Marília Albiero, coordenadora do Projeto de Alimentação da ACT Promoção da Saúde
Não há exagero na afirmação de que que existe consenso em relação à necessidade de uma Reforma Tributária. A movimentação do ministro da Fazenda Fernando Haddad sinaliza a importância do tema para o governo. Enquanto Executivo e Legislativo discutem o tema, a sociedade civil se mobiliza por uma proposta de reforma saudável, sustentável e solidária, sem colocar em risco o equilíbrio fiscal.
Quem se preocupa com as questões de saúde pública, por exemplo, enxerga que chegou a oportunidade de corrigir nosso modelo alimentar. Atualmente, enquanto mais de 33 milhões de pessoas passam fome – cerca de 125 milhões vivem em estado de insegurança alimentar, 57 mil morrem, por ano, em consequência do consumo de ultraprocessados, alimentos ricos em sal, gordura e açúcar e pobres em nutrientes.
Com o objetivo de reduzir essa estatística, torna-se urgente a revisão da Cesta Básica a partir das diretrizes do Guia Alimentar Para a População Brasileira. O convênio da Cesta Básica vigente prevê a redução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) e deixa de fora uma série de produtos in natura ou minimamente processados. Em compensação, estados como São Paulo, Paraná e Bahia concedem a artigos como macarrão instantâneo e salsichas o mesmo ICMS do arroz e do feijão.
Sabemos, ainda, que o baixo preço final dos ultraprocessados resulta de diversas distorções na arrecadação que também precisariam ser revistos na reforma. Um bom (mau) exemplo é o caso dos refrigerantes. Uma intrincada engenharia fiscal, que começa com a utilização de concentrado, ou xarope, fabricado na Zona Franca de Manaus, permite que a indústria deixe de pagar, por ano, cerca de R$ 3 bilhões em impostos.
O setor se beneficia ainda com baixa alíquota de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). O índice não passa de 2,6%, segundo o último decreto (11.158 de 2022), medida que contraria o princípio da essencialidade do tributo. Tudo isso para um item supérfluo, associado ao desenvolvimento de doenças, como diabetes, obesidade e alguns tipos de câncer, e a agressões ao ambiente – seja pela quantidade de água usada na preparação ou pela demanda de garrafas plásticas. Sem esquecer o fato de que o desmatamento, as violações aos direitos humanos – até mesmo com trabalho análogo à escravidão – fazem parte da cadeia produtiva do açúcar.
Uma simulação da Fundação Instituto de Pesquisa Econômicas (Fipe) calculou qual seria o impacto no orçamento da União caso o Brasil seguisse o exemplo de mais de 50 países aumentando a tributação de bebidas adoçadas. De acordo com o estudo, patrocinado pela ACT Promoção da Saúde, uma elevação de 20% na alíquota significaria uma arrecadação de mais de R$ 4,7 bilhões por ano.
Defendemos, portanto, que a Reforma Tributária proponha imposto seletivo para ultraprocessados, tabaco e álcool. O estabelecimento de alíquotas mais altas seria repassado para o preço final das mercadorias e acabaria levando à redução do consumo. Os recursos obtidos com o aumento da arrecadação poderiam financiar políticas públicas para mitigar os danos à saúde e ao ambiente associados a esses produtos, além de possibilitar uma desoneração para alimentos saudáveis
Todos esses dados e a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), que defende a tributação de produtos que fazem mal, nos dão a certeza de que a Reforma Tributária representa um passo importante para manter o equilíbrio fiscal e criar condições para enfrentarmos o maior desafio do país: garantir à população o acesso à comida saudável.