Homem levanta a bengala para chamar a atenção de Lula, durante a Caravana da Esperança, que percorre o Nordeste

A fé é um sentimento que está intimamente ligado à esperança. Ambos quase nunca têm explicações; nós sentimos e pronto. Agarramo-nos a algo que jamais nos questionamos se é real ou imaginário e seguimos – por vezes firmes e por vezes titubeando – pelos sinuosos caminhos da vida. Afinal, precisamos de algo que nos faça ir além, que nos faça olhar pro amanhã com a certeza de será melhor que o hoje.

Essa fé – e a esperança que ela carrega – muitas vezes está relacionada a alguém. Você pode ter fé de que tal pessoa vai melhorar de saúde, que aquele seu primo ou irmão mais novo consiga um emprego mesmo com toda essa crise ou, ainda, que você próprio possa alcançar algo que ainda não alcançou. O responsável por isso? Para alguns é Deus, para outros, Alá; para os individualistas nada além deles mesmos. E tem gente cuja fé aparece por causa de outrem, de carne e osso.

Uma senhora de setenta e tantos anos, cabelos grisalhos, pele escura do sol, cujas mãos e o rosto carregam as marcas de uma vida sem regalias, segura um cartaz escrito com caprichada letra cursiva: “Juntos terra livre estar com você Lula!”. Encostada na grade ao lado do palco, quase sendo engolida pela multidão que luta para chegar o mais perto possível do ex-presidente, a senhora escuta atenta às falas de Lula e comemora cada frase como se fosse o gol do seu time do coração.

Um pouco afastado, mas na mesma situação de “esmagamento”, um senhor igualmente grisalho, usando boné surrado, agarra-se à sua muleta como se fosse à própria vida. Atento, vibra menos do que a senhorinha do cartaz, talvez porque tenha mais dificuldade de mostrar seus sentimentos; talvez porque tenha naquele momento a esperança de conseguir uma lembrança do ex-presidente que levará consigo para sempre.

Cada um à sua maneira, demonstram de forma clara de que têm na fé a força motriz para superarem mais uma dificuldade em suas vidas e aguentarem, com sorrisos nos lábios e emoções à flor da pele, mais de duas horas de pé, espremidos no meio da multidão, num calor humano de 45ºC. A fé, como dizem, move montanhas. Mas nesse caso, serve para aguentar a simples – porém dura – tarefa de permanecerem parados.

Passada a fala de Lula, a senhora grita desesperada pela atenção daquele que já havia mostrado a ela que sua fé não é vã. Que a esperança que venceu o medo em 2002 para transformar a vida de milhões de brasileiras e brasileiros pulsa ainda forte nos corações de quem ali está. Prevendo o insucesso de suas tentativas, não lhe resta outra opção senão correr para a rua —quem sabe ali ela encontre Lula. Já o homem da muleta, um pouco mais tímido – embora não menos impetuoso –, invade o palco e assiste de longe a uma multidão sumir em segundos com o querido ex-presidente. Mancando sobre seus chinelos tão velhos quanto seu boné, o homem vira-se com dificuldade para a multidão e, com lágrimas nos olhos, diz baixinho para sua companheira, que carrega um quadro com a foto presidencial de Lula: “É, meu bem… Não foi dessa vez.”

Foi a fé que os fez enfrentar multidões para chegar mais perto de quem, mais de uma vez, reacendeu a chama da esperança de uma vida melhor para eles e para todo Brasil.

E, no fim das contas, é de fé que se alimenta o pequeno nordestino de 71 anos, que, gentilmente, nos devolve essa fé em forma da esperança necessária para continuarmos fortes, como aquele senhor e aquela senhora, certos de que juntos, fé e esperança, nós e ele, transformaremos de novo nossas vidas.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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