Maior barragem do Brasil ameaça 600 pessoas em Minas

 

        Maurício Angelo, do Observatório da Mineração

 

 

Quem passa pela BR-040 em Paracatu, no Noroeste de Minas, que conecta Brasília a Belo Horizonte e ao Rio de Janeiro, se depara com uma imensidão de rejeitos. Para além de onde a vista alcança estão as duas maiores barragens do Brasil.

Operadas pela mineradora canadense Kinross, as barragens de Eustáquio, com capacidade para 750 milhões de m3 de rejeitos e Santo Antônio, com 483 milhões de m3, tem, somadas, impressionantes 1 bilhão e 233 milhões de metros cúbicos de capacidade de armazenamento de rejeitos. Hoje, já abrigam 542 milhões de m3 de rejeitos, segundo a Kinross. Mais de 600 pessoas moram abaixo das barragens, que também ficam próximas ao rio São Francisco em Três Marias.

Na última semana, a barragem de Eustáquio, que tem mais de 60 vezes a capacidade de armazenamento da barragem da Vale que se rompeu em Brumadinho, passou a ser alvo de investigação do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) a partir de uma denúncia da Polícia Militar Ambiental.

O MPMG instaurou um Inquérito Civil Público para investigar o comprometimento do aterro compactado da barragem de Eustáquio devido à detecção de fissuras, início de processos erosivos e prováveis comprometimentos geotécnicos da estrutura.

Em nota, a Kinross respondeu que “as alterações foram resultado de um processo erosivo superficial e pontual causado pelas chuvas recentes na região. Este fato é esperado e não altera a estabilidade e a segurança das barragens”.

A última auditoria externa, feita pela empresa Knight Piésold Consulting, foi em setembro de 2019. Uma nova auditoria está em curso, com conclusão para até 31 de março de 2020. Ainda de acordo com a Kinross, o inquérito do MPMG é “visto positivamente pela empresa”.

Em operação desde 1987, a Mina Morro do Ouro é a maior extração a céu aberto de ouro do Brasil, responsável por 22% da produção nacional. A Kinross extrai 17 toneladas de ouro por ano em Paracatu. Em 2019, a mineradora anunciou receita total das suas operações globais de $ 3,4 bilhões, cerca de R$ 17 bilhões pela cotação atual.

A Kinross comprou as operações em Paracatu em 2004 nas mãos de outra gigante do setor, a Rio Tinto. Além do Brasil, a canadense Kinross explora ouro no Chile, Estados Unidos, Canadá, Gana, Mauritânia e Rússia.

Sobre a segurança de Eustáquio, a mineradora reforçou que “as erosões já haviam sido identificadas pelas equipes de monitoramento de barragens, que atuam 24 horas por dia, e as ações corretivas já foram realizadas. A empresa informa ainda que já apresentou informações técnicas ao MPE e que recebeu times de inspeção da polícia militar ambiental e da FEAM ao longo de todos esses dias, não tendo sido reportado nenhum sinal de preocupação pelos mesmos”. Confira a íntegra das respostas da Kinross.

         Extração deve durar até 2030. E depois?

Com o projeto de expansão feito a partir de 2006 que triplicou a capacidade de extração da mina e incluiu a própria construção da barragem de Eustáquio, a Kinross também esticou até 2030 a vida útil da Morro do Ouro.

Ou seja: uma contagem regressiva de apenas 10 anos para que a cidade de Paracatu fique com duas bombas-relógio de 1,2 bilhão de metros cúbicos de rejeitos, perca a arrecadação anual do imposto pago pela empresa, os 1.800 empregos diretos e 3 mil terceirizados e fique somente com o passivo de contaminação ambiental para cuidar.

E depois? Qual o plano para a desativação das duas barragens? Quem fica com o problema? Por quanto tempo?

Perguntada, a Kinross afirmou que “ambas as barragens têm seus planos de fechamento atualizados permanentemente por um comitê interno responsável pelo assunto. O propósito é desenvolver o processo ao longo dos anos, de forma a adiantar ao máximo o fechamento final. Após o fechamento, o monitoramento continuará por um período que assegure a confirmação do sucesso da reabilitação conforme definido no cronograma do plano de fechamento a ser aprovado pelas autoridades competentes”.

