INSTRUÇÕES PARA ESQUIVAR O MAU TEMPO

 

Em primeiro lugar, não se desespere e em caso de agitação não siga as regras que o furacão quererá lhe impor.

Refugie-se em casa e feche as trancas quando todos os seus estiverem a salvo.

Compartilhe o mate e a conversa com os companheiros, os beijos furtivos e as noites clandestinas com quem lhe assegure ternura.

Não deixe que a estupidez se imponha.

Defenda-se.

Contra a estética, ética.

Esteja sempre atento.

Não lhes bastará empobrecê-lo, e quererão subjugá-lo com sua própria tristeza.

Ria ostensivamente.

Tire sarro: a direita é mal comida.

Será imprescindível jantar juntos a cada dia até que a tormenta passe.

São coisas simples, mas nem por isso menos eficazes.

Diga para o lado bom dia, por favor e obrigado.

E tomar no cu quando o solicitem de cima.

Dê tudo o que tiver, mas nunca sozinho.

Eles sabem como emboscá-lo na solidão desprevenida de uma tarde.

Lembre que os artistas serão sempre nossos.

E o esquecimento será feroz com o bando de impostores que os acompanha.

Tudo vai ficar bem se você me ouvir.

Sobreviveremos novamente, estamos maduros.

Cuidemos dos garotos, que eles quererão podar.

Só é preciso se munir bem e não amesquinhar amabilidades.

Devemos ter à mão os poemas indispensáveis, o vinho tinto e o violão.

Sorrir aos nossos pais como vacina contra a angústia diária.

Ser piedosos com os amigos.

Não confundir os ingênuos com os traidores.

E, mesmo com estes, ter o perdão fácil quando voltarem com as ilusões acabadas.

Aqui ninguém sobra.

E, isto sim, ser perseverantes e tenazes, escrever religiosamente todos os dias, todas as tardes, todas as noites.

Ainda sustentados em teimosias se a fé desmoronar.

Nisso, não haverá trégua para ninguém.

A poesia dói nesses filhos da puta.

 

 

Paco Urondo (1930 – 1976) foi escritor, jornalista, poeta, militante político e guerrilheiro argentino.

  • Ilustração por Helio Carlos Mello.

 

COMENTÁRIOS

Uma resposta

POSTS RELACIONADOS