Familiares e vizinhos lutam para provar inocência de 4 jovens periféricos

Luci e Adailton, país de Fabrício e Pedro, Seguram a carta de Fabrício. Foto: Lucas Martins / Jornalistas Livres

Por Kátia Passos e Lucas Martins

Washington Almeida da Silva, Leandro Alencar de Lima e Silva e os irmãos Pedro e Fabrício Batista dos Santos estão presos desde o dia 11 de dezembro de 2018, acusados injustamente de roubar um motorista de Uber e seu carro. Hoje a família tenta provar a inocência dos quatro.

Nesta última sexta-feira (18) as famílias organizaram um ato pelas ruas do Jardim São Jorge, que os quatro jovens percorreram em seus últimos momentos de liberdade. A manifestação começou às 18h de frente ao mercado Paraná, ponto de referência do bairro, e na rua de onde os quatro saíram para aquela que seria uma de suas últimas caminhadas em liberdade.

Washington, de 22 anos, Pedro, de 21 e Fabrício, de 20, são negros. Leandro, de 20, é branco. Nenhum dos quatro tem antecedentes criminais. A rotina dos jovens é entre a igreja e trabalhos esporádicos, como Washington, que trabalhou com carteira assinada de 2012 a 2015 e, até ser preso, trabalhava no Mercadinho e Padaria Simpatia todas as quartas e duas vezes por mês, nos sábados e sextas.

As famílias foram as primeiras a chegar, antes do horário marcado para a concentração às 17h. Aos poucos, conhecidos e vizinhos foram aumentando o número de manifestantes, que no momento de ápice chegou a 200 pessoas. Enquanto esperavam a concentração das pessoas, eram colocadas músicas políticas como as dos Racionais MCs, passando por Titãs, MC Cidinho e áudios do Dráuzio Varella sobre o Carandiru. Também falavam parentes sobre o caso, pediam para que as pessoas do bairro caso quisessem saber mais chegassem e perguntassem. Estavam dispostos a conversar e mostrar que os jovens eram inocentes.

Ato pela liberdade dos quatro, realizado na última sexta-feira (18) Foto: Lucas Martins / Jornalistas Livres

O Jardim São Jorge é um típico bairro da periferia paulistana. Poucas opções de lazer, pouco arborizado, distante do centro e com poucas opções de transporte. Fica escondido atrás da Rodovia Raposo Tavares. A violência policial é constante, mas os moradores, por mais que estejam habituados com os abusos, não deixam de pautar a diferença de tratamento que recebem no bairro com a atuação policial em bairros do centro. As possibilidades de diversão são poucas para quem quiser ficar no bairro. Ficar em casa, em reunião com os amigos, como faziam os quatro, é uma das opções mais comuns.

Ao som de “Racistas Otários” as pessoas que passavam pela rua olham com interesse. Algumas paravam e conversavam, perguntavam. Outras, passavam reto. O som mudava para “Marvim” e os convites para que se somassem ao ato era única interrupção do som. Também ecoou a simbólica música “Eu só quero é ser feliz”, do MC Cidinho, que parecia ter sido feita sobre encomenda para retratar o caso:

“Eu só quero é ser feliz
Andar tranquilamente na favela onde eu nasci, é
E poder me orgulhar
E ter a consciência que o pobre tem seu lugar”

Quando o ato saiu, havia uma viatura, duas Rocams (Ronda Ostensiva Com Apoio de Motocicletas) e uma Base Comunitária Móvel acompanhando as pessoas. A família conversou com o comandante da operação, para estabelecer o trajeto e garantir a passagem. Mas o clima de medo, por conta de uma eventual represália, existia.

Ato pela liberdade dos quatro, realizado na última sexta-feira (18) Foto: Lucas Martins / Jornalistas Livres

As palavras de ordem, durante todo o ato, foram pedidos de Justiça e Liberdade. Enquanto o último passeio dos quatro jovens era reproduzido pela manifestação, os jograis (quando se repete o que é dito por um interlocutor central) explicavam o caso para as pessoas que assistam das casas, calçadas e carros pelas quais a manifestação passou.

O trajeto foi recheado de emoção. Muitas das pessoas que participaram não conseguiram esconder o choro. A ideia de ver os quatro presos era estranha para todos que ali estavam. Muitos do que participavam do ato eram colegas da igreja evangélica de algum dos jovens. Falas como “eles sempre iam à igreja, não são disso” eram ouvidas entre as conversas.

Emoção de manifestante durante o ato Foto: Lucas Martins / Jornalistas Livres

Os cartazes e gritos que vinham do ato eram de repúdio, não só à prisão, mas à situação que “os bairros periféricos” enfrentam. Falas que envolviam a privatização dos presídios do Estado de São Paulo, a violência policial e prisões arbitrárias foram constantes.

O ato terminou onde começou, de frente para o mercado Paraná. De forma simbólica as famílias esperavam fazer, com o trajeto, o que desejam para Washington, Leandro Pedro e Fabrício: que voltem para onde começaram suas caminhadas.

