Não dá para esperar as eleições de 2022

Quem continua apoiando o atual presidente está cometendo um pecado grave, pois está sendo cúmplice da morte de milhares de pessoas

No Brasil, estamos imersos em uma gravíssima crise que afeta de diferentes formas as áreas política, econômica, social, ambiental, religiosa, agrária e urbana, entre outras. Estamos sob o sistema capitalista, máquina de moer vidas, que fomenta de muitas formas o egoísmo, a ganância, a usura, a competição, a concorrência, o egocentrismo, o individualismo e o consumismo, que desumaniza muitas pessoas e as reduz a escravos que consentem e assimilam os processos de opressão como se fossem algo natural e inexorável.

Por Gilvander Moreira[1]

Fomentadas pela devastação ambiental, as condições objetivas de vida estão entrando em colapso. A mãe Terra também está sendo agredida de diferentes formas: impedida de respirar por queimadas dos biomas, detonada em suas entranhas para a retirada de minério e destruída por monoculturas que não produzem alimentos, mas commodities para a acumulação de capital e resultam em desertificação gradativa de muitos territórios. Eis o ambiente propício para aparição de diferentes formas de vida, entre as quais se destacam os vírus capazes de gerar pandemias cada vez mais letais. 

Estamos no “fundo do poço” que pode ainda se afundar muito mais. É imprescindível não perdermos de vista o raio de luz que tal como a “estrela de Belém” (Cf. Evangelho de Mateus 2,1-12) deve nos orientar.  Evito usar a palavra ‘nortear’, pois segundo Délcio Monteiro de Lima, em livro de leitura imprescindível Os demônios descem do norte. Do oriente “nasce” o sol irradiando luz e calor necessários para garantir a vida. A UTOPIA é o que pode nos apontar o rumo a ser trilhado e nos animar na caminhada/luta para conseguirmos superar o atoleiro no qual o povo brasileiro entrou. Bússola que nos guia, essa utopia tem vários nomes: nossos parentes indígenas do Altiplano Andino a chamam de Sociedade do Bem Viver e Conviver. Outros, inspirando-se no que há de mais contundente na crítica ao capitalismo, a chamam de Socialismo, uma sociedade sem classes antagônicas, com os bens comuns de fato compartilhados, em que haja gestão política que atenda ao bem comum e não à idolatria do mercado que impõe cruel desigualdade social. Os/as cristãos/as acreditam que nossa utopia é o Reino de Deus que precisa ser construído a partir do aqui e do agora, cultivando Terra Sem Males, com relações sociais que tenham superado a exploração que a classe dominante perpetra contra as classes trabalhadora e camponesa para construirmos uma sociedade onde os/as trabalhadores/as “construirão casas e nelas habitarão, plantarão vinhas e comerão seus frutos. Ninguém construirá para outro morar, ninguém plantará para outro comer. [….] Ninguém gerará filhos para morrerem antes do tempo” (Cf. Isaías 65,17-25).

Assim como “errar é humano, mas permanecer no erro é burrice”, o povo brasileiro tem agora uma missão que não dá mais para adiar. Tornou-se intolerável esperar as eleições de 2022 para retirar do poder o atual presidente do Brasil, por vários motivos, entre os quais dois se destacam: 1) Ele já cometeu vários crimes e precisa ser julgado; 2) Tolerá-lo no poder significa continuar sendo cúmplice da morte de milhares de pessoas, irmãos e irmãs nossas devido à política de disseminação do coronavírus executada por Jair Bolsonaro e seus ministros de governo. Só o povo brasileiro, com organização e assumindo diferentes formas de lutas massivas, pode barrar o genocídio que está em curso. O Supremo Tribunal Federal, o Congresso Nacional e a elite brasileira, uma das mais opressoras do mundo, só agirão sob fortíssima pressão popular. A história nos mostra isso.

