MLT Baixa Verde, uma história de resistência

Parte 2 da história do assentamento do MLT, que se desenvolve até hoje: VIOLÊNCIA NO CAMPO EM ACAMPAMENTO NA BAHIA

Série MLT PARTE 2: VIOLÊNCIA NO CAMPO EM ACAMPAMENTO NA BAHIA

Por Carlos Lacerra

Em meados de outubro de 2010, logo após o Movimento de Luta pela Terra (MLT) garantir a permanência na área derrubando nas duas instâncias a reintegração de posse favorável à empresa, surgem na área indivíduos suspeitos, que se aliaram a um ex-membro do acampamento, que foi expulso por condutas criminosas, como posse e uso de drogas, roubo. Aproximadamente em novembro de 2010, eles se articularam com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Eunápolis e ocuparam uma área próxima e, alegando possuir o amparo da FETAG-BA – Federação dos Trabalhadores na Agricultura da Bahia, iniciaram um processo de falso assentamento, espalhando em torno do pleito legal, no caso o acampamento do MLT, inúmeras pessoas, com o discurso de que a área já havia sido liberada.

Ao obterem a manutenção de posse, os membros do MLT acreditaram que passariam por momentos de calmaria, pois a empresa não mais os pressionaria judicialmente e eles poderiam trabalhar com tranquilidade, nem que fosse temporariamente, no entanto, o que se deu a seguir foi o oposto. A invasão da área pela FETAG foi composta por diversos recursos de violência, com ameaças, diversos casos de mutilação de animais, roubo de animais, ferramentas e roças, roubo e queimada de madeira, posse de arma de fogo e até homicídio. O primeiro boletim de ocorrência data de dezenove de novembro de 2010, precisamente três meses após a garantia de posse do imóvel pelo MLT.

Entretanto, os membros do MLT não cederam às ameaças e se protegeram como puderam das violências, mantendo diálogo com os setores responsáveis da segurança pública e os setores que tratavam das questões referentes à concretização do assentamento. Todas as famílias do movimento residem no acampamento Baixa Verde, conhecido por toda sociedade civil eunapolitana, por promover diversas ações sociais, encontros e seminários e que é o mesmo desde o início do processo em 2009, mas os invasores se espalharam em volta do acampamento, queimando roças e ameaçando invadir o acampamento. Em uma ocasião, um ex-membro do acampamento denunciou à Polícia uma reunião do grupo invasor, com intuito de invadir o Baixa Verde. Esse denunciante, que ocupava uma área fora do pleito, foi assassinado e teve seu barraco destruído. O crime permanece sem resposta e ninguém foi preso.

Em março de 2011, já apreensivos com a gravidade dos acontecimentos, uma comissão do MLT composta por cinco pessoas se dirige a Salvador e procura a direção estadual da FETAG. Na ocasião, estavam presentes o Presidente da entidade: Cláudio Bastos, acompanhado da vice-presidente, a Secretaria de Mulheres, entre outros membros. A pauta da reunião era exclusivamente expor aos mesmos a situação que ocorria no município de Eunápolis, solicitando intervenção da entidade. Na ocasião, os integrantes do MLT retiraram uma bandeira da FETAG que estava hasteada na Fazenda São Caetano e levaram para a reunião.

Os diretores da FETAG assumiram que era um fato isolado e tomariam as providências cabíveis, pois a função da entidade era agregar, não separar trabalhadores. No entanto, ao retornarem a Eunápolis, os integrantes do MLT foram surpreendidos com inúmeras bandeiras da FETAG hasteadas em diversos pontos da área.

A direção nacional do MLT e decidiu notificar formalmente a FETAG, para criar registro do fato. Em 28 de Abril de 2011 protocolaram ofício notificando o conflito.

Protocolo feito à FETAG explicitando o conflito. Foto: arquivo pessoal.

O MLT seguiu então fazendo gestão em duas frentes: uma relacionada ao embate com a empresa e o Estado para assegurar o assentamento das famílias. A outra com os setores de segurança pública, no sentido de se proteger dos invasores, que permaneceram sempre se valendo de recursos violentos.

Em 2016, após diversas manifestações do MLT, ocupações de órgão públicos em Salvador e paralisações dos maquinários e carretas da empresa, houve um acordo entre o Estado, a empresa e o Movimento. Nesse acordo, existe a citação de que a área deve ser destinada para o assentamento das famílias ligadas à ASCOMBAVE – Associação Comunitária dos Produtores Rurais da Baixa Verde – associação criada para representar os acampados. Posteriormente foi homologado pelo juiz da comarca de Eunápolis, marcando a presença do judiciário no acordo e inaugurando uma nova fase no contexto da área, a construção efetiva do assentamento. Fruto desse acordo também, foi a criação da Portaria nº 13 de 02 de março de 2018, publicada pela Secretaria de Desenvolvimento Rural – SDR, que versa sobre o processo de seleção das famílias para assentamento na Fazenda São Caetano.

