Matheus está há mais de uma semana preso por pegar um capacete na rua.

Seguranças da ViaQautro. Foto: Lucas Martins / Jornalista Livres

No último sábado, 3, durante a manifestação pelo impeachment de Jair Bolsonaro (sem partido) em São Paulo, Matheus Machado Xavier, 25 anos, foi preso. Outras pessoas foram presas naquela noite, mas apenas Matheus continua preso. Seus familiares, amigos, diversos movimentos, como a Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio, e militantes de São Paulo lutam hoje por sua liberdade.

Hoje Matheus aguarda a decisão da 6ª turma do Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo para julgar o pedido do Habeas Corpus (HC), protocolado pela defesa. A acusação contra o jovem, que trabalha como tatuador, é o crime de furto de um segurança privado da concessionária da linha 4 do metrô, ViaQuatro. Uma manifestação ocorreu na segunda-feira, 5, em frente ao 77ºDP, na Santa Cecília, onde Matheus estava detido antes de ser levado para o Centro de Detenção Provisória Chácara Belém II, em São Paulo, onde ele aguarda o julgamento do seu HC pelo TJSP.

A primeira assistência que Mateus recebeu foi da Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio, que o acompanhou desde de a detenção até o momento. Um defensor Público atua como seu advogado.

Para Marisa Feffermann, articuladora da Rede, a detenção de Mathues se insere em um contexto de prisão política “O que nós pudemos acompanhar durante a noite, a madrugada de sábado, de domingo, foi a prisão de quatro jovens que estavam numa manifestação política e que foram presos sem nenhuma prova que justificasse, eles estavam sendo acusados. Podemos então, dizer que quatro jovens foram transformados em quatro presos políticos a partir de acusações forjadas. Dois desses jovens foram soltos na mesma noite. Lucas, que foi brutalmente violentado, ficou preso e foi liberado no domingo. Infelizmente, Mateus continua preso e sem provas daquilo pelo que está sendo acusado”.

COMO FOI A PRISÃO

Naquela noite enquanto centenas de milhares tomavam as ruas de todo o Brasil e mesmo de várias cidades no exterior, a manifestação de São Paulo descia a rua da Consolação, na região central, quando um pequeno confronto se iniciou entre alguns manifestantes e os guardas da ViaQuatro, na estação Estação Higienópolis–Mackenzie, na altura 1050 da Consolação. A manifestação que seguiu pacífica durante toda a tarde e começo da noite viu alguns focos de violência por parte de policiais e seguranças e atos de ação direta, por parte de alguns manifestantes, depois de um atropelamento de um manifestante, mais cedo na mesma rua.

O confronto se deu por volta das 20h quando um grupo de manifestantes entrou em choque com seguranças que estavam no acesso da estação que fica na calçada da rua sentido centro. Outro efetivo, que se encontrava no acesso contrário, no lado da rua sentido Av. Paulista, foi prestar apoio. A maior parte dos manifestantes estava com balaclavas, roupas escuras e pesadas, no intuito de não serem identificados.

A ação se desenrolou rapidamente. De um lado manifestantes jogavam pedras e garrafas contra a equipe da ViaQuatro, que se deslocava com cassetetes contra os manifestantes e imprensa. Em menos de 10 minutos, no qual um fotojornalista teve sua mão machucada e dois outros perderem seus equipamentos, os guardas voltaram para o acesso, no sentido da Av. Paulista. Segundo o Boletim de Ocorrência lavrado depois do conflito, a partir de denúncia dos seguranças, seis deles se machucaram.

Durante o confronto um capacete dos seguranças foi pego. É possível ver neste vídeo que o momento em que o capacete cai na rua, após um dos guardas cair. O capacete rola pelo chão e fica lá, enquanto o agrupamento dos guardas se move em outra direção.

A VERSÃO DE MATHEUS

No Boletim de Ocorrência (BO), Matheus conta que passou “na Estação Higienópolis-Mackenzie com os demais manifestantes. Nega a prática de qualquer ato danoso às instalações da estação. Com relação ao crime de lesão corporal, nega que tenha pego um caibro e batido na cabeça de um agente de segurança do metrô. Com relação à subtração do capacete, informa que, quando os seguranças já recuavam para o interior da estação, o capacete estava no chão, momento em que o pegou – afirma que iria levar o objeto para casa. Dali saiu e foi abordado pela PM e consigo foi encontrado o capacete. Em sua defesa, afirma que o segurança que disse ter sido vítima de lesão corporal por si praticada, chegou a esta unidade e combinou suas versões com os policiais militares, especificamente para mantê-lo preso”.

A namorada de Matheus, Edilene de Oliveira Lima, 23, estudante universitária, conta como foi o momento da Prisão, já posterior ao confronto na estação

