Confissão: Nós pusemos fogo na estátua do Borba Gato

Indignados com as prisões de Paulo Galo e de sua companheira Gessica estão gravando vídeos assumindo também a autoria do fogaréu contra a estátua do Borba Gato
Indignados com as prisões de Paulo Galo e de sua companheira Gessica estão gravando vídeos assumindo também a autoria do fogaréu contra a estátua do Borba Gato

Nós pusemos fogo na estátua do Borba Gato! E convidamos todos os que queiram se somar na solidariedade a Paulo Galo e a Gessica a também gravarem vídeos assumindo a autoria do ataque à estátua-símbolo dos escravagistas.

Por Andrea Lanzoni e Laura Capriglione

Brasileiras e brasileiros indignados com as prisões de Paulo Galo e de sua companheira Gessica, pelo “crime” de atear fogo à estátua do genocida Manuel da Borba Gato (1649-1718), estão gravando vídeos assumindo também a autoria da ação: “Eu pus fogo no Borba Gato”.

Não é possível que Paulo Roberto da Silva Lima, que tem o apelido de Paulo Galo, e sua companheira Géssica Barbosa (que nem sequer estava no ato que resultou em incêndio da estátua) permaneçam presos por atear fogo a um monstro de concreto e aço, enquanto o País queima vivos travestis, indígenas, moradores em situação de rua; chicoteia negros em supermercados; permite a morte pelo frio de dezenas de cidadãos brasileiros; devasta o Pantanal e a Amazônia pelo fogo assassino a serviço do agronegócio; faz arder a Cinemateca Brasileira, levando a memória de parte da Cultura brasileira.

Nós não aceitamos as prisões de Paulo Galo e Gessica, que voluntariamente se apresentaram ao 11º Distrito Policial de Santo Amaro para esclarecer suas participações no incêndio do Borba Gato. Ambos têm residência fixa e não possuem antecedentes criminais. Mesmo assim, foram surpreendidos pela decretação arbitrária de suas prisões temporárias.

O coletivo “Revolução Periférica”, que assumiu a autoria do fogaréu no Borba Gato, cometeu o mais grave delito possível neste País que naturalizou a violência e a morte dos pretos, indígenas, pobres, favelados, mulheres, LGBTQIA+. “Revolução Periférica” mostrou que não é natural homenagear genocidas, estupradores e torturadores que tiveram como único propósito enriquecer prestando seus serviços imundos à Ordem Escravocrata.

E engana-se quem diz que uma estátua é apenas uma estátua, um símbolo morto. A estátua do Borba Gato está mais viva do que nunca! Basta percorrer as redes sociais para encontrar clamores segundo os quais o bandeirante paulista foi um “herói”, um “mito”, um “domesticador de índios”, um “civilizador”.

O espírito de Borba Gato vive no monumento, em sintonia com as almas moribundas de tantos quantos o enaltecem. E quem foi Borba Gato?

Bandeirante, especializou-se em massacrar, escravizar, roubar, assassinar, torturar e corromper. Indígenas experimentaram toda a dor que a cobiça e a ambição ilimitadas podem gerar, já que eram escravizados para suprir com mão-de-obra as lavouras de cana-de-açúcar do Nordeste. Outra especialidade era a caça aos escravos negros fugidos e a repressão aos quilombos. Borba Gato era um miliciano. Matou à vontade quem quis matar.

Punição? Nenhuma. Ao contrário. Teve perdão para o assassinato de um fidalgo a serviço do Império Português na Colônia do Brasil (a única das vidas que ceifou a ser contada em sua biografia oficial), ganhou comenda para o pescoço, honras, glórias, privilégios. E, por fim, em 1963, a estátua encravada no bairro de Santo Amaro, obra do escultor Julio Guerra (1912-2001).

São Paulo está saturada de homenagens a esses monstros. As principais avenidas e estradas chamam-se Bandeirantes, Anhanguera, Fernão Dias, Raposo Tavares. Isso para não mencionar que o palácio do Governo do Estado chama-se “Dos Bandeirantes”. O canal de televisão chama-se “Bandeirantes”. A estátua imensa no Ibirapuera retrata bandeirantes seguidos por um séquito de negros e indígenas escravizados. O terminal de ônibus é “das Bandeiras”. Juntos, todos esses símbolos formam a frase: “Aquietem-se, miseráveis! O poder é nosso!”

