Depois da tortura e linchamento bárbaros de Moïse Mugenyi, começam a aparecer os relatos de quem o conheceu e conheceu a situação dos refugiados negros no Brasil, esse país que longe de pátria amada foi o destino da maioria dos escravizados africanos, último a abolir a escravidão e onde o racismo estrutural segue forte nas ruas e nas mídias. Abaixo, o relato do jornalista e documentarista Caio Barretto Briso, em seu perfil no Twitter (@caio_), gentilmente cedido para publicação pelos Jornalistas Livres:
Conheci Moïse quando fui à favela Cinco Bocas, em Brás de Pina, fazer uma reportagem sobre a vida dos congoleses no Rio. Acabei me aproximando de um dos seus melhores amigos. Chadrac me apresentou a vários conterrâneos. Na hora do almoço, convidei-o para comer. Ele agradeceu mas recusou: não se sentiria bem almoçando em um restaurante enquanto amigos passavam fome. Fomos então ao supermercado e enchemos um carrinho de comida. Comecei a entender ali quem eram aqueles imigrantes:
Conheci um economista congolês que falava francês, lingala, português e inglês. Sonhava ser contratado como tradutor na Rio2016, mas só conseguiu vaga como voluntário. Um administrador virou faxineiro. Chadrac, formado em hotelaria, carregava pedras em troca de 60 reais por dia.
A coordenadora da Cáritas RJ, Aline Thuller, contou na época que empresários cariocas preferiam contratar imigrantes brancos, como os sírios.
Um mês antes de João nascer, demos uma festa pra cem pessoas lá em casa. Enchi a playlist de Fally Ipupa, Simaro Lutumba e chamei Chadrac e seus amigos. Moïse, mais sossegado, não foi. Vocês já viram um congolês vestido pra uma festa? São os mais elegantes e melhores dançarinos do mundo!
No sábado à noite, Chadrac me ligou pedindo ajuda. Contou chorando que mataram Moïse. Não consigo pensar em outra coisa desde então, assim como não consigo esquecer de um bebê recém-nascido que o pai, um homem chamado Luta, batizou de Vencedor. Era o primeiro carioca da família.
A situação dos congoleses, angolanos e haitianos no Brasil é terrível e atravessa governos de centro-esquerda e extrema-direita de forma surpreendentemente parecida. O racismo estrutural bloqueia avanços profundos. Eles têm as nossas lágrimas, mas só podem contar com eles mesmos.