Liev Tolstói e “A morte do Brasil”

Há um Brasil gravemente enfermo que grita contra todos que fingem ou não querem assumir que ele está morrendo

Álvaro Nascimento, jornalista, doutor em Saúde Pública pela Uerj e escritor

Em “A morte de Ivan Ilitch”, obra-prima da literatura mundial escrita por Liev Tolstói há quase 150 anos, a impostura por trás das aparências sociais, os fingimentos no âmbito das convenções familiares e principalmente a hipocrisia da alta sociedade dão o tom à história.
O personagem principal é um juiz na Rússia do século XIX atingido por uma grave doença que o paralisa numa cama e o torna totalmente dependente de cuidados. Já em estado de quase morte, o que mais impacienta, irrita e indigna Ivan Ilitch não são as humilhantes agruras da doença, as insuportáveis dores que sente no corpo cada dia mais esquálido, nem mesmo a imensa limitação física que o impossibilita de realizar os movimentos mais simples. O que o enfurece e lhe causa grande revolta é a mentira. Sim, a mentira tanto dos familiares que dele cuidam como dos amigos que o visitam, que não querem admitir o que todos sabem e que ele próprio percebe: a chegada de sua morte cada dia mais próxima. Todos seguem mentindo para ele, mesmo diante de sua evidente depauperação. Pior, querem obrigá-lo a tomar parte na mentira, fazendo até brincadeiras sobre futuros programas que farão quando ele se recuperar. Tivesse forças, Ivan Ilitch gritaria para todos eles (aspas para Tolstói): “Parem de mentir, vocês sabem e eu sei que estou morrendo, então pelo menos parem de mentir!”
Este trecho da obra reflete com exatidão o definhamento que atinge o Brasil física, política, econômica, social e eticamente, o que faz com que ele perca, junto com tudo isso, sua própria Humanidade, entendida como sentimento de solidariedade e compaixão com o outro e em particular com os menos favorecidos.
Definhamos fisicamente quando assistimos o genocídio de nossos povos originários e índices de desmatamento de nossas florestas jamais vistos; exaurimos politicamente vendo bandidos corruptos criarem orçamentos que de secretos nada têm, pois todos sabemos que servem para dar sustentação ao governo de plantão e financiar reeleições de sua base parlamentar. Economicamente enfrentamos um desemprego que atinge 10,1 milhões de trabalhadores, com outros 4,3 milhões jogados no chamado desalento (desistiram de procurar emprego), enquanto 33,2 milhões estão subempregados.

Socialmente a fome aguda atinge 30 milhões de pessoas e eticamente assistimos 43,2% dos eleitores optarem por um candidato a presidente que não apenas representa a causa como a promessa de piora destes índices, já que defende a existência de grande parte destes males com frases como “a economia está bombando”, “eu não crio emprego”, além de outras crueldades como a tortura, a morte de adversários políticos, o racismo, a homofobia, a misoginia (desprezo pelas mulheres), sem falar na corrupção mantida em segredo por 100 anos.

Frente a esta realidade que o mata um pouco mais a cada dia, o Brasil – à la Ivan Ilitch – grita “parem de mentir! Vocês sabem e eu sei que estou morrendo”!

Pior que essa já trágica realidade é assistir à degradação do exercício do poder ganhar representatividade e aprovação como ótima, boa e regular em mais da metade da população. Esta mesma realidade é tratada – seja pelas mídias, pelos tribunais e pelas denominadas “instituições republicanas” – como mais uma opção dentro do campo democrático e do direito de escolha, como se estivéssemos diante de uma disputa eleitoral como outra qualquer. Parem de mentir!
Há um Brasil gravemente enfermo que grita contra todos que fingem ou não querem assumir que ele está morrendo, pois trata-se de um país que se indigna e enraivece diante da hipocrisia dos que tratam a doença grave que o acomete como algo que vai passar – mais dia, menos dia -, e que ele voltará à sua vida normal.
Não voltará. E um dos motivos pelos quais não voltará se sedimenta na mesma dissimulação e fingimento que indignavam Ivan Ilitch em seu leito de morte, pois a enfermidade que acomete o Brasil e que o mata aos poucos está sendo tratada sem a sua real significância e gravidade. Portanto, para que se tenha alguma luz no fim do túnel é urgente que parem de mentir!