Qual seria esse período exato, porém, não se sabe e a empresa não respondeu. Há dois dias, a Kinross anunciou que a produção em Paracatu irá crescer 24% em comparação com o esperado anteriormente e a custos menores.

O tamanho descomunal das barragens em Paracatu tem uma explicação técnica: para cada 0,4 gramas de ouro a Kinross precisa processar 1 tonelada de minério. É o menor teor aurífero do mundo. O que também gera um aumento exponencial na produção de rejeitos.

A atual licença de operação da mina permite a lavra e beneficiamento de 61 milhões de toneladas de minério por ano. O que dá uma medida precisa sobre a operação incessante da Kinross.

“Todos os dias às 15h30 tem a detonação de uma bomba cada vez mais potente porque a rocha está cada vez mais dura. As casas não estão trincadas, elas vão mesmo é cair. As comunidades mais próximas ficam a 500 metros da mina e as famílias não dormem por causa das máquinas que trabalham 24 horas. Além disso, tem a contaminação do sangue por causa do arsênio usado na mineração”, disse Mauro Mundim da Costa, da Central das Associações de Bairros de Paracatu, em audiência pública realizada em Brasília em agosto de 2019. Convidada, a Kinross não compareceu.

         Sonegação, destruição de territórios e poluição ambiental

Os impactos da atividade mineradora em Paracatu são conhecidos há bastante tempo. Entre as denúncias de violações de direitos humanos causadas pela mineração estão a expropriação e destruição de territórios quilombolas, criminalização dos garimpeiros artesanais, comprometimento das atividades produtivas tradicionais, impactos das explosões e ruídos sobre as condições das moradias, uso indiscriminado de água, destruição das nascentes, contaminação ambiental, riscos à saúde da população, sonegação e renúncia fiscal.

“Reconhecemos que a empresa tem o direito de minerar, mas tem que reconhecer os danos. Ao mesmo tempo, se sair da cidade, vai ter um buraco social, econômico e ambiental. Nossa preocupação também é com as futuras gerações”, acrescentou Mundim da Costa.

O depoimento do morador é um resumo da minerodependência que assola tantas cidades do Brasil. Reféns das mineração e sem construir alternativas econômicas e sociais ao longo dos anos, os políticos locais e a população se vê completamente entregue às mineradoras sem ter uma contrapartida adequada e precisando lidar com uma série de violações diárias.

Viviane Souza, do Movimento Todos em Defesa da Vida, mora a menos de mil metros da barragem de Santo Antônio. “Não temos mais tranquilidade para viver e depois de 30 anos colocaram este ano sirenes nas nossas comunidades. Meus filhos não dormem mais sozinhos e quando saio para o trabalho deixo eles na casa da minha mãe.  Se lá tem risco, que nos tirem de lá, não deixem o pior acontecer para depois indenizar meia dúzia de sobreviventes. As crianças estão abaladas e com medo de ir para escola”, diz.

Para o promotor de Justiça Athaíde Peres, coordenador regional das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente das Bacias dos Rios Paracatu, Urucuia e Abaeté, a situação é, sim, motivo de alerta. “Os fatos ocorridos são preocupantes, em decorrência do volume de rejeitos da mineração aurífera armazenados na conhecida barragem de Eustáquio. Providências imediatas de órgãos de controle, como ANM, FEAM, SEMAD, NEA e Defesa Civil Estadual e Municipal já foram requisitadas. Com tais averiguações técnicas, providências serão tomadas pelo MPMG no resguardo dos interesses ambientais e sociais da região do Córrego Rico e do Vale do Paracatu”, afirmou.

Em nota, a Kinross garantiu que as barragens estão estabilizadas e sem qualquer comprometimento em suas estruturas.

“A segurança das barragens é atestada por especialistas nacionais e internacionais, que adotam procedimentos de engenharia realizados de acordo com a ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) e o ICOLD (Comitê Internacional de Grandes Barragens). A Kinross possui equipes treinadas para monitorar as suas estruturas e que realizam inspeções visuais quinzenais, leitura e análise dos instrumentos instalados nas barragens. Além disso, a empresa trabalha com uma Sala de Controle, que possibilita um monitoramento 24 horas de suas estruturas por meio dos instrumentos e câmeras instaladas. É importante ressaltar que não há nenhuma indicação de alteração nos instrumentos instalados nas barragens”, afirma a empresa.

 

 

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