Mulher tenta suicídio, sofre aborto e é processada por interromper a gravidez

O caso ocorreu em 2017, mas a denúncia foi feita ao MP em 2020. Juiz decidirá se a mulher irá a júri popular
aborto - foto: reprodução/ jornal da usp
aborto - foto: reprodução/ jornal da usp

Em 2017, uma moradora de São Paulo tentou suicídio ingerindo veneno, foi socorrida, porém após 5 dias a mulher, que estava grávida de sete meses, perdeu o feto. Em 2020, ela foi denunciada pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) pelo crime de aborto previsto no Código Penal com pena de um a três anos de reclusão. 

A primeira audiência do processo ocorreu nesta semana, o marido da mulher acusada foi ouvido. A defesa tenta localizar a médica que realizou o procedimento para depor no processo. O caso chegou ao Ministério Público através do hospital, que comunicou a polícia sobre o aborto. O promotor do caso Rogério Leão Zagallo afirmou que a tentativa de suicídio provocou o aborto do feto “manifestamente demonstrado que ela assumiu o risco de causa a morte de seu feto, uma vez que sabia que estava grávida e, mesmo assim, ingeriu o aludido veneno, sendo ele a causa efetiva do abortamento”.

O advogado da ré, Renan Bohus, defende que o estado de saúde mental da mulher era crítico, ela estava em depressão profunda devido a rejeição da família quando descobriram a gravidez “a vítima tinha a finalidade de por fim a um sofrimento incessante. Ao ingerir a substância venenosa, a denunciada visou encerrar a própria vida. Não havia qualquer intenção de abortar. Portanto, não há que se falar em dolo em abortar. Cabe ressaltar também que a denunciada estava em estado mental crítico, atordoada”, declarou Bohus. 

A advogada e mestranda em Sociologia, pesquisadora na área de violência contra mulheres, Andréa Albuquerque, em entrevista para os Jornalistas Livres, relata que o artigo 26 do Código Penal considera incapaz de compreender a dimensão criminosa de suas ações alguém que “por doença mental era, ao tempo da ação, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”. Ela complementa dizendo que “pelo que foi noticiado, essa mulher encontrava-se com depressão, que é uma doença psiquiátrica, num estado tão extremo que chegou ao ponto de desistir de viver. Como imaginar que alguém, prestes a cometer suicídio, pode ser mentalmente capaz de avaliar que a morte do feto em sua barriga é um fato ilícito?”

Andréa ainda ressalta que o MP abrir o processo em 2020 não é mera coincidência “esse é só mais um exemplo de perseguição institucional a mulheres, como vários que temos visto e que seguem uma agenda conservadora. Até mesmo os abortos legais têm sofrido tentativa de criminalização e nem as vítimas de estupro, ainda que meninas, são poupadas dessa caça às bruxas moderna, que só promove revitimização e sofrimento.”, afirmou a advogada.

Para finalizar Andréa afirmar não haver previsão legal para aborto acidental ou “culposo”, resultante de negligência. “O Código Penal, em seu artigo 18, afirma que ninguém pode ser punido por fato previsto como crime senão quando o pratica dolosamente, salvo casos previstos em lei. Não há como afirmar que, durante o cometimento da tentativa de suicídio, essa mulher assumiu conscientemente o risco de interromper a gravidez, como afirma o Ministério Público. A intenção dessa mulher era acabar com a própria vida e suicídio não é crime no Brasil.”, concluiu Andréa. 

O CVV – Centro de Valorização da Vida realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, email e chat 24 horas todos os dias. Disque 188.

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