Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Carvall
O ano político começou com uma vitória contundente do governo, que demonstrou sua força ao interferir diretamente nas eleições das duas casas do Congresso Nacional. O curioso é que a vitória veio depois de um mês muito difícil para Jair Bolsonaro, o mais difícil desde que ele assumiu algum protagonismo na vida pública.
Jair Bolsonaro saiu de janeiro menor do que entrou. Não dá pra dizer que ele perdeu sua base social ou que sua popularidade tenha tombado. Não há dados suficientes pra saber. Mas ele teve problemas, se deparou com o mundo real, com a cadeira presidencial. Não conseguiu responder à altura. Não conseguiu deixar de ser candidato e se tornar presidente.
Envolvimento direto do filho mais velho com o crime organizado e com esquema de lavagem de dinheiro. Alvo de denúncias diárias na Rede Globo. Flechas atiradas por setores do Ministério Público. O vice-presidente conspirando à luz do dia, dizendo para todos, sem nenhum pudor, “sou melhor que ele, sou mais equilibrado e mais preparado”. O vexame internacional em Davos. O PSL rachado, com os parlamentares se estapeando entre si. Olavo de Carvalho na internet xingando os aliados.
Definitivamente, janeiro não foi o paraíso astral de Jair Bolsonaro.
Mesmo com todos esses problemas, o governo venceu sua primeira grande batalha institucional, elegendo seus nomes prediletos para as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado. Rodrigo Maria e Davi Alcolumbre, ambos afinados com a agenda reformista do governo, ambos comprometidos com um velho projeto de desmonte do Estado brasileiro.
Ao que parece, a fragilidade de Bolsonaro não contaminou o governo. O presidente é fraco, mas o governo é forte. É que vivemos uma situação atípica na qual o governo não se confunde com o presidente. O governo está acima do presidente.
Há pouco tempo, em artigo contundente publicado na imprensa, o filósofo Marco Nobre disse que Bolsonaro foi o “candidato do colapso”. Ainda não li definição melhor.
Desde 2013, a sociedade brasileira respira o colapso. O resultado daquilo que aprendemos a chamar de “jornadas de junho” foi a narrativa da ineficiência da democracia na promoção de bem-estar social. Essa narrativa foi reforçada e alimentada à esquerda e à direita.
A posição de governo não permitiu que a esquerda se apossasse da narrativa do colapso. Ser vidraça é sempre mais difícil do que ser pedra.
Bolsonaro, que desde a década de 1990 defendia a ditadura militar, herdou sozinho a narrativa do colapso. Ele se tornou o único símbolo de uma utopia autoritária que, idealizando o passado, prometeu segurança e conforto.
Bolsonaro não precisou fazer quase nada para ser eleito. Não participou de debate, não discutiu plano de governo. Simplesmente montou no jumento que passava selado.
Mas essa é apenas a superfície da história.
Nas profundezas, aconteceu a articulação entre um velho projeto de desmonte do Estado brasileiro e a popularidade de Jair Bolsonaro. Essa articulação não estava dada desde o início. Poucos acreditaram na vitória de Bolsonaro. Basta lembrar que ele não conseguiu um vice na classe política. Tentou muito. Ninguém quis apostar.
O que estou querendo dizer é que as eleições das duas casas legislativas não sinalizam a força de Jair Bolsonaro. Mostram mesmo é o poder do velho projeto, hoje representado pelo DEM, que tem no seu DNA a vocação para o desmonte do Estado brasileiro.
O DEM, e não Jair Bolsonaro, foi o grande vencedor nas eleições para a presidência da Câmara dos Deputados e do Senado.
Começando lá atrás, ainda na Primeira República, com o PRP, passando pela UDN e pelo PFL, a genealogia do DEM aponta para um projeto que tem vida longa na história do Brasil: desmontar o Estado e colocar o desenvolvimento nacional sob a tutela do capital privado. Antes, o capital privado morava na Casa Grande e era representado pelos oligarcas. Hoje, o capital privado mora nas grandes corporações e é representado pela especulação financeira.
Não tem nenhuma novidade aqui. Essa política é velha.
Quando, em 1º de fevereiro, os eleitos se reuniram para eleger seus presidentes, Bolsonaro convalescia no hospital, tendo pesadelos com seu vice, que exercia com muita animação a presidência interina.
Enquanto isso, Onyx Lorenzoni, ministro-chefe da Casa Civil e deputado pelo DEM, se articulava com Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, seus colegas de legenda. Bolsonaro não teve nenhuma direção aqui, não exerceu nenhuma liderança.
Agora, na presidência das duas casas legislativas e no controle do Ministério responsável pela articulação política do governo, o DEM está mais forte que nunca.
A força do DEM independe da saúde física e política de Jair Bolsonaro.
É impossível saber se Bolsonaro completará o mandado. Se ficar quietinho, fazendo o papel de animador de plateia, ficará onde está. Se insistir na paranoia macartista e na política externa kamikaze, será substituído. Nesse cenário, Bolsonaro cai e o governo continua de pé, talvez até mais forte.
Bolsonaro é o elo mais fraco da corrente.