Lagoa da Conceição vira palco de violência homofóbica contra namorados artistas

Mulher Popita: "Vocês não vão nos derrubar. nossa luta é em cena nas ruas, nos palcos. E machistas, homofóbicos, fascistas, não passarão!"

NO DIA INTERNACIONAL DA TOLERÂNCIA:

“Não vamos nos calar. Eles contam com o nosso silenciamento para nos torturar, humilhar, matar”. Arthur Rigoski Gomes, 21 anos

“Isso mostra que temos muita luta diária para que este seja um país mais tolerante, mais justo, onde se respeite e se aceite a diversidade das culturas do ser” Thomas Dadaam, 27 anos

 

 

 

Com as marcas da violência homofóbica ainda estampadas no rosto, o estudante de Artes Cênicas da Udesc, Arthur Rigoski Gomes, 21 anos, estreou na noite de véspera do feriado da República, no teatro do SESC-Prainha, em Florianópolis, a peça Atroz, de Jean Genet. Para ele e o namorado Thomas Dadaam, 27 anos, estudante de Filosofia da UFSC, encenar a obra do “poeta do amor homossexual”, encorajadora de todos os que desviam do padrão dominante, ganhou um sentido muito maior do que um trabalho de conclusão de disciplina com apresentação única. No último domingo, o casal foi covardemente espancado por um grupo de cinco rapazes enquanto conversava com outras pessoas na Lagoa da Conceição. O processo judicial contra os agressores e a sublimação dos gays pela arte são a resposta política dos jovens à ofensiva fascista.

O que seria um passeio de mãos dadas ao pôr-do-sol da paradisíaca Lagoa da Conceição para revigorar as energias e prepará-los para a semana de trabalho tornou-se um pesadelo. Ambos conversavam com uma turma de oito pessoas que encontraram a caminho do mercado, quando apareceu um segundo grupo de cinco rapazes que se aproximou deles e, segundo os agredidos, logo começou a dirigir-lhes ofensas e ameaças relativas a sua opção sexual. “Usaram a palavra viado como forma de xingamento e nós reagimos repetindo: ‘Isso é homofobia!’”, conta Arthur, que é produtor cultural, assim como o namorado. Foi aí que a violência física, com socos, murros e chutes se sobrepôs à violência verbal. Quando se recobrou do choque inicial das pancadas, com o rosto coberto pelo sangramento do nariz, Arthur se deu conta da situação: “Saio de casa para ter um momento feliz, tranquilo e de repente me vejo sozinho, todo machucado, sangrando e o companheiro caído no chão, desacordado”.

Arthur tem vários hematomas e lesões na face, na boca, na testa, na perna, sente fortes dores nas mandíbulas, além dos golpes na cabeça e na nuca, mas Thomas sofreu lesões mais graves. No hospital, ele constatou através de radiografia e laudo médico, fratura no septo nasal, traumatismo craniano, com perda de memória recente. O pequeno ferimento que tinha no braço infeccionou e transformou-se numa grande lesão. Logo com o primeiro golpe na cabeça, o estudante desmaiou e teve que passar a noite em observação no Hospital Celso Ramos até o amanhecer de segunda. Na terça-feira, eles foram por conta própria ao IML fazer exame de corpo de delito e Thomas já tem marcada uma ressonância magnética para fazer um diagnóstico mais preciso da cabeça. Por causa do longo período que passou desacordado, ele não lembra o que ocorreu quando começaram as agressões físicas. “Fui descobrindo o que aconteceu pela dor na cabeça, no nariz, no maxilar, nas mandíbulas, no corpo, no braço”. Mas Arthur, que se manteve mais consciente, ainda ouviu, enquanto eram surrados, os rapazes fazerem ameaças do tipo: “Vai ficar pior pros viados” ou “Daqui pra frente vai virar norma bater em viado”. Pessoas que presenciaram o espancamento ajudaram a socorrer o casal, chamaram um táxi e confirmam também essas agressões verbais.