Com essa portaria, iniciam-se os trâmites políticos e jurídicos da concretização do assentamento. Em dado momento, pela falta de iniciativa do Estado em fazer gestão na área com vias a acelerar o processo e beneficiar os demandantes originais, ocorreu que a área passou a ser cada vez mais inflada pelas lideranças da FETAG, trazendo pessoas das mais variadas e intensificando as formas de ameaças e violências. O Estado por sua vez, passou a considerar os invasores como pessoas que tivessem direito a ser assentadas, ao invés de observar as incontáveis denúncias que fez o MLT ao longo de todo o processo de conflito. Com isso os membros da FETAG passaram a ser considerados aptos, apesar do que diz a lei nacional de Reforma Agrária – que determina que tem direito ao assentamento, o movimento que primeiro ocupar e permanecer trabalhando e buscando juridicamente a conquista da terra.

Um estudo de viabilidade da área foi desenvolvido pelo CDA antes da publicação da portaria Nº 13, que constatou que a área comportaria o máximo de 90 famílias. Nesse mesmo estudo, o CDA identificou 141 famílias para cadastro de seleção, o MLT possuía 83 famílias na área e os invasores contabilizaram 58 famílias. A partir de 2018 o Estado através do CDA inicia as publicações de Diário Oficial acerca da convocação de famílias aptas para o assentamento, foram várias publicações, onde alguns membros do MLT foram excluídos do processo, o que fez com que o movimento se articulasse, através da portaria Nº 13, para garantir as famílias.

Houve inúmeras negociações, com dezenas de publicações postadas e corrigidas, onde o CDA diversas vezes negligenciou a portaria Nº 13. Assolado pelas violências feitas pela FETAG há mais dez anos e pressionado pelo Estado, o MLT cede metade da área pleiteada, acreditando que com isso resolveriam o problema referente ao assentamento das famílias, o que não ocorreu por conta das ações criminosas da FETAG, que continuaram. Consignou-se que a área seria dividida entre os movimentos, com 50% de capacidade para cada, apesar de a FETAG não ter público permanente e a cada visita da equipe técnica do CDA apresentar famílias diferentes, algumas recém chegadas, situação que se perpetua até o presente. Por fim, foi publicada a versão final da lista de nomes, destinando parcelas individuais aos beneficiados, inclusive com numeração de lotes ligados aos CPFs dos beneficiários.

Para Adiel Angelo, presidente da ASCOMBAVE – Associação Comunitária dos Produtores Rurais da Baixa Verde – associação que representa os acampados, “estão nos empurrando com a barriga. O que falta para que as famílias ligadas ao MLT tenham suas áreas legalizadas? Não compreendemos também por que os membros da FETAG estão invadindo os lotes pertencentes ao MLT, quando já possuem lotes destinados ao assentamento de suas famílias, apesar de, como mostra toda a história da área e os documentos, não houve menção nenhuma à FETAG em toda a negociação que gerou a liberação do imóvel, sua atuação gira em torno de violência e boletins de ocorrência, e a FETAG não fez nenhum tipo de gestão para assentamento na área, está sendo beneficiada e atrapalhando os beneficiários do MLT, e o Estado não faz nada.”

A divisão da área foi feita em glebas A, B e C, sendo as áreas A e B destinadas ao MLT e a gleba C destinada à FETAG. Além da macro divisão, foram divididas glebas individuais e coletivas destinadas às famílias de cada movimento, conforme ilustram os mapas.

Cosme Miranda, membro da ASCOMBAVE/MLT acusa o Estado de morosidade na condução do processo, para ele “como demandantes, eles esperam desde 2009 – com o resultado da discriminatória – para assentamento de suas famílias. A lentidão do Estado é que alimenta o conflito, por que os invasores alegam desconhecer o processo legal da área.” Para Miranda “é fundamental um processo de desobstrução da área, que remova os invasores da FETAG que estão em áreas do MLT, por que somente com suas glebas desobstruídas poderão reiniciar a condução do projeto produtivo e que precisam de intervenção urgente por parte do Estado e dos órgãos de segurança para desobstrução das áreas e a punição dos criminosos.” E finaliza: “a postura do Estado chega a servir como fomentadora do conflito, pois liberaram Contratos de Concessão de Direito Real de Uso para serem assinados por invasores de lotes, em tempo que as famílias ligadas ao MLT que possuem lotes invadidos ainda aguardam a assinatura de seus contratos, mesmo tendo sido os ocupantes iniciais e estando há mais de 12 anos na área”.

“O Estado deveria garantir a assinatura dos termos de todas as famílias do MLT, para que a associação e os membros tenham suporte jurídico para combater as invasões. Além disso estão há 13 anos lutando por essa terra e deveriam ser protegidos pelo Estado, que insiste em apoiar os invasores.” As famílias ligadas ao MLT aguardam no acampamento Baixa Verde a desobstrução de seus lotes, em tempo que as invasões continuam com recursos de violência e o Estado permanece com a mesma postura, que para Juenildo Oliveira, representa omissão, “se o Estado não resolver nosso problema, quem vai resolver? O Estado tem se negado a assumir sua responsabilidade pois negligenciaram compromissos assumidos com o MLT em reuniões e lives, e ainda por cima se negam a disponibilizar ATAs e memórias de reuniões e audiências públicas que trataram do assunto, exigimos respeito e o cumprimento dos acordos, além de liberação dos CCDRU – Contrato de Concessão de Direito Real de Uso – de todas as famílias ligadas ao MLT, além de desobstrução da área. Precisamos de nossos lotes para trabalhar.” diz Gerssonete Gonçalves, membra do MLT e da associação.

Outro lado

Os Jornalistas Livres enviaram e-mail para a FETAG-BA, mas não tivemos resposta até a publicação desta matéria.

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