Sintomas gravíssimos da enfermidade que destrói as forças do Brasil surgem diariamente, demonstrando o quanto o paciente está combalido, necessitando de urgente redirecionamento em sua forma de existir para que consiga superar a fase de agressões permanentes que o matam sob aplausos de alguns milhões.
Alguns destes graves sintomas:

  1. Um presidente candidato à reeleição é apoiado por 43,2% dos eleitores no primeiro turno do pleito, mesmo após expor sua visceral desumanidade quando, diante do crescimento exponencial do número de mortos pela pandemia de Covid – por falta do devido cuidado e providências de seu governo -, naturaliza o fato com frases como: “Morreu. E daí? Eu não sou coveiro”, “Comprar vacina? Só se for na casa de sua mãe”, e combate o uso de máscaras preconizado pela ciência em todo o mundo dizendo “seremos um país de maricas”?
  2. Sua desumanidade, manifestada contra as medidas protetivas anticovid, é quantificável: com 3% da população do mundo, o Brasil ostenta 11% dos mortos por Covid do planeta. De cada cinco mortes de brasileiros e brasileiras, quatro poderiam ter sido evitadas com medidas conhecidas, preconizadas e implementadas em todo o mundo. Ele não visita um só hospital em dois anos de pandemia, mas faz motociatas em várias capitais, aglomerando centenas de seguidores, sem usar máscara nem capacete, contribuindo para a disseminação do vírus e nascimento de novas variantes que seguirão matando.
  3. O Brasil se mostra moribundo quando este mesmo presidente candidato, em ato jamais verificado em qualquer nação do mundo, reúne embaixadores que, entre constrangidos e assustados, o assistem vociferar e levantar suspeitas sem provas contra as urnas eletrônicas da Justiça Eleitoral do seu próprio país, dando a entender ao mundo que pode produzir uma “virada de mesa” após as eleições, obviamente se não for reeleito;
  4. O País adoentado vê o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) ser condenado, por 11 votos a 1, pelo Supremo Tribunal Federal, a 8 anos e 9 meses de prisão, perda do mandato e dos direitos políticos, por ter defendido o fechamento do Supremo e ameaçado um de seus membros, exortando o povo a “invadir o STF, agarrar o Alexandre de Moraes pelo colarinho dele, sacudir a cabeça de ovo dele, e jogar dentro de uma lixeira”. No dia seguinte à condenação e antes mesmo do julgamento de eventuais recursos e da decisão estar transitada em julgado, o deputado recebe o indulto através de decreto do presidente da República. Dirigentes do Executivo e do Legislativo realizam evento de desagravo ao deputado, dentro do Palácio do Planalto, onde ele exibe o decreto de indulto emoldurado nas cores verde e amarela, exibindo-o como um troféu, numa clara provocação e afronta ao Poder Judiciário;
  1. O Brasil expõe sua fragilidade ao assistir este mesmo presidente candidato, que se apresenta como o porta-voz da antipolítica, ostentar inexpressivos mandatos parlamentares há 32 anos e ter três filhos também exercendo função parlamentar. Um deles, que se define como um combatente contra o crime, quando deputado estadual apresenta proposta – que foi aprovada – homenageando com a Medalha Tiradentes (maior honraria concedida pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio) um miliciano assassino já preso, tendo ido pessoalmente ao presídio entregar a comenda ao agraciado;
  2. Este mesmo filho do presidente candidato – acusado de peculato quando era deputado estadual, no episódio conhecido como “rachadinhas” (desvio de salários de funcionários de seu gabinete) – adquire uma mansão de R$ 6 milhões em Brasília. Em resposta à ação movida por uma deputada no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que questiona o alto valor do imóvel com a renda recebida pelo parlamentar – ele justifica ter obtido o dinheiro através de sua atuação como advogado. No entanto, seja no Rio de Janeiro ou em Brasília, onde tem inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, não há registro de que ele atue como advogado em um processo sequer;
  3. O País se deteriora a olhos vistos ao ver que seu ministro da Economia possui a empresa Dreadnoughts, uma offshore no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas, com vistas a manter sua fortuna em créditos de R$ 51 milhões isenta de impostos no Brasil. Fosse um brasileiro comum, não estaria cometendo nenhuma ilegalidade, desde que informada a Receita Federal. Mas o artigo 5º do Código de Conduta da Alta Administração Federal proíbe funcionários do alto escalão manterem aplicações financeiras, seja no Brasil ou no exterior, passíveis de serem afetadas por políticas governamentais por ele implementadas, para se evitar evidente conflito de interesses. Este mesmo ministro da Economia, frente à desvalorização da moeda nacional devido à sua gestão catastrófica, tenta se justificar dizendo que “o dólar está barato demais” e que até “empregada doméstica está indo pra Disneylândia. Uma festa danada. Peraí”. Isto em um momento em que o desemprego e a fome campeiam. Parem de mentir!