O horror, contudo, não parou na covardia física. Ao chegarem a 5ª Delegacia de Polícia, acompanhados de amigos, os jovens foram tratados novamente com discriminação e despreparo, segundo eles: “Quando chegamos, o escrivão primeiramente se recusou a registrar o B.O., dizendo que estávamos muito alterados e exaltados. De fato, eu tinha acabado de recobrar a consciência, estava muito perdido e o Arthur sangrava muito. Mas os amigos ajudaram a argumentar e ele então concordou em fazer o B.O., mas determinou que entrássemos sozinhos na sala”. O policial então trancou a porta e começou, segundo eles, “a se alterar verbalmente, a gritar, dizendo para nós pararmos de nos vitimizar”. Conforme Thomas, o mau humor culminou com um soco na mesa. Algumas cenas foram, segundo relatam, presenciadas e até filmadas pelos amigos que os acompanhavam e entraram na sala ao ouvirem os gritos. Esse tratamento recebido na Delegacia, considerado desrespeitoso e discriminatório,  levou-os a prestar queixa na Corregedoria de Polícia. Com apoio de uma advogada popular que deve assumir o processo, eles abriram Boletim de Ocorrência no 5° DP contra agressão física e verbal, isso porque, como aprenderam, no Brasil o crime de homofobia não é tipificado na lei. Os agressores estão em processo de identificação. 

Quando sofreram a covardia os dois estavam de mãos dadas. “Nós nos comportamos como um casal normal de namorados que de fato somos”, defende Arthur. “Temos uma vivência de casal. A gente nunca escondeu isso e nem pretende esconder, ainda mais agora, a gente vai continuar sendo um casal”, afirma Thomas, que é também formado no Curso de Cinema da Unisul. Emocionado, ele se mostra muito triste ao ver que o carinho entre os dois “gere ódio e produza agressão” para pessoas que não respeitam o modo de ser dos outros. “Nosso amor é um alvo para eles extravasarem toda a sua violência e agressividade”.

Arthur e Thomas procuraram os Jornalistas Livres depois de verem os comentários homofóbicos dos leitores do site do G1 (onde a notícia foi publicada primeiramente) que, segundo eles, representou um segundo espancamento. “Não gostaríamos de nos expor dessa forma para esse tipo de público”, explicam. Com a experiência, eles também consideram importante encorajar outras pessoas a falarem e denunciarem esse tipo de covardia que “tortura, humilha, mata”.

“Saio de casa para ter um momento feliz e de repente me vejo todo machucado, sangrando e o meu namorado no chão, desacordado”

Desde a agressão, vários amigos que já haviam passado por linchamentos semelhantes procuraram os dois para relatar seus casos. “Inclusive na Lagoa, outros amigos foram agredidos sem que isso tenha sido denunciado”, revela Thomas. Eles enfatizam que esses e outros crimes de homofobia, cada vez mais frequentes em Florianópolis, desmentem a lenda da cidade como paraíso homossexual. “Vemos que aqui é um lugar para homossexual com dinheiro. A comunidade LGBT marginal sofre, apanha, é morta, vira estatística”, lamenta Arthur. “Floripa não é de fato um espaço de vivência de mil maravilhas, como se diz por aí. A gente sente na pele essa opressão”, salienta ele, enquanto dá a última pincelada no rosto do ator que vai representar no palco o empoderamento desse universo feminino marginalizado e vai junto com o diretor e o resto do elenco gritar, com o aplauso entusiasmado da seleta plateia de amigos para a apresentação de Atroz: “Machistas, fascistas, homofóbicos, não passarão!”.

 

“Não vamos nos calar. Eles contam com o nosso silenciamento para nos torturar, humilhar, matar”. Arthur Rigoski Gomes, 21 anos

“Isso mostra que temos muita luta diária para que este seja um país mais tolerante, onde se respeitem e se aceitem a diversidade das culturas do ser” Thomas Daam, 27 anos

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