Não, o Papa Francisco não tirou o aborto da lista de pecados

Papa Francisco celebra missa no Santuário de São João Paulo II em Cracóvia, na Polônia. Foto:Mazur/catholicnews.org.uk

Com o nome em latim misericordia at misera, a Carta Apostólica assinada pelo Papa Francisco no dia 20 de novembro de 2016 e liberada na íntegra hoje (21), pegou de surpresa o mundo, assim como parte do baixo clero da igreja.

A carta concede aos padres o direito de absolver o pecado do aborto, considerado pela igreja um dos piores pecados possíveis. Atentar contra a vida de um ser indefeso, ainda mais quando praticado por aquela que mais o ama. Também é, para a Igreja, indefensável para o médico praticar tal procedimento. Aos olhos do clero católico, quem praticava tal abominação era automaticamente excluído dos ritos da religião e somente poderia ser absolvida ou absolvido por um bispo, ou superior. O caso de absolvição era controverso e facilmente levaria a excomunhão do pecador.

A partir das palavras de Francisco ao mundo a visão da Igreja muda. Qualquer membro ordenado padre ou com ordenação superior pode diante arrependimento, absolver a pecadora ou o pecador. Francisco vai além, coloca nas mãos no sacerdote a responsabilidade de guiar, cuidar e conceder conforto a pessoa. A mudança proposta pelo Papa não foi uma mudança na lei eclesiástica. Não pensem que o aborto aos olhos dos católicos deixou de ser pecado ou é menos abominável. A mudança foi muito mais profunda e revolucionária, já que atinge diretamente a forma como se trata o ser humano dentro da sua religiosidade, mas a Igreja Católica continua sendo a Igreja Católica, com seus dogmas, símbolos e práticas psicológicas de medo eterno da punição divina.

Após cinco horas de procissão, os sinos da basílica santuário anunciaram a chegada da berlinda de Nossa Senhora de Nazaré. Sob foguetório, hinos de louvor e preces dos fiéis, uma multidão aguardava a imagem no Centro Arquitetônico de Nazaré (CAN). Dom Irineu Roman, bispo auxiliar de Belém, recebeu a imagem. Logo em seguida começou a celebração de uma missa em frente à Basilica Santuário. FOTO: SIDNEY OLIVEIRA / AG. PARÁ DATA: 09.10.2016 BELÉM - PARÁ
Após cinco horas de procissão com chegada de Nossa Senhora de Nazaré. Celebração de missa em frente à Basilica Santuário em Belém. Foto: Sidney Oliveira/ Ag. Pará

Para católicos praticantes em grandes capitais brasileiras, a prática já era comum. Dioceses grandes já permitiam a padres a absolvição deste pecado diante o real arrependimento. A igreja vem aprendendo a lidar com as realidades sociais em que está inserida desde o Papa Paulo VI e seu documento Gaudium et Spes em 1965, que apontava rumos e mudanças na Igreja para diminuir o sofrimento das injustiças entre classes e povos. A grande mudança vem para as pequenas localidades. Cidades pequenas tendem a ter na Igreja seu ponto central.

Imagine uma cidade de pequeno porte em qualquer região do Brasil. Provavelmente você imaginou uma praça com a prefeitura, um banco, uma repartição de justiça municipal e uma igreja. Estes são os poderes instaurados na maior parte do território brasileiro. Se pensarmos territorialmente, é absoluta a influência da Igreja no Brasil. Se pensarmos em escala populacional global, quase 1,5 bilhão de pessoas estão sob o cajado do Bispo de Roma. Ignorar a importância geopolítica deste acontecimento por ser de outra religião, ou de nenhuma, é como achar que a eleição de um presidente dos Estados Unidos não afetaria em nada o mercado e o câmbio asiático, como aconteceu instantaneamente. Qualquer decisão que afeta diretamente uma massa de 1,5 bilhão de pessoas espalhadas globalmente, tem impacto direto e indireto nas relações de poder e nas balanças invisíveis que nos rodeiam. E principalmente nas balanças onde nós somos parte dos pesos e medidas.

Foto: Márcio Vinícius Pinheiro
Foto: Márcio Vinícius Pinheiro

Se para mulheres católicas em grandes metrópoles a Carta parasse mísera formalidade de uma prática já corriqueira dos padres, para as que vivem em regiões mais distantes, onde é impossível mensurar onde termina o poder do Estado e onde começa o da Igreja, talvez a canetada Franciscana tenha sido um alívio misericordioso.

Nos afastando da nossa realidade e pensando globalmente, há países como a Polônia onde quase 87% da população é católica, sendo o país mais católico do mundo. O partido que atualmente governa o país é oficialmente católico e conservador. Na semana passada em um evento oficial com a cúpula religiosa polonesa e líderes do Partido Lei e Justiça (PiS), o presidente alçou Jesus ao posto de “Rei da Polônia”, o que foi visto com preocupação por organismos internacionais e por minorias religiosas do país.

Após a proclamação, a Primeira Ministra polonesa, fez declarações sobre deportar cidadãos que se declarassem “não católicos” ou “ateus”. Obviamente, tal decisão poderia não só excluir a Polônia na União Europeia, como da ONU. São ameaças tão absurdas que a população teve a mesma reação que teríamos por aqui: Criaram um evento no facebook que conta com dezenas de milhares de cidadãos se dispondo a entrar na lista de deportação e escolhendo o destino

Evento Facebook

Dificilmente tudo estes fatos foram vistos como alguma ameaça real nas grandes cidades dada a pouca expressão do país no sistema internacional. Porém é no interior destes países que a Carta de Francisco atingirá com mais força. Em especial quando no país se votam leis neste momento tentando tornar ilegal o uso de pílulas anticoncepcionais e outras medidas consideradas anti-cristãs. O sistema vertical de hierarquia católica não deixa dúvidas, o Papa é o sucessor de Pedro. A palavra de Deus é perfeita e ele é o portador dela. No Brasil é “verba volant”, no Vaticano tudo que o um Papa diz é lei.

[Recado da Caneta Desmanipuladora: Desculpem, mas não tivemos tempo de traduzir todos os textos e vídeos que usamos como fonte do polonês para o português, mas deixaremos as fontes aqui abaixo caso queiram utilizar]

Texto sobre Jesus ser declarado Rei da Polônia
Texto sobre deportação de “não católicos” e ateus
Texto sobre proibição de pílulas anticoncepcionais.

 

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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