Borba Gato é Bolsonaro

Combater o genocida que habita o Palácio do Planalto passa por combater os símbolos que glorificam o genocídio e que permitem a sua perpetuação.

Em um país que nunca puniu (e nem julgou) os crimes da Ditadura Militar, é natural que militares se arroguem o direito de conduzir a Nação, como fazem agora Bolsonaro e o cortejo de generais e coronéis que o seguem. E é natural que fanáticos por esse regime de trevas sejam os mesmos que adoram a figura dos Bandeirantes (milicianos de então), que conduziram a ferro e fogo a expansão territorial do Brasil e são por isso chamados de “heróis”.

Mas, se os tribunais falharam ou até se acumpliciaram aos carrascos, ainda é possível fazer Justiça em julgamentos públicos, como foi o incêndio e a discussão aberta sobre os monumentos aos genocidas.

A queima da estátua do bandeirante Borba Gato, em São Paulo, foi uma poderosa lembrança do quanto de esquecimento é imposto à maioria esmagadora da sociedade. Esses totens de pedra e bronze não são nada silenciosos. Eles dizem o tempo inteiro que os indígenas têm de esquecer que suas mulheres foram estupradas, que seus filhos foram violentados, que suas terras foram tomadas, que seus rios foram contaminados. Negros precisam se esquecer das chibatadas, do pelourinho, das violências, do estupro, do navio negreiro. Porque isso é coisa vândalos, de gente vingativa e revanchista, dizem.

Mas aos homens brancos e ricos, a memória não só é permitida, como é adocicada. E a covardia suprema torna-se heroísmo. A cupidez se transfigura em ousadia. O assassinato e a tortura são transmutados em força da vontade.

O ato de incendiar a estátua do Borba Gato foi tão impressionante porque, além da beleza estética e revolucionária do ato, obrigou-nos a pensar que História é essa que nos envolve a todos de modo a permitir que os crimes e a violência se perpetuem.

Galo e Gessica precisam sair imediatamente da cadeia. Precisam ser livres. Porque quem os está mantendo encarcerados são os espíritos dos bandeirantes, dos torturadores e dos donos de escravos, encarnados em nossos dias nos adoradores do Mito Bolsonaro.

E a luta deles e da “Revolução Periférica” precisa prosseguir. Até que superemos de vez esse passado que não passa nunca. Até que a cidade, esse espaço dos cidadãos, esteja cravejado de homenagens aos homens e mulheres que lutam por uma sociedade em que a vida, a liberdade e o bem comum sejam o objetivo maior!

Nós pusemos fogo na estátua do Borba Gato! E convidamos todos os que queiram se somar na solidariedade a Paulo Galo e a Gessica a também gravarem vídeos assumindo a autoria do ataque à estátua-símbolo dos escravagistas. É só colocar nas redes de cada um com as hashtags #LiberdadeParaGaloeGessica e #EuPusFogonoBorbaGato

Viva a Revolução Periférica!

#ForaBolsonaro

Leia mais sobre o fogo na estátua do Borba Gato AQUI

COMENTÁRIOS

9 respostas

  1. Eu também pus fogo no Borba Gato e vamos incendiar TODOS OS MONUMENTOS erigidos à maldade e à barbárie histórica! Em seu lugar quero a estátua do ÍNDIO GALDINO, queimado vivo covardemente por aprendizes e descendentes de genocidas. FORA GENOCIDAS!

  2. Acredito que cada pessoa associa-se a símbolos que melhor representa-a. Para nós indígenas contemporâneos símbolos destes ditos “desbravadores” são marcas profundas de violação do Direito à Vida. E para completar o quadro, como se não bastasse são as narrativas proferidas sobre a nossa verdadeira história. Vale lembrar que a verbalização baseada pela grande maioria dos historiadores é contada sobre a ótica dos invasores. Enunciar o sentimento ou relação de outrem não é o mesmo que sentir, vivenciar. Percebemos uma relação complexa e polêmica em relação à esses denominados “herois” históricos por grande parte da sociedade, haja vista, correlaciona um sentimento estranho em relação aos seus representantes, como por exemplo, quando através do sufrágio repetem suas escolhas proferindo o “rouba mais faz”. Penso que se faz necessário a descolonização da mente! A nação brasileira precisa se harmonizar com sua grande diversidade, mas para isso precisa enfrentar os fantasmas monstruosos que teimam em nos assombrar.
    NÓS TAMBÉM PUSEMOS FOGO EM BORBA GATO!

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