CARTAS AO CÁRCERE PATERNO: filha de José Genuino borda diário em defesa da verdade

Miruna: a guerreira
Por Jota Amaral para os Jornalistas Livres

Miruna tem origem indígena, mas também tem um significado nos países eslavos de “pessoa pacifica”. Talvez esse significado seja o que mais represente a personalidade de Miruna Kayano Genoino. Ao contrário do pai, guerrilheiro dos tempos de repressão militar no Brasil, ela sempre teve as palavras como arma e as usou para lutar contra as seguidas injustiças que aconteceram com o patriarca dos Genoíno.

Filha de José Genoino Guimarães Neto, Miruna sempre teve uma relação muito forte com a escrita. Sempre precisou dela para se expressar, aproveitando uma facilidade para colocar o que sente em forma de palavras. Apesar de ser a autora das cartas que dão base ao livro lançado em Florianópolis na quinta-feira (28), ao lado do pai, Miruna afirma que seu objetivo não era escrever um livro, mas seus textos foram crescendo pelo amor filial e se transformaram em uma coletânea em defesa da verdade de sua família.Além do lançamento do livro, ela e o pai acompanharam o lançamento da pré-candidatura para deputada federal por Santa Catarina de Elenira Vilela, filha do guerrilheiro, Carlos Vilela, que militou com Genoino na clandestinidade durante os anos de chumbo.

Genoíno e Miruna ao lado de Elenira Vilela e de seu filho Cauê: aliança de guerreiros

O título do livro, “Felicidade Fechada”, foi dado pela filha de Miruna, Paula. Ao contar para os filhos que estava escrevendo um livro sobre o avô deles, a pequena Paula disse: “O vovô é nossa felicidade, e ele ficou lá preso, fechado, então a nossa felicidade estava fechada. Ainda bem que ele saiu”.

Felicidade Fechada foi construído coletivamente”, defende Miruna, ao afirmar que a publicação pertence à família Genoino e não a ela. “Foi uma dor muito grande. Mas o livro representava, e continua representando, a nossa luta para contar a história que aconteceu com José Genoino. A história de injustiça, de como a mídia convencional deturpou todos os fatos, de como ele foi condenado antes de ser julgado”, defende.

Recusada por algumas editoras, a publicação só foi possível quando a Editora Cosmos propôs uma campanha na plataforma digital Catarse. Surpreendentemente os recursos foram obtidos em pouco mais de uma semana, superando as expectativas, conta Sérgio Reis Alves, um dos sócios da editora. Na sua segunda edição, “Felicidade Fechada” alcançou uma tiragem total de sete mil exemplares, sendo três mil na primeira tiragem e quatro mil na segunda.

Miruna, em Florianópolis: “Tudo que aconteceu com meu pai e com José Dirceu lá atrás foi para chegar onde chegamos hoje. Nessa judicialização da política.

O livro de Miruna se transformou em um manifesto político e poético na luta contra a opressão midiática e jurídica sofrida pela família Genoino. Símbolo maior desse manifesto, presente na capa do livro, é a Fênix – aquela que renasce das cinzas – bordada por Rioco Kayano, esposa de Genoino, que teve a ideia de colocar a ave em um grande tecido a partir da frase citada por seu esposo na carta de renúncia ao cargo de assessor do Ministério da Defesa. Na carta, Genoino cita trecho da poesia de Mário Quintana: “Todos os que estão a atravancar o meu caminho, eles passarão, eu passarinho”.

 

“Foi uma dor muito grande. Mas o livro representava, e continua representando, a nossa luta para contar a história que aconteceu com José Genoíno. A história de injustiça, de como a mídia convencional deturpou todos os fatos, de como ele foi condenado antes de ser julgado”. (Miruna Genoino)

 

Quando a família recebia visitas de pessoas, Genoino conversava com elas e explicava-lhes a sua inocência. Depois essas visitas eram convidadas por Rioco, que ajudava e incentivava homens, mulheres, crianças, idosos, amigos, militantes a bordarem pássaros nesse grande tecido. “A maioria das pessoas não sabia bordar, mas minha mãe foi ensinando-as, meus filhos bordaram, as pessoas também, e esse tecido foi se construindo como um grande mar de apoio. Meu pai usou esse tecido no dia em que ele foi preso. Era como se carregasse as mais de cem pessoas que bordaram os pássaros e o apoiaram naquele momento de luta”, conta Miruna.

Dedicado à militância na base, afastado dos holofotes da mídia e dos cargos de direção, Genoino fez um breve e contundente discurso no pré-lançamento da candidatura de Elenira Vilela

Genoino, o avô Fênix

Questionada se o pai se enxerga como a Fênix, Miruna sorri. “Eu acho que sim”, diz ela. “Ele ainda está elaborando o seu renascimento”, responde com um semblante leve no rosto. “Não sei como vai ser ainda, ele está em processo, mas se há um renascimento que ele valoriza é o de poder se dedicar à parte humana porque a política levou muito dele”, revela.

“Quando éramos crianças, alguns momentos muito importantes da nossa infância – minha e do meu irmão – ele perdeu. Mas agora está suprindo esta ausência com meus filhos, com seus netos. Acho que o renascimento dele está acontecendo de um jeito bem especial”, conclui Miruna, sorrindo novamente.

No posfácio do livro, escrito pelo próprio José Genoino, ele dá sinais de que a Fênix já ressurgiu. “A partir de 2005, tive que fazer uma espécie de retorno revisado do que vivi quando iniciei minha militância política em 1967, e isso desaguou numa mudança, um reajuste da minha relação com a família, com a Rioco, com o Ronan, a Miruna e a Mariana – a filha que mora em Brasília [Mariana é irmã deles por parte de pai]. Antes, eu decidia muita coisa, opinava e escolhia, depois, a partir de 2005, tomei a decisão de discutir tudo com eles.

“Fui jogado num tsunami muito tormentoso, violento, e essa relação familiar foi o barco que me segurou. A minha militância política nessa nova fase do corpo a corpo, do olho no olho, do contato direto, de repensar o futuro da minha vida, não tem sentido se não for na política – e por meio de outras formas, outros meios, as cartas de Miruna foram muito importantes”, relata o político, agora dedicado integralmente à militância de base, mantendo-se distante dos holofotes e dos cargos de direção.

 

Todos os acontecimentos vivenciados pela família  de Genoino trouxeram muita dor, conta Miruna. “Tudo que aconteceu com meu pai e com José Dirceu lá atrás foi para chegar onde chegamos hoje. Nessa judicialização da política. Apesar de ter o lado prazeroso de ver meu pai mais conosco em casa, mais presente, ainda sinto a dor de não vê-lo atuando mais na linha de frente porque ele ainda teria muito para contribuir”, lamenta. “Eu, meu irmão e minha irmã sentimos por isso. Os meus filhos não, porque a vida deles é o avô em casa. Exceto quando ele ficou preso, mas agora está muito presente”.

Se na poesia de Quintana “eles passarão”, para a família Genoino, o seu patriarca já é um passarinho, e não um qualquer: é uma ave mitológica que está voando, vivendo e se refazendo dos cacos, das cinzas e das marcas que foram deixadas na alma de todos eles.

*Jota Amaral é jornalista em Santa Catarina.

 

 

COMENTÁRIOS

Uma resposta

  1. Excelente matéria. Foi exatamente isso que senti nesse lançamento . Miruna doce . E o guerreiro Genoino muito mais relax, mais leve, mais completo ,feliz.

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