novo AI-5”.

Os fatos que se desenrolam na vizinhança atestam que tais discursos não são desarticulados. E geram uma reflexão importante de se responder: O que será de nós caso a tendência que emerge de forma concreta da Bolívia consolide-se também por aqui?

A aliança conservadora-religiosa-paramilitar já está formada e em atuação no Brasil, infestando a estrutura do Estado e vencendo algumas batalhas todos os dias.

Sem mostrar-se com nitidez, e ainda às sombras do patrimonialismo que domina o Brasil, essa coalizão ultraconservadora já foi capaz de matar a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes, de destruir templos de candomblé e umbanda na Baixada Fluminense numa combinação igreja-tráfico, de incentivar a morte da população LGBTQI+, de pregar a catequização violenta dos povos indígenas em pleno ano de 2019, de defenestrar o direito dos quilombolas ao território, de apostar nas queimadas na Amazônia, por meio do qual ataca os povos tradicionais da floresta, entre outros golpes diários.

Resta saber qual impacto o avanço de um grupo golpista de características idênticas na Bolívia terá sobre a nossa conjuntura política.

Terão coragem de escancarar ainda mais a disposição que possuem para o golpismo, o autoritarismo e o genocídio? Sairão definitivamente do armário em que tentam se esconder mesmo com a porta entreaberta?

É difícil saber, mas sem dúvida o incentivo à radicalização ultraconservadora nunca foi tão excitante para os cães que entram no cio ao menor sinal de coturnos por perto.

 

*Yuri Silva é jornalista formado pelo Centro Universitário Jorge Amado – Unijorge, coordenador nacional do Coletivo de Entidades Negras (CEN) e membro do Conselho Editorial 4P. Foi repórter de Cidade, Política, Economia e outras editorias no jornal A Tarde durante quatro anos e meio, especializando-se na cobertura de temas relacionados à pauta negra e das religiões afro-brasileiras. Também trabalhou no jornal O Estado de S. Paulo, o Estadão, como correspondente na Bahia durante as eleições presidenciais e estaduais de 2018. Atualmente, atua como consultor na área de comunicação política, para meios digital e offline, além da paixão que mantém pela reportagem

COMENTÁRIOS

4 respostas

  1. YURI SILVA, JÁ VIVEMOS SIM ESSA REALIDADE. OS ATAQUES SÃO DIVERSOS, TALVEZ ATÉ TÍMIDOS, MAS NOSSA GENTE ESTÁ PREPARADA. O GRANDE PROBLEMA A MEU VER, É O ACEITE DA SOCIEDADE, ESSA MESMA QUE APOIOU O ATUAL PRESIDENTE E QUE NO MOMENTO ESTÁ RECOLHENDO ESSE APOIO. TODOS SABEM QUE, SE COPIAREM OS PASSOS DO POVO BOLIVIANO COLOCANDO FOGO EM RESIDENCIAS, O PAIS VIRARÁ UMA GRANDE FOGUEIRA. E LEMBRANDO O QUE JÁ OCORREU NO PASSADO RECENTE COM QUEBRADEIRAS EM BANCOS E AGENCIAS DE CARROS IMPORTADOS, INCENDIO EM ONIBUS, SAQUES EM LOJAS E SUPERMERCADOS, ETC. DUVIDO QUE POLITICAMENTE, O CAPITAL ACEITE ESSA PROPOSTA/PROJETO DOS EUA PARA O BRASIL.OUTRA COISA SÃO OS ATAQUES CONTRA O STF, PARECE QUE OS MINISTROS NÃO GOSTARAM. E COM CERTEZA, TOMARÃO PROVIDENCIAS EM RELAÇÃO A ESSAS AMEAÇAS DA EXTREMA DIREITA. OS EUA ESTÃO CAVANDO UMA GUERRA CIVIL NOS ESTADOS DA AMÉRICA LATINA E A TENDENCIA É A UNIÃO DOS POVOS. ENTÃO TEREMOS UM QUADRO BEM DIFERENTE DAQUILO QUE IMAGINARAM. JÁ EXISTE UMA NEGATIVA CONTRA O IMPERIALISMO AMERICANO NA REGIÃO E, SE AS COISAS SE AGRAVAREM, AS CONSEQUENCIAS PARA OS EUA E TALVEZ PARA O MUNDO, NÃO SERÃO INTERESSANTES.

  2. Caro Yuri Silva, parabéns pelo belíssimo texto onde você conseguiu reunir expressões do tipo “Aliança conservadora-religiosa-paramilitar, golpe de Estado, Marielle Franco, igreja-tráfico, queimadas na Amazônia e golpismo” tudo no mesmo texto. Só faltou falar das manchas de óleo e do Lula Livre. É DIFÍCIL SABER, MAS SEM DÚVIDA, com toda essa imaginação você deveria escrever ficção inspirado na teoria da conspiração da “milícia evangélica”, mas com uma pitada de Jorge Amado.

  3. Como eu vim parar nessa bosta????
    Jornalistas livres??? VCS APOIAM COMUNISMO KCT!!!
    VCS APOIAM DITADURAS.
    VCS ESTÃO NO MESMO LADO QUE OS MAIORES GENOCIDAS DA HISTÓRIA MODERNA. MAO TSE TUNG, STALIN, HITLER, FIDEL CASTRO, POL POT, CHAVES, MADURO…. VCS ESTÃO AO LADO DA ESCÓRIA HUMANA… JORNALISTAS LIVRES É O CARALHO

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