Os ex-subprocuradores-gerais da República Deborah Duprat, Álvaro Augusto Ribeiro Costa, Cláudio Lemos Fonteles, Manoel Lauro Volkmer de Castilho, Paulo de Tarso Braz Lucas e Wagner Gonçalves protocolaram uma Representação junto à Procuradoria Geral da República (PGR), na qual acusam o presidente Jair Bolsonaro de ter incorrido no Artigo 267 do Código Penal, que diz: “Causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos: Pena – reclusão de dez a quinze anos. § 1º – Se do fato resulta morte, a pena é aplicada em dobro. […]”. Outra Representação protocolada na PGR, assinada por 354 pessoas – e com milhares de adesões virtuais -, demonstra que Bolsonaro, com a sua conduta, já cometeu os seguintes crimes tipificados no Código Penal: – Artigo 132: perigo para a vida ou saúde de outrem; – Artigo 257: subtração, ocultação ou inutilização de material de salvamento; – Artigo 268: infração de medida sanitária preventiva; – Artigo 315: emprego irregular de verbas ou rendas públicas; – Artigo 319: prevaricação.  

Segundo essa representação, o presidente incorreu nesses crimes ao adotar as seguintes condutas, muitas delas de forma reincidente: 1) reiterados discursos contra a obrigatoriedade da vacinação e lançamento de dúvidas sobre a sua eficácia e efeitos; 2) ausência de adoção das providências necessárias para a adequada conformação logística da distribuição de imunizantes pelo país; 3) imposição de obstáculos à produção e aquisição de insumos, como ocorreu no caso de agulhas e seringas necessárias para vacinar o povo; 4) ausência de resposta do governo brasileiro à oferta da empresa Pfizer, em agosto de 2020, de aquisição de 70 milhões de doses de seu imunizante; 5) declarações públicas diversas, inclusive por meio de suas redes sociais, de que não adquiriria a vacina fabricada pelo Instituto Butantan (CoronaVac), do Estado de São Paulo; 6) desrespeito à recomendação da Organização Mundial da Saúde, sobre necessidade de campanhas eficientes de esclarecimento da população a respeito da imperatividade da máxima cobertura vacinal para eficiência do controle da doença COVID-19; 7) apologia do uso de medicamentos comprovadamente ineficazes e/ou prejudiciais aos pacientes portadores de COVID-19; 8) má utilização de recursos públicos na produção em larga escala, pelo Exército brasileiro, de cloroquina e hidroxicloroquina, contraindicados em muitos casos clínicos por chances de complicações cardiovasculares, e aquisição de insumos com preços até três vezes superiores ao habitual; 9) veto a trecho da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2021, que impedia o contingenciamento de despesas relacionadas “com ações vinculadas à produção e disponibilização de vacinas contra o coronavírus (Covid-19) e a imunização da população brasileira”; 10) prescrição, pelo governo brasileiro, do chamado “tratamento precoce” diante do alerta da escassez de oxigênio hospitalar na cidade de Manaus, cumulada com o aumento do imposto sobre importação de cilindros dias antes do colapso no estado do Amazonas. Após repercussão negativa, este imposto foi zerado.

Os subprocuradores, na representação, demonstram que o presidente não apenas está sendo incompetente na gestão, mas se tornou um agente dinamizador da pandemia do novo coronavírus. Os subprocuradores afirmam: “Posteriormente a essa bem fundamentada representação, veio a público pesquisa promovida pelo CEPEDISA/FSP/USP e Conectas Direitos Humanos, que, analisando 3.049 normas relativas à Covid-19 no âmbito da Governo Federal, estabelece uma linha do tempo que “demonstra a relação direta entre esses atos normativos, a obstrução constante às respostas locais e a propaganda contra a saúde pública promovida pelo governo federal”. Segundo a pesquisa, “Os resultados afastam a persistente interpretação de que haveria incompetência e negligência por parte do governo federal na gestão da pandemia. Bem ao contrário, a sistematização de dados, ainda que incompletos em razão da falta de espaço para tantos eventos, revela o empenho e a eficiência da atuação da União em prol de ampla disseminação do vírus no território nacional, declaradamente com o objetivo de retomar a atividade econômica o mais rápido possível e a qualquer custo“. Também ali se conclui que a ultrapassagem da cifra de 200 mil óbitos no país, em janeiro de 2021, é, em parte, resultado dessa opção, já que, em sua maioria, mortes seriam evitáveis se houvesse alguma estratégia de contenção da doença. Pelos discursos, decisões e medidas implementadas o presidente do Brasil assumiu o risco de ampliar em muito o número de mortos pela pandemia. Juridicamente, isso é dolo: praticar crime de forma intencional, sabendo do dano lesivo irreparável que causará.