  4. O mesmo país enfermo assiste a um ministro da Educação dizer que “universidade não é para todo mundo” e que os pobres devem se contentar em fazer curso técnico. Demitido após série de escândalos envolvendo liberação de recursos do MEC intermediado por pastores evangélicos em troca de barras de ouro, o ministro-pastor dispara um revólver no balcão da Latam no aeroporto internacional de Brasília e uma funcionária da Gol no guichê vizinho é ferida. O ministro demitido afirma que ao tentar “desmuniciar a arma dentro da pasta, ocorreu o disparo acidental”. Ele e todos os seguidores do presidente candidato são ardorosos defensores da liberação da venda de armas no Brasil, tendo atuado fortemente para isso;
  5. O Brasil morre um pouco mais quando, três anos após o presidente candidato flexibilizar, por decreto, o acesso a armas de fogo por civis (incluindo fuzis), assiste o Exército informar que perdeu o controle e não sabe quantas armas existem nas mãos de caçadores, atiradores esportivos e colecionadores (CACs), o que seria sua obrigação legal. Em todo o país, o arsenal em mãos de CACs ultrapassa um milhão de armas, quatro vezes o total de 2019. A informação é dada pelo próprio Exército à Controladoria-Geral da União, após pedido com base na Lei de Acesso à Informação feito pelo UOL;
  1. O País agoniza ao ver o delegado Giniton Lages – titular da Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro e um dos responsáveis pelas investigações da execução da vereadora Marielle Franco (PSOL) – confirmar que a filha do PM reformado Ronie Lessa – preso sob acusação de ser um dos autores do assassinato e condenado a 13 anos de prisão por comércio ilegal de armas – namorou um dos filhos do presidente candidato. Além dos filhos serem namorados, o PM reformado era morador do mesmo condomínio de luxo do presidente e declarou ter contado com a influência do agora candidato para ter atendimento médico prioritário quando perdeu uma perna em um acidente. Semanas depois, o delegado se disse “surpreso” ao ser afastado do inquérito, após cumprir o que chamou de “primeira etapa da investigação”. Perguntado pela imprensa a respeito do salário do PM reformado, para poder comparar seu ganho com a vida que levava em um condomínio de luxo, o Comando da PM do Rio de Janeiro diz que estas são informações confidenciais e as coloca sob sigilo por 100 anos;
  2. O País demonstra sua deterioração quando o presidente candidato, diante dos assassinatos com requintes de crueldade do jornalista inglês Dom Philipps e do ambientalista Bruno Pereira, no Vale do Javari (AM), declara que as vítimas patrocinaram uma “aventura” e estavam em região onde não deveriam estar. Assassinatos cujo principal suspeito, Ruben Dario da Silva Villar, o Colômbia, preso por uso de documentos falsos e por chefiar uma quadrilha de pesca ilegal na reserva indígena onde ocorreram as mortes, foi solto após pagar R$ 15 mil de fiança;
  3. Após sete meses de um extenso levantamento de provas, reportagem do UOL noticia que a família do atual presidente candidato adquiriu 107 imóveis no período de seus mandatos, 51 deles em dinheiro vivo, “tudo conferido, contado e achado certo”, como registrado nas escrituras emitidas pelos cartórios. O estado de quase-morte do País é tamanho que, apesar destes números avassaladores, não há um arranhão sequer na popularidade do presidente candidato entre seus seguidores, apesar de todos seguirem martelando uma virulenta verborragia anticorrupção para atingir o candidato adversário. Fica evidente que a bandeira por eles deflagrada é uma farsa. Portanto, pelo menos parem de mentir!
