Por Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia
A trajetória política de Lula se confunde com a história recente do Brasil e isso não é novidade. Até mesmo os detratores, se conseguirem não se deixar levar pelo ódio, concordarão comigo. Personagem atravessado por contradições. Uma instituição política sobre a qual ninguém fica indiferente.
No momento em que o país transitava da ditadura para a nova ordem democrática, Lula foi líder do mais importante movimento social da época. Ao longo da década de 1990 se tornou o símbolo de um projeto político que pretendia transformar um homem do povo no presidente da República fundada pelos bacharéis. Nos primeiros anos do século XXI, se tornou um dos mais importantes estadistas do mundo. Governou por dois mandatos. Terminou bem avaliado. Fez a sucessora, no pleno sentido que a palavra “fazer” pode ter.
Depois que saiu da cadeia e teve seus direitos políticos recuperados, Lula vem mostrando um novo lado: a enorme capacidade de se atualizar à dinâmica das mídias digitais, dialogando com os jovens e se tornando fenômeno da cultura pop.
Há certa sensação de que a extrema direita seria mais habilidosa no manejo das mídias digitais. O tipo de ideologia política representada por Jair Bolsonaro se adequaria melhor à lógica do lacre, alimentada por uma comunicação feita com memes e quase sem textos.
A própria imagem do “Bolsomito”, representada pelo meme no qual óculos escuros aterrissam no rosto de Bolsonaro ao som de “turn down for what” se tornou o símbolo da competência dessa extrema direita no manejo com essas ferramentas. Talvez tenha sido o primeiro meme com grande potencial político.
De fato, a comunicação digital beneficia aqueles que simplificam a realidade. O tempo acelerado da rede dificulta a leitura de textos com mais de 280 caracteres. As ideias mais complexas, que naturalmente precisam de mais espaço para serem desenvolvidas, tendem a levar desvantagem nas disputas travadas na arena digital.
Talvez essa sensação de que as mídias digitais eram monopólio do bolsonarismo estivesse correta no contexto das eleições de 2018. O sucesso de Bolsonaro entre os jovens, público mais suscetível à sedução pelo “lacre”, indicava isso. Naquela altura, Bolsonaro era nacionalmente pouco conhecido e conseguiu se aproveitar da dinâmica da comunicação digital para se mostrar como o rebelde, o “diferentão”. Deu certo.
Hoje, no entanto, me parece que o sucesso digital de Lula mostra que o espaço das mídias digitais pode, sim, ser disputado por projetos políticos progressistas. Depende dos profissionais envolvidos na administração das mídias e, é claro, das características pessoais do personagem representado.
Uma pesquisa desenvolvida em janeiro mostra que Bolsonaro tem cinco vezes mais seguidores que Lula no somatório das cinco mídias digitais mais importantes (Instagram, Twitter, Facebook, Youtube e Tik Tok). Todos sabemos que são muitos os robôs nas redes bolsonaristas, o que nos permite desconfiar se esses números refletem mesmo adesão ideológica orgânica.
Enfim….
Desde que saiu em caravana pelo Brasil em 2017, antes mesmo de ser preso, Lula vem se mostrando um personagem perfeitamente instagramável. Já naquela ocasião viralizaram fotos de Lula “sarrando no ar”, (hit cantado pela funkeira Kaya Conky que fazia grande sucesso na época).
Nas imagens, Lula aparece vestindo calças justas com bainhas curtas, sapatenis sem meia aparecendo, “sarrando no ar”, acompanhado de jovens com cabelo black power, roupas coloridas e apresentando identidades de gênero não hegemônicas.
Lula se enquadrou bem no personagem: um senhor de 70 anos, velho sem ser senil. Capaz de brincar com a garotada sem incorrer no ridículo. Não é tarefa fácil, como fica evidente na sofrível atuação de Ciro Gomes no Instagram, tentando performar o adolescente dos games. Nessa aí, nem João Santana conseguiu fazer milagre. É que, repito, o sucesso e o insucesso da performance nas mídias digitais depende, e muito, de características intrínsecas aos personagens. É claro que marketing é importante, mas não consegue tirar leite de pedra.
Mas precisamos ser justos com Ciro Gomes. Seu discurso complexifica a realidade, o que acaba dificultando a capilarização nas mídias digitais. Diferente de Lula e Bolsonaro, Ciro não é nada instagramável.
A relação com Janja fortaleceu o potencial de Lula para as mídias digitais. O casal tem muita química e conseguiu combinar a imagem da maturidade com a sugestão de sensualidade. Lula aparece ao lado de Janja na posição de um homem viril, sexualmente ativo, respeitoso, que não reduz a companheira à condição de artefato decorativo e objeto sexual.
Muito diferente de Bolsonaro e Michel Temer, por exemplo.
Entre Temer e Marcela e Bolsonaro e Michele, a diferença de idade é enorme e a assimetria estética é tão grande que chega a ser grotesca, o que tornaria nojento qualquer manifestação pública de sensualidade.
O leitor e a leitora conseguem imaginar Temer fotografando abraçando Marcela por trás, numa “sarradinha de casal”? Ou Bolsonaro deitado com Michele numa rede balançante, em atmosfera de intimidade?
Com Lula e Janja, a situação é outra. A diferença de idade é administrável. Há equilíbrio estético no casal. Parece que foram feitos um para o outro. Perfeitamente instagramáveis.
A edição 21 do BBB, principal atração da TV brasileira, também foi muito favorável à inserção de Lula nas mídias digitais. Muitos dos participantes demonstraram simpatia pelo ex-presidente, que soube explorar a situação. A presença de Gil do Vigor no casamento de Lula mostra isso.
O resultado está aí, com Lula sendo cantado no festival de música Lollapalooza e homenageado na São Paulo Fashion Week, dois importantes eventos no calendário cultural brasileiro. Sem contar os elogios feitos no Twitter pelo ator Mark Hamill, um dos protagonistas da franquia cinematográfica Star Wars, sucesso de público e crítica há mais de 40 anos.
É importante ter algum cuidado!
Por mais que esse mundo digital seja muito fundamental, ainda existe uma realidade analógica relativamente independente e formada por pessoas que não consomem produtos da indústria pop e que apresentam resistência a eles.
Essas pessoas votam e tendem a ser mais conservadoras no plano do comportamento. É importante explorar todo o potencial do personagem descolado e atualizado, mas com cuidado para não se perder nele. Lula é pop. Porém, não pode ser apenas isso.
A despeito de alguns escorregões na campanha e a julgar pelas pesquisas disponíveis, o trabalho parece estar sendo bem feito.
Nos tempos das mídias digitais, pra ganhar voto, é necessário, também, saber lacrar. Lula sabe lacrar.
Uma resposta
Ótimo texto. Obrigado