Imagem do fotógrafo e dentista Eduardo Biral, de índia Kaiapó, no ano de 1982.

O que vejo ao longe é um corpo, mas de repente, se achegando mais próximo, não, não é um corpo, mas mãe e neném entrelaçados. Mãe e filho, alimento e segurança. Desvelar a maternidade indígena é algo que alvoroça nossos hábitos. Ser mãe não é ser apenas genitora. A mãe é casa, é cama, é o remédio que afasta fraquezas, medos e fomes nos primeiros dias e meses de vida entre os pequenos indígenas. Ser mãe é também ser as tias, primas e irmãs. Ser mãe é ser as parteiras do clã. Não há imobilizações, afastamentos ou isolamentos com os nascidos na aldeia. Ser mãe é algo mais amplo entre as indígenas.

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Ayré Ikpeng, anciã parteira na aldeia Moygu, médio Xingu, MT.

Tudo é acolhimento de todas as crianças, entre todos na aldeia. Os pequenos um dia terão que virar jovens, depois adultos terão que ser independentes, e isso só é possível com o corpo da família muito próximo, como instrumento de formação e transferência de cultura. Enfim, o encantamento e embalo da vida se dá entre muita intimidade e liberdade, evidenciando a relação entre corpo e consciência na tradição.

A divisão sexual do trabalho é um padrão social entre os povos indígenas, distinto do  que incomoda e contempla nossas carências urbanas, onde os pais saem ao trabalho e as crianças ficam na escola. A criança indígena se alimenta sempre que tem fome, não em um tempo cheio de regulamentos para se saciar. Brinca sempre que se aguça a vontade do lúdico, independe de autorização ou padrões de segurança. A criança indígena aprende a todo momento com outras crianças, que cuidam umas das outras.

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Crianças Kawaiwete correm livremente na chuva descobrindo possibilidades.

Ser mãe indígena é entrar num processo de amadurecimento na comunidade. Regras, resguardos e cuidados passam a ser exercitados após o longo convívio de ensinamentos com os parentes e os mais velhos. A família logo se expande e passa a compor a coletividade e a fortalecer o clã. Como descreve a enfermeira Amanda Ferreira Monteiro:

“A importância específica do ciclo gravídico-puerperal na mulher indígena pode ser traduzida pelo fato de que em contexto de aldeamento têm-se altas taxas de fecundidade ao longo do período reprodutivo, com intervalos intergenésicos bem curtos delimitados pelo período de amamentação e regras anticoncepcionais específicas que variam de etnia para etnia.”

Na cidade temos saudades da natureza. Quando adultos sentimos saudades de ser criança. Entre os índios tudo isso é desencanto, pois nada carece de vazios, já vivido plenamente a seu tempo. Aqui cabe citar um parágrafo de uma carta de uma mãe indígena Navajo, dos Estados Unidos, a uma professora americana, em 1976:

“Meu filho não está acostumado a ter que pedir permissão para fazer as coisas comuns que são parte da sua vida diária. Quase nunca se lhe proíbe que faça algo; comumente as conseqüências de determinada ação lhe são explicadas, e a ele se lhe permite decidir o que fará. Sua existência inteira, desde que tem idade para ver e ouvir, tem sido uma situação de aprendizagem pela experiência aparelhada para proporcionar-lhe a oportunidade de desenvolver os seus dotes e sua confiança em suas capacidades.”

Mãe Huni Kuin se adorna e celebra a maternidade.
Mãe Huni Kuin se adorna e celebra a maternidade.

Nos dias de hoje tudo vai se afrouxando nos caminhos de mata e campos que levam às milhares de aldeias. Toda tecnologia vai enfraquecendo hábitos e costumes, amenizando normas, desviando tradições, e esse é o grande desafio para as etnias e o conflito entre os futuros possíveis. Um longo caminho se traça às etnias e suas particularidades culturais.

 

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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