Quando eu estive na favela Jd. Gramacho, no RJ, num certo momento uma criança pegou em minha mão e me disse várias vezes para que eu não seguisse na direção que eu estava indo. Aquela atitude me impeliu a continuar. Eu sabia que havia algo ali que eu devia conhecer.
Mais adiante, encontrei com um grupo de traficantes. Eram cerca de 7 homens armados com fuzis. A polícia estava cercando a favela e eles circulavam para não serem encontrados. Naquele momento eu entendi que ele apenas tentou me poupar de uma realidade que não era a minha – porque ali eu estava em um dos muitos Brasis.
Na mesma ocasião, também visitei o Complexo do Alemão. Foi lá que eu conheci o Miguel, de 6 anos. Fazia pouco tempo que ele havia presenciado a morte da mãe pelas mãos de um policial na porta de sua casa.
Sua irmã, Maynara de Moura, me contou que enquanto a sua mãe era socorrida, o garoto corria inúmeras vezes para quarto e pedia a Deus para que a mãe acordasse, em seguida voltava para a sala para ver se ela havia levantado.
Naquele dia, afirmou o seu pai:
“tiraram dele uma palavra que todo mundo gosta de falar: mãe. Mãe. Mãe. Mãe. Mãe. Mãe!”.
Retomo essas histórias, porque elas sempre ficaram latentes em mim. Mas, além disso, relembro porque a morte nunca deixou de rondar essas e muitas outras comunidades no RJ – ou fora dele.
Mesmo que por vezes eu me recuse a ler as notícias para que meu coração se aflija menos com a maldade que se alastra feito fogo num rastro pólvora, a realidade dura de quem vive à margem não me deixa fechar os olhos.
E mesmo que eu tente, tenho amigos que não me deixam fazer isso. Um deles é o Jota Marques, da Cidade de Deus. Sua trajetória demonstra uma constante luta necessária para quem vive à margem. Nos últimos dias, seus posts têm sido sobre a morte de seus vizinhos e companheiros, o que também não deixa de ser a dele, porque muito de nós se vai com quem parte.
Por intermédio dele, fiquei sabendo da morte da menina Maria Eduarda, de 13 anos, no dia 30 de março. Maria morreu em uma escola, um lugar onde, segundo Rubem Alves, ela deveria conhecer a vida, porque “educar é mostrar a vida a quem ainda não a viu”.
No mesmo momento, sua mãe adentrou em um mundo desconhecido, que muita mulher favelada precisa encarar. Um vácuo onde não existe uma nomenclatura que classifique seu atual estado. Como diz Marcia Noleto, fundadora do Instituto MÃES SEM NOME: “… quando se perde um filho, não há nome no dicionário para qualificar esse seu novo status quo”.
Esse é mais um texto que eu não sei como acabar. Talvez seja assim, porque não há como por fim, mesmo na letra, numa realidade tão cruel que permanece sempre matando alguém todos os dias, com o intuito de nos arrancar a esperança de vivermos livres.
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