Justiça precisa atuar: 59 mulheres já denunciaram juiz por assédio sexual

Após as denúncias de assédio contra o juiz Marcos Scalercio se tornarem públicas, novas vítimas surgiram pressionando a Justiça, que é lenta
Juiz Marcos Scalercio - Foto: reprodução
Juiz Marcos Scalercio - Foto: reprodução

Na segunda feira (15), vieram a público as denúncias de assédio contra Marcos Scalercio, juiz substituto no Tribunal Regional de Trabalho (TRT) da 2ª região e professor de Direito Material e Processual do Trabalho na Damásio Educacional. Em 2020, a ong Me Too recebeu as denúncias de 10 mulheres. Entre elas, 3 decidiram levar a ocorrência à Justiça. Nessa quarta (17), a assessoria de imprensa informou que, desde segunda, a ong já recebeu 49 novas denúncias relacionadas ao juiz, totalizando 59 denúncias. Além disso, 18 dessas novas vítimas estão mostrando interesse em prosseguir com seus relatos na polícia.

Em 2014, as acusações começaram na internet, mas apenas em 2020 a Ong Me Too formalizou as denúncias no Conselho Nacional de Justiça. As vítimas relataram terem sofrido assédio dentro do Fórum Trabalhista Rui Barbosa e nas redes sociais. Beijos e abraços forçados em espaços públicos e privados são algumas das queixas. Além disso, uma das mulheres acusa Marcos por ter participado de uma reunião de vídeo completamente nu e se masturbando. “Me prometeu uma revisão de prova e quando abri a câmera estava pelado e se masturbando”, conta uma das alunas do professor. Outra vítima ainda o denuncia por estupro. Para aqueles que conviviam com Scalercio, os relatos eram vários, e, de forma alguma, eram desconhecidos, entretanto apenas em 2022 vieram, de fato, a público após a reportagem publicada no G1.

Marina Ganzarolli, fundadora do Me Too, entrevistada pelos Jornalistas Livres, falou sobre o cuidado que devem ter ao tornar público o caso de um predador sexual.  “A gente sempre toma bastante cuidado com a publicização de casos coletivos de predadores sexuais, porque a gente sabe que a narrativa se reverte muito rapidamente contra as vítimas”. Para Marina, o episódio é ainda mais delicado porque se trata de um agressor que é uma autoridade pública. Nessas situações, sempre há um medo maior das vítimas em contarem suas histórias, porque existe o receio de uma represália.

Já a coordenadora do Me Too, Luanda Pires, que cuida do caso, falou sobre a importância da divulgação das denúncias na grande mídia. Para ela, através dessa publicização, várias outras vítimas se sentem protegidas para falar suas histórias. Novos relatos também são responsáveis por dar robustez às acusações. “Por serem muitas vítimas, por estar muito determinado o modus operandi dele, a gente consegue fazer com que as instituições trabalhem de forma séria”. Após o caso se tornar público, o juiz Marcos Scalercio foi afastado de suas atividades. A pressão popular, assim, auxília a fazer com que as instituições respondam.

“Por que ele só agora foi afastado das atividades dele? Por causa da publicização. Porque, desde 2020, as instituições tinham conhecimento disso, que foi quando começaram as denúncias.” (Luanda Pires)

O caso já havia sido recusado após o TRT da 2ª Região indicar não haver provas suficientes para a abertura do processo de assédio. Agora, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em Brasília, e o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), em São Paulo, apuram as acusações contra Marcos Scalercio. Em nota, o Me Too afirmou possuir provas contundentes e espera que o caso seja aceito.