“Logo após os agentes do metrô recuarem e entrarem na estação, descemos um pouco mais a avenida e nos reunimos. Matheus chegou no grupo eufórico, tirando da mochila o capacete e mostrando pra todo mundo, o que gerou bastante curiosidade nos outros manifestantes que estavam ao redor. Naquele momento houve muita exposição dele e acredito que nesse momento havia um P2 (policial infiltrado), que observou nossas ações. Em seguida, nos trocamos e fomos embora. Estávamos muito receosos sobre qual saída pegar na hora de ir embora. Pegamos uma rua que deu de frente pra uma guarita onde havia um policial olhando o celular e nos olhando, então preferimos virar a esquina para fugir do seu campo de visão, mas vimos que ele veio na nossa direção e Matheus correu com a mochila, enquanto 2 policiais fardados corriam atrás dele. Mas, pouco tempo depois, esses policiais retornaram pois Matheus havia atravessado a rua e eles acharam que não conseguiriam mais pegá-lo. Logo após, coisa de segundos, passou um P2, que acredito firmemente que nos seguiu desde a saída do ato, passando informações para o que estava na guarita. Quando chegamos na esquina, vimos Matheus se debatendo para se desvencilhar de um outro policial que vinha em direção oposta a ele… provavelmente estava já esperando por ele. Ele foi levado pelos policiais para a guarita e aguardou cerca de 15 minutos para ser encaminhado ao 2° DP. Eu acompanhava ele do outro lado da rua e pude ouvir do policial que o pegou que pra ele, ter pego o Matheus era questão de honra. No 2° DP estavam também os agentes de segurança da ViaQuatro e eles acusaram o Matheus de furto e lesão corporal. Apenas as testemunhas policiais e do metrô foram ouvidas e acusaram Matheus. Mas temos vídeos que provam o contrário. Já pela manhã, Matheus havia sido transferido para o 77° DP”

O homem de calça marrom, que conversa com um PM seria o P2. Vídeo: arquivo pessoal

VERSÃO DOS SEGURANÇAS

No BO dois seguranças reconhecem Matheus. Douglas Souza Cerqueira diz que, no meio da confusão, viu o jovem “pegar o capacete do agente Felipe Gonçalves da Silva, saindo correndo sentido Praça Roosevelt” e Felipe Gonçalves da Silva, identificado como vítima no BO, diz que “havendo cerca de 80 a 100 manifestantes (que a vítima, pelas vestimentas, organização e comportamento, acredita que sejam parte do denominado movimento Black Bloc), que começaram a agredir os seguranças, chutando os escudos e lhes lançado toda a sorte de objetos. Num dado momento do confronto, a pessoa que aqui soube se chamar Matheus Machado Xavier, pegou um objeto de madeira (aparentemente um caibro) e golpeou fortemente a vítima em sua cabeça, vindo esta a cair ao solo, sendo que o autor pegou seu capacete e empreendeu fuga. Assim compareceram a esta unidade para as providências reclamadas pelo caso. Em formal reconhecimento pessoal e de objeto, a vítima reconheceu o capacete que utilizava como equipamento de proteção individual e, com imediatidade e absoluta certeza, a pessoa de Matheus Machado Xavier”.

Outros seis seguranças, que atuavam em conjunto com Felipe e Douglas, relataram que todos viram quando “manifestantes passaram pela estação, começaram a ocorrer diversos atos de vandalismo, que já vinham ocorrendo em toda a extensão da Rua da Consolação” e que sofreram variados graus de machucados e lesões. Todos foram unânimes em afirmar que não sabiam “precisar as características da pessoa que tenha praticado a conduta”.

PELA LIBERDADE

As movimentações pela liberdade de Mateus contam, além do apoio da Rede, com a movimentação de diversos militantes e organizações. O advogado Igor Leone que tem acompanhado o caso com a família e a Rede entende que

“Ele tá preso pelo reconhecimento de dois seguranças do metrô, que quando descreveram ele para a polícia, disseram que era um homem, branco, trajando moletom preto. Dezenas de pessoas naquele momento correspondiam a essas características super-abrangentes. E mais, como já estava escuro e se tratando de uma pessoa de moletom preto, capuz e rosto coberto, poderia nem se tratar de um homem. Fato é que na delegacia Matheus já estava sem máscara, sem capuz, sem moletom e reconheceram ele. Matheus está preso pela palavra desses dois seguranças e por um capacete que como demonstrado no Habeas Corpus da Defensoria, pode ser encontrado por menos de R$100,00. Portanto, Matheus segue preso pelo crime de furto, o que já é um absurdo, de um capacete com custo médio de R$100,00”

Marisa ressalta o importante papel de apoio “da Rede e da defensoria até agora. Continuamos em contato com a família, continuamos em contato com com todas as famílias, dando apoio psicológico, pensando e contribuindo na perspectiva dos direitos, pensando como apoiar toda a relação dessas famílias que estão sofrendo. No caso do Matheus, a gente continua apoiando, divulgando e fortalecendo”.

Thiago Torres, 21 anos, estudante e  youtuber do Canal Chavoso da USP explica a mobilização de solidariedade com Matheus “eu conheço o Matheus e estava com ele pouco antes de ser preso. Fiquei chocado e furioso com a notícia, principalmente pelo jeito que aconteceu e com as justificativas mentirosas que deram: policiais à paisana infiltrados prenderam ele no final da manifestação o acusado de agredir um segurança do metrô e furtar seu capacete, sem qualquer prova disso. Os policiais disseram que prender ele era “uma questão de honra”. Não tenho dúvidas de que a sua prisão é uma prisão política, e não nos mobilizarmos para soltá-lo o quanto antes pode abrir espaço para que o Estado prenda outros militantes nas próximas manifestações contra o governo Bolsonaro. Toda a esquerda precisa pressionar nas redes e nas ruas pela liberdade de Matheus. Esperamos que ele esteja solto antes do próximo ato nacional, mas caso não esteja, exigir sua soltura precisa ser uma das pautas presentes em todas as cidades, assim como a liberdade de Rodrigo Pilha e de todos os outros militantes que têm sido presos por lutar”.

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