Itéramãxe: aquilombando universidades

O projeto de Mentoria Preparatória para Pós-Graduação em Humanidades “Itéramãxe” prepara e apoia pessoas de grupos vulneráveis para processos seletivos de pós-graduação em universidades brasileiras.

O Instituto Itáramãxe é uma iniciativa de pesquisadoras negras com o objetivo de inserir e manter pessoas oriundas de grupos vulnerabilizados no ambiente acadêmico. Para isso, o projeto de Mentoria Preparatória para Pós-Graduação em Humanidades “Itéramãxe” (do iorubá “iteramosè” – iterar, perseverar e re-existir) apoia pessoas negras, indígenas, quilombolas, de povos e comunidades tradicionais, refugiadas, com deficiência e LGBTQIAP+ para que dêem continuidade à sua formação superior, preparando-as para os processos seletivos de pós-graduação Stricto Sensu (mestrado e doutorado) em programas de Humanidades, Ciências Sociais e Educação por todo o Brasil, possibilitando a transformação deste ambiente de privilégios que é a universidade pública.

O foco principal do projeto é oferecer conhecimentos teóricos e metodológicos que permitam a essas pessoas conceber e escrever projetos de pesquisa para serem apresentados em processos seletivos de pós-graduação de instituições públicas no Brasil. A mentoria também se debruça sobre o ensino de inglês, espanhol e francês, já que o exame de proficiência em língua estrangeira é parte eliminatória nos processos seletivos.

O Instituto Itéramãxe tem como uma de suas missões transformar a educação e a ciência com histórias que importam e que permitem a produção de conhecimento que esteja em diálogo com as demandas e necessidades atuais.

A metotodologia de ensino é baseada em mentorias preparatórias, com processos horizontais de orí-entação* .

A fim de realizar um trabalho interdisciplinar, que mantenha um olhar cuidadoso com a saúde mental de estudantes durante o processo, e conectado com a realidade externa à academia, foram realizadas parcerias com a Universidade Federal do ABC (UFABC), através da Escola Preparatória Pós-Graduar, que possui consolidada experiência de trabalho com o público do projeto, e com a Casa de Marias, além de outras parcerias com coletivos negros e instituições engajadas em ações em comunidades periféricas e na educação popular.

A população negra, e as pessoas advindas das periferias e de escolas públicas, carregam com elas, por anos, uma defasagem educacional, até o seu ingresso no ensino superior. Mesmo esse ingresso, no entanto, em grande parte ocorre na dependência de um pouco de sorte e de muita luta, pois a graduação, para este público, se dá majoriatariamente via instituições privadas, pela dificuldade de acesso às públicas.

Alessandra Garcia Nogueira Lucio, advogada criminalista, mestranda do Programa Diversitas, da Universidade de São Paulo (USP), fundadora e atual coordena do coletivo Itéramãxe, seu ingresso na pós só foi possível porque também recebeu uma mentoria afetuosa e acolhedora, realizada por Tamiles Alves, então doutoranda pelo mesmo programa, e da Educafro. Para Alessandra, que posteriormente idealizou a formalização do coletivo, o acolhimento que recebeu através da mentoria foi determinante para o seu ingresso no mestrado. A partir daí, ela percebeu que poderia replicar essa iniciativa, em um grupo, e ajudar muitas outras pessoas em situação semelhante à sua.

No início de 2021, Alessandra, inquietada pela falta de diversidade na pós, participou de uma nova mentoria, em parceria com discentes do Programa Diversitas/USP. Foi quando conheceu Telma das Graças de Araújo, Cristina Batista de Castro e Andréia Priscila da Silva, suas primeiras mentorandas: todas mulheres pretas, periféricas e educadoras, atravessadas por lutas, vivências e resistências, que tinham (e ainda têm) um desejo latente de ingressar em uma pós-graduação. E foi justamente dessa potência de mulheres pretas conscientes que nasceu o Projeto de Mentoria Itéramãxe.

A Mentoria de 2021 contou com 15 integrantes, que são pesquisadores e epsquisadoras voluntárias, que já cursam mestrado ou doutorado em Programas da USP, PUC Campinas, Unifesp, da Universidade de San Diego, na Califórnia, e da UFABC. Seu principal objetivo foi preparar pessoas de camadas socialmente desfavorecidas e historicamente excluídas da sociedade para ingressarem em programas de pós-graduação, em termos de maior igualdade de oportunidade com outros estudantes de classes sociais mais favorecidas – os quais dispõem de condições familiares e sociais mais apropriadas para desenvolverem seus estudos. O ciclo de mentorias preparatórias 2021-22, teve 144 inscrições, e foram selecionadas 85 pessoas, e divididas entre 15 mentoras e mentores voluntários.

Já o ciclo de mentorias preparatórias 2022-23 passou por uma reestruturação para adequar o crescimento do coletivo à demanda, pois teve em torno de 200 inscrições e foram selecionadas 152 pessoas, ou seja, o dobro do ciclo anterior. O número de pesquisadores e pesquisadoras participantes, advindas de universidades brasileiras e do exterior, também precisou ser duplicado.

Como forma de custear as inscrições de mentorandos e mentorandas que não têm condições de pagar as taxas de inscrições e matrícula, o coletivo articula campanhas de apadrinhamento em suas redes sociais.

Para 2023 e 2024, outros projetos voltados para a área da educação estão sendo pensados, como o acesso do mesmo público à graduação e ações educacionais destinadas a mulheres negras cis e trans, vítimas de violência.


Para acompanhar e colaborar com as ações e campanhas deste coletivo é só acessar o site www.iteramaxe.com.br.

Acesse também suas redes sociais, como Instagram, Facebook, Tiktok, Youtube e LinkedIn com o nome @Iteramaxe, ou entre contato pelo e-mail [email protected]

*Orí-entação é a junção da palavra orientar – que nada mais é do que a ação e o efeito de colocar-se em um determinado caminho, percurso, rota, destino ou lugar, ou ainda, localizar-se em determinado ambiente (referência) – com a palavra orí – a nossa cabeça, aquela que nos guia, que comanda nossa vida, que nos faz crescer, intelectualmente e como pessoa, é aquela que pode possibilitar um caminho feliz. E, para isso, precisamos nutri-la com sabedoria, com conhecimento, com aprendizado, com trocas humanas, com afeto e com amor.

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