Entenda o Caso

Em 10 de dezembro de 2018, os quatro meninos se encontraram durante a tarde na casa dos irmãos Fabrício e Pedro para “tocar violão e tomar refrigerante”, conta a mãe, Luci Batista dos Santos. De acordo com ela, esse era o passatempo favorito deles.

Por volta de 18h, os garotos se deslocaram do quintal para a frente da residência, onde fica um salão de cabeleireiros, na Rua Ângelo Aparecido dos Santos, Jardim São Jorge, zona oeste de SP, para não incomodar os pais com o barulho. Ali os garotos passaram boa parte da noite “dançando e se divertindo, só isso”, explica Luci.

Os quatro resolveram sair para comprar refrigerante na padaria da esquina, passar pela casa de Washington e depois voltar para casa dos irmãos. O pai de Pedro e Fabrício, Adailton dos Santos, chegou a pedir para que não saíssem: “Já está tarde”, disse para os meninos. Conseguiram comprar o refrigerante e passar pela morada de Washington. Mas até agora nenhum do quatro voltou a ver a casa de onde partiram.

Quando voltam da casa de Washington para a de Fabrício e Pedro, eles foram abordados por dois PMs que buscavam quatro assaltantes de um Uber, roubado havia pouco, às 23:45h (de acordo com o B.O.), perto do Shopping Raposo Tavares. De acordo com o Boletim Ocorrência, uma viatura que fazia buscas pelo carro “foi até a rua Luíza Josefina Voiron, ali próximo, onde o veículo foi localizado.” ali viu que “o motor do carro ainda estava quente. Que neste instante ainda pode ver quatro indivíduos ali próximos observando a ação policial.”.

Os quatro indivíduos que observavam a ação policial eram os quatro jovens. Em seguida os policiais efetuaram “a abordagem a tais indivíduos. Que em revista pessoal nada de interesse policial foi localizado”.

De acordo com os familiares, que já os visitaram no CDP (Centro de Detenção Provisória) ll, em Osasco, os meninos confirmaram esta parte da declaração. Mas tem outra versão para o que teria precedido o momento da abordagem.

Ao saírem da casa de Washington eles resolveram cortar caminho pela Rua Horácio dos Santos, que cerca os fundos do Cemitério Israelita. Enquanto os policiais achavam o carro na rua Luíza Josefina Voiron, os meninos paravam na saída dos fundos do cemitério para se aliviar, ainda na rua Horácio. Esse seria o momento de coincidência entre o testemunho dos policiais e dos meninos.

O local onde os quatro jovens foram abordados, na esquina da Rua Padre Ângelo Giolelli com a Rua Horácio dos Santos Foto: Lucas Martins / Jornalistas Livres

Os meninos contaram que, depois de abordados e revistados, na esquina da Rua Padre Ângelo Giolelli com a Rua Horácio dos Santos, foram levados pelos policiais para a rua seguinte, onde o carro tinha sido encontrado, a Luíza Josefina Voiron, distante pelo menos 100 metros do local onde foram revistados. Enquanto isso, o motorista do Uber era levado, por uma outra viatura, para o local onde o veículo fora achado. Chegando lá, a vítima “reconheceu prontamente tais indivíduos como sendo os roubadores”. Deste momento em diante os quatro foram algemados e levados para a delegacia e presos.

O testemunho do motorista foi a base para a prisão em flagrante dos quatro. Faz mais de um mês que os garotos aguardam julgamento. Mas, por conta do recesso do final de ano do Judiciário, o fórum paralisou os trabalhos, que só voltaram agora no último dia 7. Um habeas corpus foi indeferido pelo juiz de plantão.

Possíveis falhas levantadas pelas famílias dos garotos

Alguns pontos da investigação levaram as famílias a questionarem a prisão e afirmarem a inocência dos quatro jovens.

Os horários: Um dos testemunhos da defesa é o de um comerciante que trabalha de frente para a casa dos meninos, da lanchonete, que afirma ter visto os rapazes ali até por volta das 23:40h, enquanto o roubo estaria acontecendo, no B.O. a ocorrência está registrada como iniciada as 23:45h.

Trajeto: Após a prisão os familiares passaram pelo trajeto que os meninos contaram que teriam feito. Nesse caminho buscavam por testemunhos que contradizem os horários do crime com o dos meninos. Conseguiram encontrar uma filmagem, que capta o abandono do carro roubado e a saída dos quatro assaltantes. Nessa filmagem é possível ver quatro homens saindo do veículo e entrando em uma viela, momento em que não é mais possível vê-los. A família aponta que os quatro homens que descem a viela descem no sentido contrário ao que estavam os jovens quando abordados. Pergunta também por que eles teriam dado a volta para ficar próximos do veículo após o abandonarem? A busca por mais filmagens em casas e comércios continua, mas muitos dos locais em que há câmeras de vigilância, por onde os meninos passearam, dizem não ter mais as filmagens ou preferem não cedê-las, por medo de represálias

Roupas diferentes: As roupas dos indivíduos que podem ser vistos abandonando o carro, no vídeo, são   diferentes das roupas que os meninos usavam em uma publicação postada em redes sociais momentos antes de serem presos. É possível ver, também, que um deles sai carregando um pneu, que não foi encontrado na posse dos jovens.

