Luiza Batista: Conquistas históricas para Trabalhadoras Domésticas

Em março, nós do núcleo negro dos Jornalistas livres, iremos contar a história de mulheres negras que constroem e/ou construíram esse país. Nada mais justo que começar por Luiza Batista.

Luiza Batista, uma mulher de origem humilde, mas de espírito indomável, personifica a resistência e a perseverança na luta pelos direitos das trabalhadoras domésticas no Brasil. Sua jornada, marcada por desafios pessoais e vitórias coletivas, é um testemunho vivo das injustiças sociais enfrentadas por milhões de mulheres em todo o país.

Natural de São Lourenço da Mata, Pernambuco, Luiza cresceu em uma área rural carente de recursos básicos, onde a ausência de direitos trabalhistas era uma realidade cruel. Após a morte prematura de seu pai, sua família enfrentou dificuldades financeiras, revelando as injustiças enfrentadas pelos trabalhadores rurais na época.

Atualmente coordenadora geral da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Luiza compartilha sua história marcada por desafios e determinação. Aos sessenta e sete anos, prestes a completar sessenta e oito, Luiza reflete sobre sua trajetória profissional e ativista, em uma conversa franca conduzida pelo Núcleo Negro do Jornalistas Livres.

Os Desafios Iniciais e a Emergência de uma Líder

imagem: Júlia Rodrigues

A vida de Luiza continuou repleta de dificuldades quando sua mãe, tuberculosa, decidiu mudar para Recife em busca de melhores condições. Luiza e sua família tinham sido despejadas e encontraram abrigo temporário em um terreiro de religião de matriz africana, onde uma senhora caridosa (D. Severina) os acolheu. Por dois meses, viveram em um salão improvisado, até que a comunidade se mobilizou para construir uma modesta casa de taipa para eles.

Aos nove anos, Luiza ingressou no mundo do trabalho como empregada doméstica, uma realidade comum para muitas mulheres negras de sua geração. Ela relembra com pesar os seis meses iniciais, marcados por agressões, evidenciando as dificuldades enfrentadas por mulheres negras na busca por oportunidades. Luiza foi espancada com nove anos de idade com um fiação elétrica por sua antiga “patroa”.

A falta de pensão deixada pelo pai expõe as falhas do sistema que negligenciava os direitos dos trabalhadores rurais, deixando famílias desamparadas diante da perda de seus provedores. Essas experiências moldaram a visão de Luiza sobre a necessidade de lutar por justiça e igualdade para os trabalhadores, especialmente para as mulheres negras, frequentemente marginalizadas e exploradas.

O Engajamento Comunitário e a Formação de uma Militância

A época do golpe de 1964 trouxe mudanças significativas na vida de Luiza. O auxílio de uma ONG, através do programa “Aliança para o Progresso”, proporcionou-lhes alimentos e recursos escassos, mas essenciais. Porém, foi o trabalho doméstico construiu uma perspectiva única do que é ser preta e nordestina em um país como o Brasil.

A exploração precoce no trabalho doméstico marcou profundamente Luiza e muitas outras meninas negras de sua geração. A realidade de serem enviadas para famílias abastadas com promessas de educação, apenas para serem submetidas a condições análogas à escravidão, é uma triste realidade que persiste até os dias de hoje.

A decisão de não interromper uma gravidez indesejada foi apenas um dos muitos momentos em que Luiza desafiou as normas sociais e reivindicou seu direito ao controle sobre seu próprio corpo e destino. Sua determinação em fazer uma ligação tubária, mesmo enfrentando resistência médica e social, é um testemunho de sua força e persistência.

Aos dezoito anos, Luiza enfrentou uma batalha contra a tuberculose. Em sua trajetória também consta um refúgio de dois anos, onde teve que fugir das ameaças recorrentes de morte de seu ex companheiro que andava por suas voltas armado.

O despertar para a militância ocorreu quando Luiza se viu confrontada com as injustiças enfrentadas pelas mulheres em sua comunidade. Junto com um grupo de mulheres determinadas, fundou o “Grupo Espaço Mulher de Passarinho”, visando combater a violência de gênero e promover a conscientização dentro da comunidade. Esse movimento foi apenas o começo de uma jornada de ativismo que mudaria vidas e desafiaria estruturas opressivas.

