O direito à alimentação entre as violações ocorridas pelo Crime de Brumadinho

Artigo de Leonardo Koury e fotografia de Maxwell Vilela

Imagine o impacto causado pela lama que atravessa a Bacia do Paraopeba. Para contextualizar a sua importância espacial, de acordo com o Instituto Mineiro de Gestão das Águas IGAM, a Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba é composta por 48 municípios, com a extensão de doze mil quilômetros quadrados e população direta de um milhão e trezentos mil habitantes.

Não só conhecida pela referência geográfica e pelo abastecimento alimentar na região metropolitana, pouco se fala da relação entre o crime de Brumadinho, ocorrido em janeiro de 2019, com o cotidiano dos agricultores familiares e povos e comunidades tradicionais.

A sua extensão hidrográfica atravessa a vida e o ambiente de diversas populações como a população indígena Pataxó, da comunidade quilombola de Saco Barreiro, dos produtores de leite e frutas de Brumadinho e cidades do entorno.

Importante ressaltar as características gastronômicas como as biscoiteiras das cidades de Mário Campos e de Mateus Leme, do cotidiano político e luta pela reforma agrária como das trabalhadoras e trabalhadores rurais sem terra de Itatiaiuçu, da culinária doceira de Lagoa Dourada e de Resende Costa entre outras vivências culturais voltadas à produção de alimentos e turismo local.

Há dois anos, o crime ambiental modificou a vida da população atingida, com graves impactos na qualidade da água e seu entorno. O crime diminuiu não apenas a produtividade agrícola, mas a relação entre vivência social e mineração afastou o turismo, dificultando a credibilidade da segurança alimentar dos produtos da região, entre outros prejuízos.

É importante pensar alternativas para voltar a garantir o Direito Humano à Alimentação Adequada na Bacia do Paraopeba. A Lei Estadual 23.763, aprovada em janeiro deste ano, tem uma importância estrutural para a recuperação dos espaços e vivências culturais e agroecológicas. A proposta é fortalecer o turismo de base comunitária, fomentar vivências e troca de relações com o intuito de preservar a cultura material e imaterial das cidades mineiras.

Não há como pensar em cultura, se a economia solidária, gastronomia e a agricultura familiar não estiverem implicadas na sua transversalidade. Buscar compreender as saídas que não respondam pelo simples perdão do crime, as vidas perdidas não voltam. Porém é necessário responsabilizar a Vale e os atores da transnacionalização da mineração pelo crime ao ambiente e às vidas em sua totalidade.

A reparação deve prever o futuro e não a volta da atividade minerária como única alternativa para a economia local. Sem acordos de mesa, o diálogo deve passar pela construção e garantia de novos direitos.

À população atingida como agricultores familiares, aos povos e comunidades tradicionais e às lutadoras e lutadores pela reforma agrária do entorno do Paraopeba, a vida vale mais que o lucro, a vida é luta, resistência e esperança!

Os caminhos para fortalecer a população do Paraopeba só existirão com o fomento das potencialidades locais. Estas que talvez sejam invisíveis aos olhos da mineração, mas são maravilhosas expressões de afeto como no esquentar do fogão de lenha, da prosa mineira que se encontra entre um doce de leite e um café coado na hora.

Artigo escrito por Leonardo Koury Martins. Fotografia da Jornada de Lutas 2 anos do Crime de Brumadinho Maxwell Vilela, especial para os Jornalistas Livres

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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