Neste contexto, tornou-se necessária a luta pelo impeachment (impedimento) do presidente como caminho necessário para salvar vidas. O quarto Evangelho da Bíblia diz que Jesus Cristo “veio para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (João 10,10). Quem continua apoiando o atual presidente está cometendo um pecado grave, pois está sendo cúmplice da morte de milhares de pessoas. Se formos contabilizar o número de mortos em todas as outras áreas desastradamente desgovernadas, a mortandade é imensa: Amazônia sendo devastada, epidemia de câncer com 250 mil mortos por ano, cuja causa principal está no uso de cerca de 500 tipos de agrotóxicos liberados, incentivo à polícia para matar por “exclusão de ilicitude”, desmantelamento das áreas de saúde e educação públicas (Emenda 95: congelamento dos investimentos em saúde e educação por 20 anos), política econômica que empanturra os banqueiros com lucros abusivos e usurários, e condena à humilhação do desemprego grande parte da classe trabalhadora. Montesquieu dizia: “A pior tirania é a exercida à sombra da lei e com aparência de justiça.” Mahatma Gandhi afirmava: “Quando me desespero […] lembro-me de que […] em toda a história […] a verdade e o amor sempre venceram. Houve  tiranos  e  assassinos […] e, por um tempo, eles pareciam invencíveis […] mas, no final, sempre caíam. Pense nisto. Sempre.” Nem omissos e nem cúmplices, sejamos aguerridos nas lutas adotando mil formas para destruirmos o poder de quem está tiranizando o povo, os biomas e as próximas gerações. Que Maria, a mãe de Jesus e nossa mãe, nos encoraje a “derrubar do trono os poderosos e a elevar os humildes” (Evangelho de Lucas 1,52). Isto é o que Deus, mistério de infinito amor, e Jesus Cristo revolucionário pedem e esperam de nós.

2/02/2021

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 – Palavra Ética na TVC-BH: Salvar vidas na Pandemia e defesa dos Geraizeiros do norte de MG-27/6/2020

2 – Palavra Ética na TVC-BH: Quarentena para salvar vidas, mineração em Ibirité/MG, não; Quilombo Braço

3 – Frei Gilvander: “Salvar vidas agora, antes que seja tarde!” – Na luta por direitos – 16/4/2020

4 – Quarentena para salvar vidas/2a Parte/Frei Gilvander/Rádio Independente FM 104,9/Ichu/BA- 07/4/2020

5 – Quarentena para salvar vidas – Frei Gilvander/ Rádio Viva Brasil FM – Três Corações, MG – 31/3/2020

6 – Coronavírus: como vencer o capitalismo de desastre?

7 – CORONAVÍRUS, CLIMA E CAPITAL: a irracionalidade destrutiva do capitalismo

8 – PANDEMIA: ESTE SERÁ O FIM DO CAPITALISMO?!!!


[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente da CPT, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH e de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: [email protected] – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –    Facebook: Gilvander Moreira III

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

COMENTÁRIOS

Uma resposta

  1. Precisamos de líderes! A muito não aparece um líder no Brasil. Então, artistas, atores, cantores, jornalistas, influenciadores digitais em suma toda pessoa pública que tem voz, vamos unir para se organizar num plano de ação conjunta. As manifestações individualizadas não surtem resultados expressivos. Lógico se unindo aos políticos de oposição. O povo que apoia Bolsonaro não vai largar. Seria a mesma coisa que pedir oposição dê apoio ao atual governo. Precisamos de lideranças de oposição, estamos desorganizados enquanto a direita e centrão estão organizados.

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