O Despertar para a Educação e a Luta Sindical

imagem: Justino Passos

A participação em programas de qualificação profissional e a retomada dos estudos através do Projeto TDC (Trabalho Doméstico Cidadão) foram marcos cruciais na vida de Luiza. Apesar das incertezas iniciais, sua jornada educacional reforçou sua autoconfiança e a preparou para assumir papéis de liderança. Sua entrada no sindicato das trabalhadoras domésticas marcou o início de uma nova fase de sua militância, onde ela se destacou como uma voz representativa e comprometida com a causa.

Participando de uma conferência no Tribunal Superior do Trabalho em comemoração aos 80 anos da CLT, Luiza destacava a origem histórica da luta das domésticas, que precede a própria Consolidação das Leis do Trabalho. Ela ressaltava a importância de reconhecer o trabalho doméstico como uma herança da escravização, perpetuando-se ao longo dos tempos.

Luiza compartilha sua experiência ao abordar a CLT diante de desembargadores, juízes e ministros, enfatizando seu “lugar de fala” e o processo de exclusão enfrentado pelo povo negro. Ela critica a abolição da escravização, que deixou pessoas à própria sorte, sem direitos ou garantias, enquanto os colonos europeus receberam terras e contratos de trabalho.

Federação Nacional de Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad)

A jornada de Luiza até a Federação Nacional de Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad) começou com seu envolvimento no movimento feminista, posteriormente integrando-se ao movimento sindical. Em 2009 foi eleita pra presidente do sindicato onde ficou por três mandatos. Em 2016 chegou à posição de Coordenadora-Geral da Fenatrad, conquista marcada por sua dedicação e compromisso em enfrentar as barreiras impostas pelo sistema, buscando justiça e igualdade para todas as trabalhadoras domésticas do Brasil. Seu atual mandato de estende até 2025.

A eleição de Luiza como presidente do sindicato das trabalhadoras domésticas não foi apenas uma conquista pessoal, mas sim um marco histórico para toda uma categoria profissional marginalizada. Seu trabalho incansável na obtenção da carta sindical e na reforma estatutária demonstrou sua habilidade em enfrentar desafios burocráticos e mobilizar recursos para o benefício da comunidade.

O Reconhecimento Internacional e a Luta por Direitos

arquivo pessoal

A participação ativa de Luiza em eventos internacionais e sua representação em conferências da Organização Internacional do Trabalho (OIT) evidenciam o alcance global de sua luta. Luiza contribuiu na construção da pauta da convenção 189 com a então presidente da Fenatrad Creuza Maria Oliveira e as demais lideranças nacionais e tbm de todos os países da América Latina. Juntas trabalharam incansavelmente para garantir que as vozes das trabalhadoras domésticas fossem ouvidas em fóruns internacionais, contribuindo para avanços significativos na legislação trabalhista e na garantia de direitos fundamentais.

A pandemia da COVID-19 trouxe novos desafios para Luiza e sua comunidade. A falta de proteção social e as condições precárias de trabalho expuseram ainda mais a vulnerabilidade das trabalhadoras domésticas. No entanto, a solidariedade e o ativismo persistente de Luiza e de sua rede de apoio resultaram em iniciativas de auxílio e mobilização para enfrentar os impactos devastadores da crise.

O legado de Luiza Batista transcende as fronteiras do ativismo sindical. Sua vida e sua luta são um lembrete poderoso da importância da resistência e da solidariedade em tempos de adversidade. Enquanto enfrentamos desafios contínuos em busca de justiça e igualdade, sua história inspira muitos a continuar lutando por um mundo mais justo e inclusivo para todas as trabalhadoras domésticas e para além delas.

Luiza Batista personifica a força e a resiliência das mulheres negras que dedicam suas vidas à luta por dignidade, direitos e justiça. Sua história é um testemunho vivo do poder da determinação humana e da solidariedade coletiva na busca por um futuro mais justo e igualitário para todos.

Por Antonio Isuperio

(*) Antonio Isuperio é arquiteto brasileiro, negro, periférico, lgbt+ que mora em New York. Ativista de direitos humanos por quase 15 anos, é filho de empregada doméstica e graduado em Arquitetura pela Universidade Estadual de Goiás, com MBA em varejo pela FGV-SP. É especialista em Design de Varejo e pesquisa e tendências de futuro e membro do Núcleo Negro do Jornalistas Livres

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