O bolsonarismo radicalizou o lugar da fala

ARTIGO

Rodrigo Perez Oliverira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

 

 

Bolsonaro orienta os jovens a esquecerem o que dizem os historiadores e a perguntarem a seus pais e avós como era a vida durante a ditadura.

Pesquisa em arquivos, em fontes de diversos tipos, dados estatísticos. Nada disso importa. A verdade está na memória de quem viveu naquele tempo. Por isso, o ator que protagonizou o vídeo negacionista publicado em 1º de abril, obrigatoriamente, deveria ser um homem idoso.

Olavo de Carvalho diz que, segundo sua observação, não é possível dizer que o terraplanismo seja uma tese equivocada. Cinco séculos de tradição científica, fotos, imagens. Nada importa. Se o observador não viu com os próprios olhos, se não sentiu na própria pele, os consensos científicos estabelecidos não têm a menor validade.

Osmar Terra engaveta pesquisa da Fiocruz sobre a epidemia de drogas porque o resultado contraria aquilo que ele “vê nas ruas”. O ministro anda pelas ruas e vê, sim, uma epidemia de drogas. Como pode a instituição de pesquisa contrariar o que os olhos vêem, o que o corpo sente? No embate entre a método e a vivência, o procedimento científico é invalidado.

Sei que a primeira tentação é, simplesmente, ridicularizar esse tipo de coisa. Porém, não dá mais pra tampar o sol com a peneira. Existe um projeto epistemológico aí, uma certa maneira de tratar a produção de saberes que ganhou tanta força a ponto de influenciar homens poderosos e capazes de interferir na vida de todos nós.

Esse projeto epistemológico afirma a superioridade da experiência, do testemunho, sobre o método. Ou em outras palavras: conhecimento seguro somente é aquele que pode ser validado pela dupla presença do corpo do observador.

O corpo vivencia, sente e diz a verdade. O observador incorpóreo, afastado do objeto observado, não tem nenhuma legitimidade. Trata-se da negação da mediação metodológica.
Esse tipo de formulação não é algo novo na cultura ocidental. Longe disso. O princípio da validade do testemunho, da observação corporificada, é muito antigo.

Cada um a seu modo, Heródoto e Tucídides só se sentiram autorizados a narrar porque viram as guerras acontecendo.
Somente Primo Levi pôde narrar o cotidiano de Auschwitz porque viu, porque sentiu aquilo que não pode ser comunicado por outro tipo de autor. A escrita de Primo Levi é intransitiva, dispensa complemento, se basta por si só.

Djamila Ribeiro afirma que determinados objetos somente podem ser abordados por intelectuais negros. Aílton Krenak diz que um intelectual de origem indígena é mais capaz de abordar assuntos relativos à cultura indígena do que um intelectual branco.

Djamila Ribeiro e Aílton Krenak acusam a insuficiência do método e do observador cartesianos. Não basta estudar, pesquisar. Carece, sobretudo, de ter vivenciado a realidade estudada.

De um lado estão Osmar Terra, Bolsonaro e Olavo de Carvalho. Do outro estão Djamila Ribeiro, Aílton Krenak e Primo Levi. Não há nenhuma equivalência moral entre os dois grupos.

O oprimido deseja ter sua voz ouvida e reconhecida. O negacionista rejeita consensos científicos estabelecidos para legitimar a violência.

Mas há, sim, a comunhão de um mesmo “modo de pensar”, ainda que os graus de intensidade sejam diferentes.

Djamila e Krenak não negam a importância do método e da pesquisa. Olavo de Carvalho, Bolsonaro e Osmar Terra desconsideram completamente os procedimentos de validação científica inventados na modernidade.

Porém, todos eles, de alguma forma, condicionam a possibilidade do conhecimento à experimentação do corpo, à observação corporificada.

O anti-intelectualismo bolsonarista não é novidade. É a radicalização de um certo regime epistemológico muito antigo, e que se tornou hegemônico na segunda metade do século XX.

