O acidente de Temer e o massacre dos fatos

Túmulo de assassinado em Manaus com coroa de flores do governo do estado - Foto: Christian Braga/Jornalistas Livres

Foto: Christian Braga, enviado especial a Manaus

Nos primeiros seis dias de 2017 o Brasil já contabiliza 93 assassinatos em presídios. São massacres, não são “acidentes pavorosos”, como classificou ontem (5) o presidente da República, Michel Temer. Hoje (6), Dia de Reis, o ministro da Justiça e Cidadania, Alexandre de Moraes, detalhou o Plano Nacional de Segurança que quer implementar a partir de fevereiro. São demandas que cobrem desde o sistema prisional até a violência doméstica e a criminalidade. Entre as medidas anunciadas, porém, não há nenhuma ação emergencial de contenção da situação de urgência humanitária que vive o País.

Entre as providências que a União pretende tomar está a compra de tecnologias que impedem a entrada de celulares e armas nos presídios. Mas detectores de metal e bloqueadores de celulares já existem. O que não há é recurso para a manutenção disso, como apontou a cientista social e professora da UFRJ Jaqueline Muniz em entrevista ao vivo (interrompida) para a GloboNews. Ela mostra também que a solução não passa por adquirir mais tecnologia de controle porque os “pombos correio” – pessoas que entram nos presídios com celulares e armas – não passariam por essas máquinas.

Alexandre de Moraes também disse que fará um mutirão para diminuir a superpopulação carcerária, realocando presos provisórios e pessoas que já cumpriram pena. Além disso, pretende que penas alternativas sejam implementadas para condenados por crimes de menor periculosidade. Todas essas iniciativas estão sendo estudadas muito antes do massacre de Manaus. Teriam poupado vidas caso tivessem sido implementadas a partir de 1992, há quase 25 anos, quando aconteceu o Massacre do Carandiru, que vitimou pelo menos 111 pessoas sob custódia do Estado.

O massacre de presos é enquadrado no Direito como “grave violação de direitos humanos”. Caracteriza-se por um grande número de violação de direitos humanos que ocorrem de forma cruel, desumana ou degradante. Ou seja, exatamente o que vem acontecendo nos presídios desde o dia 1 de janeiro. “Diante de uma grave violação de direitos humanos as autoridades estatais -federais e estaduais – devem agir de forma emergencial e contundente”, afirma o professor de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da USP, Guilherme de Almeida. “É fundamental esclarecer o fato por meio de uma investigação célere e imparcial, e tomar medidas a médio e longo prazo a fim de fazer cessar as graves violações.”

O ministro afirmou hoje que as 33 mortes em Roraima não foram causadas por briga entre facções. “Não é retaliação”, afirmou Moraes, contradizendo o próprio governo de Roraima que havia reconhecido a ligação entre os dois fatos. Nessa visão do ministro, o massacre seria uma ação isolada, que não estaria ligada à carnificina do dia 1, em Manaus. Junte-se a essa versão a afirmação do presidente da República, Michel Temer, de que o que houve foi um “acidente pavoroso”: o Governo Federal não reconhece, dessa maneira, a gravidade do problema. “É um sério risco de o País não tomar as medidas adequadas e vermos mais mortes como essas”, completa Almeida.

Graves violações de direitos humanos no sistema penitenciário não são novidade no País. O ministro da Justiça e o presidente da República sabem disso. Em 9 de setembro de 2015, essas violações foram reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da ADPF 347/DF, em que se reconheceu a existência, pela primeira vez na história da República, de um “Estado de Coisas Inconstitucional (ECI)” no sistema penitenciário brasileiro. “Essa situação requer atenção e cuidado das autoridades estatais bem como estabelecimento de soluções estruturais para o problema. Não é admissível que o Estado brasileiro desconheça essa recente manifestação do STF.”

Almeida propõe o que chamou de “Pacto republicano contra a grave violação de Direitos Humanos no sistema penitenciário brasileiro”, em que a União também se responsabiliza pelo que ocorre nos presídios brasileiros. “É absolutamente urgente que o Governo Federal por meio dos ministérios da Justiça e Cidadania, da Defesa, das Relações Exteriores, da Educação, da Saúde, da Secretaria de Direitos Humanos, do Ministério Público Federal, da Polícia Federal, do Conselho Nacional de Justiça, da OAB (que está tendo uma importante atuação no Amazonas) e demais órgãos e organizações da sociedade civil que assumam uma posição protagonista na condução de uma processo democrático e participativo para o estabelecimento de um novo sistema penitenciário capaz de fazer cessar a ocorrência constante de graves violações de direitos humanos”, afirma Almeida.

Faltam 25 dias para fevereiro chegar, quando deverá começar a ser implementado o Plano de Segurança Nacional. Quantas mortes serão necessárias para adotar medidas emergenciais? Não são “acidentes pavorosos”. São massacres de brasileiros sob custódia do Estado.

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