Lula conseguirá pacificar o Brasil?

"Lula é a possibilidade de trazer a política para o campo da disputa civilizada. É tudo que precisamos"
Lula durante seu pronunciamento Foto Ricardo Stuckert

Esta é a pergunta mais relevante neste exato momento da crise democrática brasileira. Depois de três anos calado, discreto, falando apenas para a sua bolha, Lula voltou a ser o assunto mais relevante da crônica política nacional.

Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

Qem assistiu os noticiários nos últimos dois dias não ouviu falar em outra coisa: Lula, Lula e Lula. Até a pandemia da covid-19 ficou escanteada.

O ato inesperado de Edson Fachin, em 8 de março, ao afirmar a incompetência da 13° vara federal de Curitiba para julgar Lula, na prática, devolveu os direitos políticos ao ex-presidente. Os interesses de Fachin eram outros, todos sabemos. Mas o resultado efetivo foi trazer Lula de volta ao cenário eleitoral, algo que ninguém esperava, nem o próprio Lula.

O que são as crises se não o encadeamento de eventos inéditos? O mal-estar gerado pela situação de crise está exatamente aqui, na total imprevisibilidade dos acontecimentos.

Foto de Cyla Ramos – Divulgação Comitê Lula Livre

Em resumo, para o leitor do presente e do futuro: em 48 horas, Lula deixou de ser condenado pela Justiça, voltou a estar elegível, discursou por duas horas em rede nacional e voltou a pautar o debate político.

O discurso foi uma peça retórica, daquelas que entram pra história. Lula fez aquilo que faz de melhor: falou como estadista e como pedagogo ao mesmo tempo.

Como estadista, sinalizou para a conciliação, acalmou o mercado, disse que está disposto a conversar com empresários e com a classe política. Como pedagogo, explicou para o povo o que está acontecendo, o desastre que é o governo de Jair Bolsonaro. Lembrou ao povo o que significa, na prática, a felicidade possível: beber cerveja e comer picanha.

Foto de Ricardo Stuckert – Divulgação Instituto Lula

O primeiro efeito do discurso foi sentido poucas horas depois. Bolsonaro apareceu em público apresentando projeto de lei pra comprar a vacina e usando máscara. É isso mesmo, Lula pautou Jair Bolsonaro, colocou uma máscara no rosto do negacionista.

Ao colocar uma máscara no rosto de Bolsonaro, Lula desmascarou o fascista que nos governa, e nos mata dia após dia. Vimos ali, no púlpito presidencial, um homem assustado, com olhos arregalados, acuado.

Bolsonaro é perverso, bruto e cruel, mas de burro não tem nada. Sabe perfeitamente que uma coisa é enfrentar o PT, outra é enfrentar Lula. Pela primeira vez, Jair Bolsonaro tem um adversário.

Você pode até não gostar de Lula, duvidar de sua inocência, mas não tem como negar que ele é muito melhor que Bolsonaro. A discussão aqui nem é mais política. É moral.

Lula é a possibilidade de trazer a política para o campo da disputa civilizada. É tudo que precisamos.

A atmosfera no país já é outra.

Mas a pergunta continua: Lula conseguirá pacificar o Brasil e reconstruir o sistema político?

A favor do ex-presidente está sua biografia. Lula subiu a rampa do planalto em 2002 sob desconfiança dos empresários, do mercado e até mesmo dos pobres, que viam nele um agitador sindicalista.

Lula aparou a barba, vestiu terno de fino corte, assinou carta se comprometendo a respeitar a propriedade e os compromissos firmados pelo Estado brasileiro com o capital. Terminou dois mandatos, foi aprovado pela população e elegeu a sucessora.

TVs a cabo abriram espaço para todo o pronunciamento de Lula – Foto de Aloísio Morais

A situação, hoje, é diferente. Bastante diferente. Não se trara mais apenas de desconfiança, mas sim de ódio.

Setores importantes do establishment político, de corporações como o Ministério Público e a Polícia Federal. Os maiores veículos da grande mídia. O alto generalato das Forças Armadas. Todos investiram muita energia na destruição de Lula. Aceitaram destruir o país com o único objetivo de destruir Lula.

Como faz para, simplesmente, recuar, como se nada tivesse acontecido? Como dizer para a população que aquele que até bem pouco tempo atrás foi pintado como o maior bandido do país pode ser a solução para os nossos problemas?

Definitivamente, não vai ser fácil conciliar. Só o tempo dirá se Lula conseguirá, outra vez, pacificar o Brasil.

Certeza mesmo é que Lula não precisou sair da vida pra entrar pra história. Estará politicamente vivo mesmo depois de morto. Para o bem e para o mal, ninguém mais faz política no Brasil sem passar por Lula, seja pra odiar, seja pra amar, seja pra negá-lo, seja para afirmá-lo.

Quando menino, Lula saiu do sertão de Pernambuco num pau-de-arara pra passar fome no sul do país. Quando velho, se tornou a maior instituição política brasileira que já existiu. Não importa o que aconteça a partir de agora, Lula já venceu o jogo.

Obs. A foto de abertura é de Ricardo Stuckert, Comitê Lula Livre

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Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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