Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro leiloará obra de Pollock para criar um Fundo Patrimonial

Danilo Avila, para os Jornalistas Livres

Uma notícia surpreendeu o mercado de arte brasileiro no domingo passado (18), a coluna de Lauro Jardim no Jornal O Globo vazou: o MAM-RJ planeja vender a obra “no. 16” (56,7×56,7 cm) de Jackson Pollock para angariar recursos que possam criar um fundo para a “manutenção do MAM e aquisição de obras”. Em nota, o MAM afirma que “o dinheiro terá regras rígidas de uso, gestão e auditoria independente”, mas também não descreve além. É anunciado que, com a medida, “o MAM espera ter uma folga financeira por uns 30 anos”. Alega-se a busca pela “autossustentabilidade” pelos próximos trinta anos.

Com o desenrolar dos acontecimentos, as notícias presentes neste vazamento foram se esclarecendo e as instituições passaram a se posicionar sobre a questão. Em primeiro, a nota do MAM justificando as causas e objetivos do leilão. Para a instituição, o principal objetivo é a criação de um PDE – Patrimônio com Destinação Específica –, termo escolhido pela instituição para anunciar o seu fundo patrimonial (endowments). A verba desses fundos é aplicada em ativos de médio risco no mercado financeiro, de forma que se possa utilizar os rendimentos para subsidiar a folha de custos da instituição. Por se usar apenas os rendimentos, leva-se um tempo considerável para que os rendimentos seja significativo em relação ao orçamento da instituição. A instituição considera essa empreitada como uma “ação inédita no país”.

Na nota, a venda desta obra é justificada a partir de um conceito de políticas públicas para o mercado da arte utilizado amplamente no exterior, o deaccessioning. Mostra-se apenas que este é um recurso amplamente utilizado pelos museus na Europa e nos Estados, gesto que demonstra a apologia à estratégia. No entanto, mesmo nos EUA e Europa, os museus têm encontrado posições extremas dentro desse escopo, gerando o que intitularam de “deaccessioning debate”.

Para Martin Gammon, no livro, “Deaccessioning and Its Discontents”, tanto a posição apologética (“deaccession apology”) quanto a negativista (“deaccession denial”) são prejudiciais às políticas públicas. As medidas devem, sobretudo, serem pautadas em discussões situacionais e em exemplos que refletem as condições históricas do país, pois o “deaccessioning” não é uma panaceia para a situação financeira paupérrima de determinados museus, o livro inclusive exibe alguns casos em que os rendimentos foram extraviados ou mal administrados.

Apesar de ser declarado como um fundo dirigido a uma especificidade, ao longo da nota, o MAM arrola o seu benefício para atividades distantes, desde a aquisição de novas obras do repertório brasileiro até o pagamento de infraestrutura, segurança e manutenção do prédio. Cabe aqui lembrar que, historicamente, os endowments se constituíram a partir de doações de grupos ou doadores individuais que gostariam de destinar certo montante a uma atividade específica de determinada instituição, assim seu montante doado seria reservado em um fundo a parte que geraria receita no mercado financeiro e esta receita só poderia servir ao fim exclusivo pactuado entre a instituição e o doador. Constituir um fundo patrimonial a partir de um deaccessioning é uma exceção e também uma adaptação desse modelo de financiamento à realidade brasileira que não possui uma cultura de doações individuais, como mostra o MAM ao lamentar na nota: “ao contrário dos EUA e da Europa, onde são constantes doações de grandes somas de recursos para museus, e até mesmo modestas contribuições feitas pelo cidadão comum, o Brasil não exercita esta prática”.

 

O IBRAM – Instituto Brasileiro de Museus, vinculado ao MinC – solicitou a suspensão da venda, mencionando “que os preceitos éticos que norteiam a gestão dos museus acolhem a possibilidade de venda de obras unicamente se a renda obtida for integralmente destinada à aquisição de outras obras”. É de interesse do órgão discutir métodos alternativos, mesmo que estes ainda não estejam formulados. A instituição atenta que, para uma medida desse nível, é preciso haver discussão ampla e irrestrita com os diversos setores envolvidos.

Deve-se ressaltar, em meio a discussão sobre a viabilidade do leilão, a postura intransigente do diretor do MAM-RJ em entrevista à Folha que o pediu para comentar a nota do IBRAM. Em primeiro lugar, Chateubriand afirma não ter vínculo com o orçamento federal ou estadual, assim como não possui nenhum acervo tombado e assume total responsabilidade sobre o financiamento da instituição. “Nós somos uma instituição privada, sem fins lucrativos, não temos acervo tombado e não recebemos nenhuma ajuda de governo federal e nem municipal, ou seja, nós temos que cuidar de todos os nossos custos”. Somado a isso, Chateaubriand afirma que não “discutirá esse assunto com a imprensa”. “Isso tudo [discutir medidas alternativas] é muito bonito, mas como se pagam as contas? É preciso ver se essas medidas alternativas envolvem recursos significativos ao museu.” Quem garante que esse “patrimônio de fim específico” não será o estofo da próxima “crise orçamentária” na cultura?

Essa medida faz parte de uma movimentação que flexibilizará ainda mais o financiamento às instituições de cultura, isentando cada vez mais o Estado e incentivando os cortes orçamentários nos fundos de cultura. É possível imaginar como seria para uma universidade ou um museu depender inteiramente deste fundo para arcar com toda a folha de pagamento e outras despesas, o que, a princípio, desvirtua o fundo do seu direcionamento para atividades em específico. Outrossim, quem garante que esses fundos não serão utilizados indevidamente através de conchavos com instâncias de prestação de contas?

Diante da decisão do IPHAN de não barrar o leilão, uma vez que a obra em questão não é tombada, é importante nos atentarmos para o pedido do IBRAM de paciência e discussão pública. Ao ser entrevistado pel’O Globo, Chateubriand mostra que quer fazer do MAM-RJ uma instituição 100% privada, “pública apenas por receber visitantes”, desconsiderando os montantes já recebidos do orçamento federal, estadual e municipal, das leis de incentivo fiscal, e considerando apenas a natureza orçamentária atual.

Existem alguns projetos de lei em trâmite burocrático na Câmara e no Senado que visam legalizar a criação de fundos patrimoniais para instituições públicas de cultura e universidades. O que mais avançou dentre eles é o projeto da senadora Ana Amélia de nº 16/2015. Inicialmente apenas um projeto para as universidades, durante sua tramitação o PLS foi estendido para abranger fundações, ONGs e instituições sem fins lucrativos. Desse modo, as instituições poderão criar um “patrimônio de afetação” que devem ser utilizados para subsidiar uma atividade-fim específica. Contudo, “quem paga a banda escolhe a música”.

No âmbito público, os fundos são uma tecnologia de sofisticação do estado mínimo, como uma forma de desonerar o Estado de sua responsabilidade de financiamento, a transferindo para o Mercado, de modo que as empresas interfiram mais diretamente nos rumos da Cultura. Uma vez travada essa relação, esse movimento tende ao monopólio de algumas instituições sobre outras.

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