Museu é lugar de quê?

ReExistir - Foto: Sandra Lopes

Com o objetivo de levantar discussões sobre existir e resistir em um país com tantas deficiências estruturais e políticas como o Brasil, está em exposição no Museu da Imagem e Som de Campinas (MIS) a mostra ReExistir, que reúne, pela primeira vez, o trabalho do coletivo feminino de fotografia Carolinas.

Rompendo com a ordem tradicional de exposições fotográficas em museus, as imagens de Fabiana Ribeiro, Cintia Antunes e Sandra Lopes, são apresentadas impressas em tecidos, nas dimensões de 1,20m x 0,80m, dando a sensação de tridimensionalidade e movimento, dialogando diretamente com a mobilidade dos temas escolhidos para serem retratados pelas fotógrafas, todos de cunho político-social. O coletivo encara a técnica de impressão nesses tecidos também como uma forma de aproximar as pessoas da arte, que pode ser tocada, experimentada e vista de vários ângulos.

A sala da exposição REexistir divide-se em três temas diferentes. Com fotografias da comunidade Nelson Mandela, liderada por mulheres e um símbolo da batalha constante por direitos básicos na cidade-, Fabiana Ribeiro capta vários momentos importantes das questões de moradia e falta de políticas públicas com populações vulneráveis socioeconomicamente.

“Quais os reflexos desse pós-golpe na vida do trabalhador? Na identidade de classe, de gênero? Temos todas essas discussões rolando na Mostra’’, diz Fabiana, se referindo ao processo que culminou com a saída da presidenta Dilma Rousseff, em setembro do ano passado.

A fotógrafa Sandra Lopes é a responsável por tocar nos tabus da sexualidade e todo o discurso intolerante revivido nos últimos tempos, como por exemplo, a polêmica cura gay, surgida a partir de um projeto de lei que pretendia permitir que psicólogos se envolvessem em tratamentos para “reversão” da homossexualidade. ‘’Corpos e nudez existem na arte desde que o homem começou a desenhar e pintar paredes, na pré-história, conhecida como arte rupestre’’.

As fotografias de Cintia são frutos do projeto ‘’EmPodera’’, oficinas gratuitas de fotografia realizadas em vários espaços pela arte-educadora na cidade. Nelas, adolescentes de movimentos sociais são retratadas de uma forma sensível, enfatizando o protagonismo delas diante da própria história, trazendo questionamento sobre gênero e classe.

A Mostra ReExistir faz parte de outra exposição em cartaz no MIS, a Mostra Luta – organizada por coletivos populares de comunicação – que também traz questões político-sociais para dentro do museu, desde 2008.

As exposições exibidas no MIS-Campinas entre outubro e novembro de 2017, dão continuidade a uma discussão iniciada meses antes, com o encerramento da exposição Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira. Cancelada pelo Santander Cultural, e precursor de uma série de polêmicas envolvendo arte, que levantou questionamentos sobre como deveria ser utilizado o espaço cultural, principalmente museus.

 

Fotografas do Coletivo em roda de conversa

 

Museóloga e especialista cultural do MIS Campinas, Juliana Siqueira defende o museu como um espaço de reflexão, um espelho da cultura que permeia e habita todos os espaços sociais, possibilitando uma visão sólida sobre a forma como se vive e se poderia viver. “Quando, no Queer, no MAM, no Masp, mostra-se a sexualidade de forma utópica, ou seja, sem opressão, é o papel do museu refletir e ver outras possibilidades de libertação. Não apenas consumir um produto, como em um shopping center’’.

Juliana acredita que a não aceitação dessas manifestações culturais se devem a uma onda de conservadorismo, resultante da crise econômica atual, uma vez que, quando o sistema entra em crise, a tendência é que a classe mais privilegiada seja menos aberta a negociações. “Quando isso acontece, essa classe tende a buscar um culpado. É possível notar comportamento semelhante, por exemplo, quando a população alemã responsabiliza os judeus pela crise econômica na década de 1930. No Brasil, vê-se isso no cenário atual.”

Ainda de acordo com ela, todas as exposições repudiadas por parte da população nos últimos meses têm como ponto em comum: performances e exposições que tocam em assuntos considerados tabus, como o nu, as opressões e a sexualidade. “Defender a liberdade do corpo, de um corpo que não é totalmente erotizado, é de enorme validade. A erotização está na cultura de massa, na exploração comercial, o que não é o caso da arte. A arte, em si, é quem questiona isso’’, afirma a museóloga.

 

O professor de  história contemporânea da PUC-Campinas, Lindener Pareto,  explica que as polêmicas que tangem o mundo artístico são parte do seu próprio conceito, já que essas expressões tendem a refletir sobre a condição humana. ‘’Sempre foi fundamental, principalmente em períodos difíceis do ponto de vista político-social, que os artistas se manifestassem  criticamente. Nós nunca estivemos isentos do problema da censura, mas agora estamos voltando a viver esse período. Não como uma repetição da história, mas como permanência do fascismo do século vinte’’.

Um episódio emblemático para refletir sobre os acontecimentos recentes é, segundo o professor, pensar que na Alemanha nazista, quando Picasso e outros grandes artistas do momento eram conhecidos por fazer “arte degenerada’’. De acordo com Pareto Júnior, o que tinha valor para aquele povo, naquele contexto, era a arte tradicional de séculos anteriores. “A arte sempre passou por essa subjetividade, ninguém é obrigado a gostar de nada. Mas, ao mesmo tempo não é necessária censura. Então, a manifestação artística faz parte da liberdade e expressividade humana’’.

Para Juliana, levar exposições como a Mostra Luta e ReExistir para dentro de espaços institucionais como museus ajuda a lançar luz sobre questões sociais, que muitas vezes acabam não sendo abordadas por fazerem parte de grupos excluídos socialmente. “As pessoas que são excluídas são as mesmas que conquistam os avanços sociais. Então, elas precisam estar aqui. Faz parte do papel do museu expor o que não é hegemônico na cultura, dar focos de reinvenção ao mundo’’, explica.

Outro ponto característico das mostras Lutas e ReExistir tem a ver com representatividade desses grupos. “Quem é que vai contar a história da menina que vive na ocupação? E das Mulheres que estão lá? O museu que abriga esse tipo de acervo aceita a palavra do outro. É a museologia social”, conclui a especialista cultural.

As mostras Luta e ReExistir estarão em cartaz até o fim de novembro no MIS- Campinas.

 

O coletivo feminino Carolinas

O coletivo de fotografia feminino está em construção e na formação da sua base estão as fotógrafas Cintia Antunes, Fabiana Ribeiro, Gabriela Zanardi e Sandra Lopes, e a especialista cultural Juliana Siqueira. O nome “Carolinas” surgiu como homenagem a mulheres como a escritora negra Carolina de Jesus e outras mulheres como a educadora Carolina Florence. A perspectiva é reunir diferentes linguagens. A heterogenia e a inclusão aliadas a preocupação com o papel da fotografia no processo de democratização de imagens, informações e sociais fazem parte da proposta do coletivo.

Por Victória Cócolo

Ensaio_Empodera | foto: Cintia Antunes
Comunidade Mandela | foto: Fabiana Ribeiro

COMENTÁRIOS

Uma resposta

  1. O facebook impediu a minha postagem desta matéria alegando que apresentaria fotos inadequadas. Acontece que a reportagem está na mídia e nunca foi censurada.

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