“Não é possível que o juízes e promotores no Brasil estejam acima da Lei. (…) Não é possível, que a conduta de um professor e de um juiz que, em menos de 24 horas, leva mais de 30 entradas de relatos de conduta sexual inadequada, de convites invasivos, de abordagem sexual ofensiva por redes sociais ou ao vivo… Não é possível que essa pessoa tenha uma conduta ética inaceitável na justiça do trabalho, que é um lugar onde as mulheres buscam ajuda para situações de assédio que enfrentam no dia a dia do emprego” (Marina Ganzarolli, fundadora do Me Too Brasil)

“A gente tá falando de um juiz… ele tá acima da lei? Não, ele não tá acima da lei.” (Luanda Pires coordenadora do Me Too Brasil)

Para a coordenadora e a fundadora da ong, o juiz Marcos Scalercio é um assediador em série. O que chamou a atenção das duas é que as denúncias eram extremamente semelhantes. Ou seja, eram muitas vítimas e os relatos eram muito parecidos.

A gente observa nos casos de predadores sexuais que o modus operandi é sempre muito parecido. Ele tem um modus operandi que se repete com todas as vítimas. Então temos como provas os depoimentos de colegas, de pessoas que trabalham com ele, que convivem com ele, os prints…“. (Marina Ganzarolli)

65,7% dos processos de assédio terminam sem punição

Em levantamento da Controladoria Geral da União (CGU), dois terços dos processos por assédio sexual terminam sem punição. A CGU leva em conta processos concluídos entre 2008 e junho de 2022. Entre as investigações concluídas, 432 chegaram ao fim sem punição, o que representa 65,7% do total. Para Marina Ganzarolli, uma série de fatores colaboram para que a Justiça não puna os agressores.

A fundadora da Ong entende a violência sexual como reflexo da desigualdade de poder entre homens e mulheres. Se vivemos em uma estrutura patriarcal e machista, isso significa que o corpo e a vida das mulheres são colocados como algo que deve estar à disposição, não apenas do prazer, mas também da autoridade e vontade masculina. Os efeitos disso são: a desqualificação da vítima ao longo do processo, a não-valorização dos seus depoimentos, a revitimização das mulheres, a centralização do processo no perfil da vítima e não do agressor.

Somam-se a esses fatores o investimento insuficiente em investigação e inteligência na Polícia Civil. Esse órgão acaba restringindo as provas aos depoimentos do acusador e acusado, contribuindo para a ineficiência do combate a violência sexual. Existe, portanto, um despreparo dos agentes da saúde, do direito e da Segurança Pública que resulta, sobretudo, em uma subnotifcação de casos. Para Luanda Pires, o Brasil não é um país que leva a violência sexual a sério. Com mais esse caso, a Me Too espera uma mudança de paradigma.

“A nossa tratativa em relação ao combate sexual ainda não é sério, né? A gente pode ver que são dois anos que já estava na instância criminal. Por que que ainda não foi determinado, já que ele assedia essas mulheres via telefone, via computador, por que que ainda esses aparelhos não foram buscados e apreendidos?” (Luanda Pires)

Marina Ganzarolli também questionou o procedimento da Justiça em não utilizar outros recursos de investigação, como apreender o celular do juiz Marcos Scalercio:

“Então, por exemplo, ‘ah, o CNJ não encontrou, o TRT não encontrou também nenhum indício’, eu devolvo uma pergunta para ambas organizações. Eles aprenderam o celular do magistrado? Foi realizada uma perícia no celular do magistrado? Então, na verdade não existe vontade política, não existe vontade organizacional, não existe investimento público na polícia civil, na política pública e na capacitação para fazer essas investigações”.

Marina relembra também como Robinho foi condenado. No caso, ele foi julgado culpado de estupro na Itália porque o celular dele foi confiscado pela polícia na hora em que foi feita a denúncia. Na ocasião, a prova que condenou o jogador foi retirada de seu aparelho pessoal. Ou seja, ele mesmo mandou uma mensagem afirmando ter mantido relações sexuais com a vítima. Enquanto isso, o juiz Marcos Scalercio continua, nesse dia 17, com seu celular em mãos. 

Este texto foi atualizado hoje às 9 horas da manhã.

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