Jorge Hereda, ocupação na Zona Leste de São Paulo é símbolo da luta legítima por moradia durante pandemia

Ocupação Jorge Hereda, onde 600 famílias de sem teto ocuparam um terreno sem função social, na zona leste. Serão mais duas reportagens sobre.

SÉRIE JORGE HEREDA – A partir desta semana você vai conhecer a luta da Ocupação Jorge Hereda, de mais de 600 famílias de sem teto que ocuparam mais um terreno sem função social, na zona leste de SP. Serão três reportagens que trarão histórias de pessoas pobres, sem teto, que você não ver na mídia tradicional.

Entre a fronteira dos donos do Shopping e da luta dos sem-teto por moradia 

Por Katia Passos e Lucas Martins

São mais de 600 famílias que ocupam, desde 16 de julho, dia Nacional de Lutas pela Reforma Urbana o terreno que faz fronteira com o Shopping Aricanduva, o maior do Brasil e da América Latina com 423  mil metros de área construída, uma verdadeira aberração territorial mercadológica, na Zona Leste de São Paulo.

Jorge Hereda é ocupado por movimentos sociais. O movimento chamado Terra Prometida é o principal organizador da luta e nomeou a ocupação como Jorge Hereda, em homenagem a ao arquiteto e urbanista,  que nasceu em Salvador – Bahia, em 1956 e faleceu no dia 09 de Julho de 2021, com 64 Anos de idade, tendo, durante toda a sua trajetória sido, uma referência para os movimentos de moradia em todo Brasil,  por sua militância sindical e popular em favor dos sem teto e favelados, mesmo quando ocupou cargos públicos. Era chamado de irmão dos sem teto. Promoveu também o debate profundo sobre a construção de cidades mais justas e inclusivas.

Para quem não conhece São Paulo, o terreno da Jorge Hereda, onde hoje se erguem os barracos, a partir de ações comunitárias, onde o trabalho é dividido entre componentes de famílias, em sua maioria, de sete ou mais pessoas, fica localizado a cerca de 1h30 do centro da cidade. 

Quando a reportagem dos Jornalistas Livres esteve no local, os moradores viviam um dos momentos mais dramáticos para quem não tem teto e ocupa terrenos sem função social na cidade. Um pedido de reintegração de posse havia sido expedido, em caráter de urgência, visto que tratava-se de um documento construído num final de semana, em plantão do judiciário. 

Dias antes, o ilustre vizinho, o “maior Shopping da América Latina”, impôs limites no terreno, gradeando o espaço com aquelas cercas de arame, parecidas com as utilizadas em campos de concentração, símbolo de segregação, de confinamento, como se quem não tem teto, tivesse que ficar nas sombras de uma prisão em tempos de guerra. 

Talvez realmente estejamos em tempos de guerra. Mas ao contrário da época de Auchwitz, o povo que constrói hoje suas casas na Jorge Hereda não está disposto a praticar nenhum tipo de obediência às regras convencionais que a Savoy Imobiliária Construtora, proprietária do terreno há anos abandonado, servindo de moradia para ratos, cobras e outros seres e claramente, sem nenhuma função social, quer impor. 

O grupo Savoy é dono de cerca de 1778 imóveis na cidade, incluindo os shoppings Interlagos e Central Plaza. Seu fundador Hugo Eneas Salomone, de 90 anos, deve para a Prefeitura de São Paulo, milhões de reais pelo não pagamento de IPTU, alegando que o lançamento da cobrança do tributo está errada. Em 2020, em apuração realizada por um dos maiores veículos tradicionais de comunicação do país, o montante milionário colocaria a empresa como a maior devedora do imposto predial de São Paulo, se não fosse a realização de depósitos judiciais. 

Já os novos moradores do terreno não querem nada de graça. Eles querem pagar IPTU, querem trazer vida e giro econômico ao local e, sobretudo, fazer com que o espaço finalmente tenha função social, como deve ser. 

Para Lucas, um dos ocupantes do terreno que martelava madeirites para montar sua casa, a situação dos sem-teto é definida pela luta em meio a desigualdade:  “Eu acho que é uma maravilha, né? Que nós temos uma vista boa, pra olhar pra eles, pra olhar pra nós também que é a comunidade né? Que é da favela né? Eu acho uma maravilha, porque as pessoas tão montando aqui também né? Um projeto muito bom, de verdade. A favela tem que ter o seu também. Aqui não é meu não, aqui é do meu pivete. To puxando pra ele, entendeu? Muitas pessoas não têm casa e poucas, como aquelas ali ó, tem casas.” Apontando para um condomínio de classe média avistado do alto do barranco, de onde conversávamos. A zona leste tem visto nos últimos anos, a coexistência de áreas com valorização crescente, em meio a gentrificação de áreas anexas.

O drama e uma primeira vitória, depois outro drama

Depois de uma semana no terreno, os moradores receberam a dramática notícia de que a  Savoy havia entrado com o processo liminar de reintegração de posse. 

Era um domingo, e um juiz de plantão concedeu a liminar, avaliada pelos ocupantes, como um tanto esquisita, porque ainda naquela semana, valia a recomendação do Supremo Tribunal Federal para que não ocorressem reintegrações de posse durante a pandemia. 

Mas, após uma longa trajetória e importantes vitórias e reconhecimento no Senado e na Câmara nos últimos meses, o texto do Projeto de Lei 827/2020, que suspende despejos e remoções durante o período da pandemia foi VETADO pelo presidente Jair Bolsonaro. 

Ainda assim, há o que se comemorar, pois no dia 30 de julho, após um agravo de instrumento apresentado por advogados da Defensoria Pública, em defesa dos sem-teto da Jorge Hereda, a reintegração foi suspensa. E isso é o que os mentem no terreno até o fechamento desta primeira reportagem da série de três que você verá nas plataformas dos Jornalistas Livres, na próxima semana. 

Conheça a história de mais dois moradores da Jorge Hereda: um jovem advogado periférico que sonha com uma casa simples para viver em paz com sua família. Um Youtuber que vê esperanças no povo brasileiro. 

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