O bolsonarismo radicalizou o “lugar de fala”, e ao fazê-lo foi ao encontro de uma narrativa muito poderosa. Parte da sua força política está aqui.

 

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

COMENTÁRIOS

9 respostas

  1. Fiocruz tem o meu respeito mas se não estamos com uma epidemia de drogados então o que são as cracolalandias na Av Brasil , jantarzinho , e outras mais moro na baixada fluminense e hoje as drogas não se restringem aos jovens vejo senhores país de família que por um lapso de conduta se entregaram as malditas drogas como um solução para seus problemas !
    concordo que estamos a poucos passos de andarmos em meio a zumbis drogados

  2. Esse cara que fez esse artigo tem demência? Só curiosidade. Sem sentido e sem nexo algum o que ele fala.

  3. Esses negacionistas se contradizem quando falam da Venezuela. Não foram lá e ficam espalhando que existe um caos generalizado e pessoas comendo lixo constantemente. É um negacionismo de opinião, “ideológico”.

  4. É o mesmo que dizer que, o holocausto nunca existiu…..
    Que o homem nunca foi a lua….
    Que os dinossauros foram apenas fantasias inventadas….

  5. Militantes, Militontos e Militares

    Desde o fim da segunda Guerra Mundial que o mundo anda sobre uma corda bamba, os livros de história estão repletos de páginas documentando o jogo de ideologias e de poder.
    Até a guerra fria, que perdurou por longos 35 anos, deixou demonstrada que o embate político não é, necessariamente, uma batalha campal e sim um campo minado e ninguém se vê na obrigação de seguir alguma “Convenção de Genebra”, entre os seguidores do pensamento da esquerda, estão mais sujeitos sim, ao pacto de “Varsóvia”.
    Para aqueles que dedicam um pouco do seu tempo para conhecer história, sejam a brasileira ou internacional, irá perceber que ambas, em diversos pontos, estão imbricadas, seja no aspecto geopolítico seja econômico.
    O cenário político que punha frente a frente, capitalismo X comunismo pela supremacia global, deixou claro quem eram os vencedores e quem eram os derrotados, não é preciso muito esforço para restar provado que o comunismo arrastando consigo o socialismo, como um espectro pálido, se mostrou uma pantomima de ideário político. Os resultados são de todos conhecidos.
    A queda do Muro de Berlim, fez cair também a crença em um modelo que tornasse todas as pessoas felizes, pois o governo trataria de fazer chegar às suas vidas todas as respostas e soluções para quaisquer necessidades.
    Se, por um lado, alguns deixaram-se levar pelo canto onírico da sereias do Marxismo, por outro, os detentores da máquina governista impuseram a ferro e fogo aos que ousaram se opor.
    Assim como o muro, que por 28 anos separou a Alemanha em duas, separando também famílias e amigos, não conseguiu se manter de pé pois tinha de cada lado de suas paredes modelos distintos, a saber, o capitalismo e o comunismo.
    Não é uma parede de pedras, ferro e cimento que se torna um obstáculo para as mudanças. Com a queda do muro, caiu também a restrição de liberdade. A abertura para ocidente provocou um êxodo da Alemanha Oriental.
    Isso é história, não uma interpretação dos fatos.

  6. Radicalizou a fala? Enquanto isso o PT radicalizou no modo de interpretar a Justiça, para eles o Lula é um inocente preso, e todos recursos negado é injusto, então.

  7. Os ignorantes, desprovidose de conhecimento científico, que vivem sob a égide do comum, da osmose do conhecimento do dia a dia, do aprendizado gerado pela couvi vencia com outros seres com o mesmo conteudo em regra geral ironizam intelectuais e ainada mais as pesquisas científicas. Infelizmente bu!scam fazer com que creiam naquilo que lhes é cômodo em suas zonas de conforto.
    O perigo e condenarem os galileus a forca!

  8. Historiador mentiroso e desonesto. Há vídeos do Olavo sugerindo e ensinando a usar o método científico, e Osmar Terra já comparou diversas vezes dados estatísticos ao vivo.

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