  4. Um seguidor do presidente candidato invade uma festa de aniversário em Foz do Iguaçu (PR) e mata a tiros o aniversariante porque este decidiu homenagear um outro candidato diferente do dele. Um outro seguidor do mesmo presidente candidato saca um revólver dentro de um templo e mata o próprio irmão porque ele também fazia campanha para o outro candidato. E o culto prossegue. No Mato Grosso, um lenhador esfaqueia 15 vezes um colega de trabalho e tenta decapitá-lo com um machado. O delegado que prendeu o assassino declara que o preso “diz, em seu termo de interrogatório, que a discussão se deu em razão dele ser defensor do candidato Bolsonaro e o outro ser defensor do candidato Lula”;
  5. O General Hamilton Mourão – recém eleito senador pelo Rio Grande do Sul pela parcela que acha o evidente definhamento do Brasil adoecido “ótimo, bom e regular” – disse que em seu mandato se dedicará não apenas a alterar a composição do Supremo Tribunal Federal (aumentando o número de membros da Corte evidentemente para que o Governo obtenha maioria), como a própria duração dos mandatos dos atuais membros, como se este tipo de proposição não atingisse em cheio uma cláusula pétrea da Constituição. O objetivo é claro: submeter o Supremo aos ditames do atual mandatário do Executivo, caso seja reeleito;
  1. A doença que depaupera o País produz, a sete dias do segundo turno da eleição presidencial, um fato inédito. O Ministério Público do Trabalho anuncia o registro recorde de 1.176 denúncias de crimes de coação eleitoral ocorridos em todas as regiões do País, quando um patrão ameaça ou promete benefícios para que seus empregados votem em determinado candidato. O número é cinco vezes maior que o registrado em todo o período eleitoral de 2018. Se há 1.176 denúncias registradas, não é difícil imaginar por quanto este número não deva ser multiplicado Brasil afora, sem que estas ocorrências tenham sido formalizadas. Qualquer pessoa minimamente sagaz sabe em benefício de qual candidato estes crimes estão sendo cometidos;
  2. A ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos do governo do presidente candidato, pregando na igreja evangélica “Ministério da Fama”, na presença inclusive de público infantil, denuncia crimes abomináveis contra crianças na Ilha de Marajó (PA). Ela afirma que como ministra sabia que crianças brasileiras eram sequestradas para serem levadas ao exterior. E que tinham seus dentes arrancados para “não machucarem na hora do sexo oral” e que recebiam “papinhas” para melhor se portarem no sexo anal. Questionada pelo Ministério Público Federal sobre detalhes dos crimes e do porquê, como ministra, prevaricou ao não abrir a devida investigação, a ex-ministra, agora senadora pela capital da República, declara que “ouviu a informação nas ruas” e não apresenta nenhuma prova de que aqueles fatos tenham de fato ocorrido;
  3. No dia da padroeira deste Brasil adoecido, o presidente candidato comparece à Basílica de Aparecida (SP) acompanhado de algumas dezenas de seus seguidores, que do lado de fora do templo santo bebem cerveja, promovem arruaça incompatível com o local e a data, agridem jornalistas e técnicos da TV da Igreja. Finalmente invadem a sacristia exigindo que os badalos dos sinos entre as missas sejam paralisados pois “se não parar, nós vamos subir para parar e segurança nenhum vai segurar a gente”. A invasão e a ameaça são gravadas em áudio e vídeo;
  4. O adoecimento do País chega a tal ponto que um ex-ministro da Saúde que tenta implementar o protocolo da OMS de combate à Covid é demitido, apontado como inimigo e substituído por um general, que confessa em entrevista que sequer sabia o que era o SUS. Meses depois, o ministro que tentou seguir a ciência e foi demitido não se elege deputado, mas o general que cancelou compra de vacinas “porque um manda e o outro obedece”, deixou faltar oxigênio em Manaus e que assistiu todo tipo de negociata em sua pasta (denunciadas pela CPI da Covid), é um dos deputados mais votados no Estado do Rio de Janeiro. O mesmo processo acelerado de adoecimento faz um ex-ministro do Meio Ambiente – que defendeu que o governo aproveitasse a desatenção da imprensa devido à pandemia para a passagem de “uma boiada” com vistas a desmontar os mecanismos de fiscalização das políticas de proteção ao meio ambiente – ser eleito deputado por São Paulo com 640 mil votos, quase três vezes mais que Marina Silva, ambientalista de referência nacional e
    internacional, que teve 237 mil. A mesma doença terminal faz um ex-juiz, considerado suspeito pelo Supremo e que teve suas sentenças contra o ex-presidente Lula anuladas, se eleger senador pelo Paraná;
  5. A grave enfermidade que acomete o País produz também fatos absurdos como o ocorrido na Unicamp (uma das mais importantes universidades da América Latina e sonho de consumo de estudantes que buscam tanto a graduação como a pós) que se viu obrigada a desligar nada menos de 1.311 alunos por eles não apresentarem a comprovação de terem se vacinado contra a Covid-19, após vários prazos terem sido adiados.
