O dia que o livro foi traje de gala

Cerimoniosas, escolhemos na estante nossa melhor roupa. Aquela túnica-palavra que mais emprestasse sentidos para a vida. Palavras de amar, de desaguar, de comover, de temperar, movimentar, fazer vibrar, acordar, transcender, trovejar, de ventar fundo e causar tremor em todas as camadas das águas.

Nos vestimos belas e fomos para as ruas com nossas crianças que também escolheram as palavras que queriam vestir. Nossos livros ouviam e falavam pelo caminho até chegar ao lugar da grande escolha. Eram vistos, tocados, fotografados, inquiridos. Recebiam olhares de alegria, curiosidade, cumplicidade, consternação, aprovação.

A caneta e o lápis, companheiros fiéis dos livros, entraram em ação, e umas pessoas anotavam os títulos das outras para pesquisar depois, para ler. Naquele dia o sonho da leitura como direito humano aconteceu. O sonho de sermos a agência da transformação pelo conhecimento, que antes de modelar os livros mora nas pessoas. O sonho do livro que não prime, não humilha, do livro que é companheiro de luta e de caminho.

Naquele dia, orgulhosas, exibimos os livros que nos formaram, emocionaram, que nos fizeram mais humanas e que queríamos compartilhar com todos os seres, sem distinção. E fomos pássaros soltos, voamos alto. Seguimos em torno das roseiras, polinizando as flores, lutando e criando lugares de existência para seguirmos vivas.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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