Moonlight, La La Land e o Oscar que continua escapando

Quando chegar a próxima terça-feira, 24, e os indicados ao Oscar 2017 forem anunciados com a pompa e circunstância (e a mistura de surpresas e decepções) de sempre, algumas coisas são mais que certas. Como qualquer pessoa ligada em cinema poderia te dizer, Moonlight e La La Land são os dois filmes que mais aparecerão nas categorias principais, e eles não poderiam ser mais diferentes entre si – o primeiro é um drama de inspiração teatral sobre um jovem negro de periferia descobrindo sua sexualidade, enquanto o segundo é um musical na ensolarada Los Angeles que resgata a tradição de Fred Astaire, Ginger Rogers, Gene Kelly e Debbie Reynolds.

A essa altura, ambos os filmes já estão disponíveis para os cinéfilos checarem, legalmente ou não, e a verdade é que os dois tem suas virtudes, e certamente merecem estar escalados entre os melhores do ano. La La Land é uma celebração do próprio espírito do cinema, do artifício e da superfície brilhante que ele traz (ou costumava trazer) em seu filtro da realidade, da forma como lidamos com os nossos sonhos e comunicamos nossas paixões, artísticas ou pessoais. É soberbamente dirigido, atuado, fotografado e musicado, seja nas canções originais ou na trilha incidental. Seria um vencedor de Oscar de Melhor Filme impecável… Se não estivesse no mesmo ano de Moonlight.

Emma Stone e Ryan Gosling em La La Land

Quando assisti ao drama de Barry Jenkins pela primeira vez, ele me intoxicou os sentidos. A fotografia de James Laxton abusa dos clichês do cinema independente, mas encontra uma forma toda particular de se expressar nas cores e iluminações, enquanto o roteiro dividido em três atos explora uma descoberta de identidade que é tão pessoal quanto social. Moonlight é o filme contemporâneo perfeito, um casamento harmonioso entre uma história essencialmente emocional e seus impactos mais duradouros e amplos. É arte-espelho, que nos faz examinar as profundezas de nossa psique e nossa alma, ao mesmo tempo em que é arte-protesto de forma sutil e inteligente, sem cair em chavões fáceis e maniqueístas.

Moonlight é uma sessão de cinema fundamental para qualquer ser humano com o mínimo de consciência social em 2016/17, e é também uma obra transformativa e profundamente tocante. É, em suma, uma obra-prima, cujos efeitos serão sentidos para muito além do dia 24 de fevereiro, quando o Oscar será entregue, provavelmente, ao concorrente, La La Land. Digo isso porque a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, que concede o prêmio todos os anos, é apaixonada por filmes que celebram o próprio cinema e contam histórias de artistas, além de sempre buscar a chance de premiar um musical, naturalmente um gênero que se presta a mais realizações técnicas.

Se você for apostar seu dinheiro no Oscar 2017, eu diria para apostar em La La Land, mas torceria para estar errado.

Birdman e Boyhood, gigantes do Oscar 2015

Oscar escorregadio

Caso minha previsão se concretize, não será a primeira nem a última vez que o Oscar concede a estatueta mais importante do ano para um grande filme que competia com uma obra-prima. Em 2015, quando Birdman triunfou sobre Boyhood, o jornalista Dan Kois, do Slate.com, marcou esse como “o pior erro da Academia em 20 anos”, comparando-o à derrota de Pulp Fiction em 1995 para Forest Gump. Embora nem tantos escritores concordem comigo, eu acho que o mesmo tipo de erro foi cometido pela Academia no ano passado, quando o excelente e fundamental Spotlight triunfou sobre o absolutamente revolucionário Mad Max: A Estrada da Fúria.

Essas sentenças não são condenações dos filmes que venceram, diga-se de passagem. Birdman, Forest Gump e Spotlight são peças espetaculares de cinema, e estão longe de serem os piores a vencer o prêmio de Melhor Filme do Oscar – para dar um exemplo próximo, basta olhar para Argo, que é um filme apenas eficiente, mas ganhou o prêmio de 2013 sobre obras como As Aventuras de Pi. Assim como os três filmes citados acima, La La Land é magnífico, e merece ser visto, revisto e celebrado, mas não é o grande filme do ano ou o pedaço de cinema que nos fez ver essa forma de arte centenária sob uma nova luz.

Viola Davis em Fences

Esse posto pertence a Moonlight, que, caso ganhe, será apenas o segundo filme dirigido por um cineasta negro a vencer a categoria principal do Oscar, após 12 Anos de Escravidão, em 2014, não por acaso uma das escolhas mais acertadas da Academia no passado recente. Já na categoria de Melhor Direção, um negro nunca ganhou – de fato, apenas três foram indicados, incluindo Steve McQueen, de 12 Anos de Escravidão, que perdeu para o mexicano Alfonso Cuarón, curiosamente o primeiro latino a vencer na categoria.

Na categoria Melhor Atriz, a única vencedora negra continua sendo Halle Berry, que ganhou por A Última Ceia em 2002. A derrota de Viola Davis por Histórias Cruzadas em 2012, para o que foi considerada uma performance menor da lendária Meryl Streep (em A Dama de Ferro), continua causando fúria nos fãs da atriz, que vinha forte para a categoria em 2017 até os produtores resolverem “rebaixá-la” para Melhor Atriz Coadjuvante, a fim de melhorar sua possibilidade de vitória. Entre as secundárias, Viola é aposta certa – mas quem assistir ao filme, Fences (Cercas, no Brasil), vai ficar sem entender por que ela não está concorrendo na categoria principal.

É por esses e por outros marcos que continuam escapando das mãos da Academia que o Oscar todos os anos enfrenta críticas (justas) por sua falta de diversidade. Dar o prêmio para Moonlight não só seria um gesto para reparar essa ponte quebrada entre o público e a premiação como reconheceria o trabalho mais emblemático e inesquecível de 2016.

*Caio Coletti é um jornalista de Itatiba (SP), formado na PUC-Campinas. Colaborador do Taste of Cinema e do Jornalistas Livres.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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