    Na mesma esteira anticiência e de crescimento de uma visão individualista em detrimento de um pacto coletivo de convivência e proteção mútuas, a vacinação antipólio em 2022, cuja meta era alcançar entre 90 e 95% das crianças de um a quatro anos, fica abaixo de 50%, o índice mais baixo de nossa história. A campanha anticiência e antivacina encabeçada pelo presidente candidato também atinge os índices de cobertura das demais vacinas, expondo a população a várias doenças já erradicadas;
  6. Após o presidente candidato lançar sobre a Justiça Eleitoral e as urnas eletrônicas todo tipo de suspeição e acusações de fraudes sem nenhuma prova, chegando ao absurdo de exigir que as Forças Armadas realizassem uma apuração paralela, algo inédito no mundo, o próprio TSE convida o Ministério da Defesa para que realize uma auditoria do pleito no primeiro turno e emita um parecer sobre a segurança das urnas.
    Passados 20 dias das eleições sem que haja uma só inconsistência constatada, o Ministério da Defesa se nega a emitir o relatório, abrindo espaço para futuras contestações do presidente candidato.
  7. A poucos dias da realização do segundo turno das eleições, o ex-deputado Roberto Jefferson, presidente de honra do PTB – cumprindo prisão domiciliar após condenação por crimes que o envolveram diretamente no inquérito das milícias digitais – fere mais uma vez as regras do benefício que lhe fora concedido e publica um vídeo chamando uma Ministra do Supremo de “prostituta” e “arrombada”. Por ter cometido várias transgressões anteriores, um delegado da Polícia Federal requer e o ministro Alexandre de Moraes determina que ele seja novamente preso em regime fechado. Ao tentar cumprir a determinação judicial, quatro policiais federais são recebidos com mais de 50 tiros de fuzil e o uso de duas granadas pelo próprio criminoso. Dois policiais saem feridos e os carros da PF são fortemente atingidos pelas balas. Ferindo todos os protocolos para casos semelhantes, o presidente candidato envia o ministro da Justiça em pessoa para negociar com o criminoso, que finalmente é preso após o País adoecido assistir duas cenas reveladoras: 1. Um falso padre candidato do PTB à Presidência, que teria “furado o bloqueio” da Polícia Federal, leva o fuzil do criminoso até os policiais; 2. Um Policial Federal entra em cena e em vídeo gravado conversa amigavelmente com o criminoso na sala da casa, sorri e gargalha várias vezes para ele, diz que “o que o senhor precisar a gente vai fazer” e finalmente deprecia os colegas feridos dizendo que “eles são da inteligência … são burocráticos”, quase pedindo desculpas ao criminoso agressor por ele ter usado seu fuzil e granadas contra seus colegas. Algo absolutamente estarrecedor.
    Definitivamente estamos vivendo uma quadra onde o País morre um pouco a cada dia. Ele grita diariamente para quem quiser ouvir que no dia 30 de outubro não estaremos decidindo entre Lula e o presidente candidato. Estaremos decidindo entre humanização e perversidade. Entre paz e violência.
    Estaremos antepondo uma sociedade plural que respeita suas várias diversidades históricas e outra autoritária que exclui milhões de membros que a formam e sustentam. Iremos escolher, enfim, por democracia ou fascismo. Não se trata apenas de Bolsonaro, o que já seria muito. Trata-se de uma cultura bolsonarista, de uma mentalidade bolsonarista, de uma visão de mundo bolsonarista, de uma prática social bolsonarista. Derrotar Bolsonaro é impor um primeiro limite aos que o idolatram apesar de tudo, tudo, tudo. Trata-se, enfim, de escolher entre civilização e barbárie. Como Ivan Ilictch de Tolstói, o Brasil grita por mudança e exige, de uma vez por todas, que parem de mentir, pois ele está à beira da morte.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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