Nas Eleições 2018, as pessoas LGBTQ+ descobriram quem é Aliado com A maiúsculo

A advogada Talita Menezes, que viralizou ao ir com o filho, Rafael, para as manifestações do movimento #EleNão no Rio de Janeiro. Aliada com A maiúsculo. (Reprodução Facebook)

Algumas semanas atrás, conversava com um desconhecido do lado de fora de uma balada LGBTQ+ em Campinas. Ele, um cara heterossexual com uma cerveja na mão; eu, um cara bissexual com um monte de glitter no rosto. Falávamos, em um daqueles assuntos sérios que surgem na balada sabe-se lá de onde, sobre o significado daquele velho clichê do movimento LGBTQ+, o do “aliado hétero”.

Disse a ele, meu novo amigo da balada, que não basta tratar bem os seus conhecidos LGBTQ+ para se dizer Aliado (com A maiúsculo, de verdade) – que é preciso outro A, o de ação. Na ocasião, citei o exemplo trivial de ouvir um amigo fazendo piada homofóbica e dizer um simples “ei, cara, isso aí não é legal, gente gay não é chacota”, mesmo que você vá passar de estraga-prazeres por isso. Clamar aliança sem pagar o preço é muito fácil.

As eleições de 2018 no Brasil ilustram um lado mais sombrio desse dilema dos aliados, ao qual tenho prestado atenção a minha vida inteira, puramente pela virtude de ter nascido em uma cidade do interior, sem conhecer sequer uma pessoa LGBTQ+ (ao menos assumida) até meus anos de faculdade. Nos últimos meses, a separação difícil que cada um de nós teve que fazer, nas redes sociais ou no mundo real, é a entre amigos (na definição mais ampla e menos sentimental da palavra) e aliados.

Ser amigável é fácil. Ir para a balada LGBTQ+ e constatar que é muito mais divertido, especialmente pela falta de caras heterossexuais dispostos a arranjar briga e/ou forçar a sua vontade em uma mulher, é fácil. Dar risada das nossas fofocas, se aproveitar da forma como os bons entre nós valorizam e exaltam as mulheres ao nosso redor, é fácil. Difícil é se libertar de uma vida inteira de doutrinação no paradigma heterossexual e mudar conceitos, crenças e comportamentos enraizados que ofendem o seu amigo LGBTQ+, de quem você se diz aliado.

Essa é uma luta diária que eu travo com as pessoas heterossexuais que eu conheço e amo. Algumas fazem dessa luta mais difícil, outras mais fácil – para estas últimas, a facilidade é quase sempre resultado de anos de diálogo e convivência comigo e com muitas outras pessoas LGBTQ+. Eu acredito na mudança, acredito que dá para se tornar Aliado (com A maiúsculo), mesmo partindo de uma posição precária de preconceito.

Também acredito, no entanto, que momentos extremos são quando descobrimos quem já chegou lá, e quem não. Nenhuma das pessoas que eu descobri no meu círculo social como votantes de Jair Bolsonaro me surpreendeu, não de verdade – mas algumas delas me machucaram profundamente, mesmo assim. Pessoas que sempre me trataram bem, e que sempre demonstraram tratar bem outras pessoas LGBTQ+ que conheciam. Pessoas que assumiram papéis importantes na minha vida, em uma proporção ou outra, com quem criei laços fraternais, por vezes familiares.

Em certos sentidos, fiquei órfão de cada uma dessas pessoas. Bolsonaro fraturou, talvez irreparavelmente, o caminho delas para o esclarecimento, o respeito, e a ação como Aliados (com A maiúsculo). Ao mesmo tempo, ele fortaleceu o caminho de outros neste sentido – daqueles que sempre estiveram prontos para a ação, e daqueles que se descobriram prontos para a ação. Da enxurrada de pessoas que expressou apoio a Fernando Haddad na noite de domingo (7) e no dia de hoje, no Facebook, expressando com todas as letras que esse era um voto contra a intolerância e a violência. Embora Bolsonaro tenha feito com que eu me sentisse mais em risco do que nunca, a reação a ele fez com que eu me sentisse mais protegido também.

E, é claro, me encheu de admiração. Fiquei admirado com as mulheres heterossexuais resilientes e incríveis que não me decepcionaram nesse caminho. Falo de amigas próximas, em quem eu já tinha fé inabalável, mas que me emocionaram mesmo assim com a resistência. Falo de mulheres da minha família, que reafirmaram o seu amor, normalmente representado em gestos pequenos e na convivência, com esse aceno gigantesco de oposição a quem quer me ver morto (ou, mesmo se não queira, não se importa o bastante para impedir).

Alguns homens mostraram a mesma resistência. São a exceção gloriosa a uma regra triste trazida a tona pelo machismo, que não tem mais máscara, e que impossibilita a convivência que eles mesmos dizem defender. É difícil saber quem vai vencer no próximo dia 28 de outubro. Se essas eleições trouxeram algo de bom, no entanto, é que fizeram as pessoas LGBTQ+ descobrir quem são seus Aliados (com A maiúsculo) de verdade. E, exatamente como suspeitávamos, não somos poucos, nem fracos, nem estamos divididos. Será difícil nos calar.

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