Ele não sabe dirigir: Pedro, um dos acusados, foi identificado como o motorista do roubo. A família afirma que ele nunca soube dirigir.

Onde estão os itens roubados: Além do carro, foram roubados, também, três celulares e R$150,00 do Uber. No B.O. existe a informação que nada foi encontrado com os quatro durante a revista. A família pergunta por que eles não estariam em posse dos objetos roubados, se fossem os verdadeiros assaltantes?

Reconhecimento: O testemunho da vítima foi dado duas vezes. A primeira, no local do crime levado “instantes depois, a viatura em que a vítima estava compareceu ao local e a vítima reconheceu prontamente tais indivíduos”. O segundo reconhecimento foi na DP em que o B.O. foi registrado. Para o jurista Marco Aurélio de Carvalho, esse primeiro reconhecimento, no local, é “completamente atípico, se desenvolveu fora dos padrões normais esperados para uma situação como essa” e é “um quadro sugestivo de intimidação e irregularidade, que tem que ser apurada pela corregedoria da polícia.”. O reconhecimento também é entendido por muitos advogados e juristas como uma prova frágil, devido as falhas de identificação por conta de fatores como ação do tempo, o disfarce, más condições de observação, erros por semelhança, a vontade de reconhecer.

Roubo novamente: Na última sexta-feira (11/01) um roubo muito semelhante foi praticado. Um outro Uber foi assaltado na rua José Lavechia, no Jardim Arpoador, que fica aproximadamente a 1,5 km do local onde o carro do primeiro crime foi abandonado. O número de assaltantes foi o mesmo, quatro. Eles não foram achados e o motorista se disse impossibilitado de reconhecê-los.

Os meninos e apoios

Toda a articulação pela liberdade dos meninos começou por conta do professor de boxe e coordenador de um projeto social do bairro “Instituto Resgata Cidadão”, Maurício Monteiro. Ele também faz parte Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio da Juventude, grupo montado para denunciar casos de violência contra jovens pobres e negros. Eles se articulam em vários bairros da Grande São Paulo para acompanhar casos como esse, o acompanhamento à investigação da chacina de Osasco é um dos muitos em que atuam.

O professor de boxe e coordenador social, Maurício, no local onde funciona o projeto
Foto: Lucas Martins / Jornalistas Livres

Maurício, quando soube, acionou a rede, que vem dando apoio para o caso e para as famílias. “Se a molecada que não está fazendo nada, a molecada que não é criminoso, não está sendo presa eles estão sendo mortos”, é assim que Mauricio descreve a situação no bairro. “É uma injustiça o que aconteceu. Muito, muito injusto… molecada do bem. Se a gente não fizer nada por essa molecada aí, eu… perco até minhas esperanças.”, conclui ele. Ele os conheceu por meio do projeto que organiza e das aulas de boxe. Os quatro participavam do projeto há mais de um ano e ajudaram na reforma da casa onde ele ocorre.

O cabelereiro Esmeraldo, que tem como cliente a família de Washington há anos, descreve o que conhece do menino “eu sempre vejo ele trabalhando, sempre vejo ele com a família, nunca vi ele com pessoas suspeitas” ele também lembra que “um rapaz que trabalha comigo foi preso o ano passado. Ele ficou preso sete meses preso, suspeito de participar de um roubou. Ele estava trabalhando comigo no momento.”, para Esmeraldo é muito semelhante a situação de seu colega e a dos meninos.

Luci, a mãe dos dois irmãos, enquanto nos mostra o quarto onde eles dormiam, conta que os dois, além do trabalho frequentavam a igreja. Ela passa procurar alguns desenhos que o filho fazia. Em uma caixa com alguns objetos pega uma grossa pasta ficheiro e nos leva de volta para a sala onde estão os outros familiares que nos acompanhara pelo trajeto simulado que fizemos refazendo os passos dos meninos. Ela nos mostra os desenhos em estilho manga que o filho fazia e Adailton, marido de Luci, busca a carta que Fabrício escreveu de dentro da prisão para a família. Os desenhos impressionam pela qualidade e quantidade, o ficheiro está cheio. Na sala também está Suelma, tia de Washington.

Luci mostra os desenhos do filho
Foto: Lucas Martins / Jornalistas Livres

Na carta Fabrício escreve “É com muitas saudades que escrevo esta carta… só agora percebo que não dei o devido valor à vocês, mas quando sair deste lugar vou recompensar cada um de vocês. Pai sei que não fui melhor filho do mundo, mas eu e Pedro te amamos muito e estamos com muitas saudades… Mãe, já conversamos na visita, mas a saudade ainda me machuca muito. Pais, sempre fomos muito grudados e essa distância me mata pois, sua visita é o dia que mais espero chegar, mas sei que logo estaremos juntos e Deus vai nos dar a nossa Vitória…”.

COMENTÁRIOS

8 respostas

  1. Vocês livres:
    são um bando medíocres.
    Jornaleco meia boca.

  2. Pelo amor de Deus , não está difícil de resolver está injustiça e so ter mais profissionais bons e competentes .

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