por Renato Athias

 

 

 

Nestes tempos de pandemia eu acordo como sempre, sem saber em que dia, e nem como será o dia. Logo depois, que eu penso que meu corpo está de novo junto com o meu espírito, e começo a realizar que eu estou de fato, nesse mundo novamente. Os meus mestres disseram-me um dia, que quando dormimos o nosso espírito se separa de nosso corpo, e que voltam quando nos sentimos que estamos nesse mundo.

 

Quando tomei consciência do mundo hoje, foi com uma notícia realmente muito, mais muito triste: a partida de meu amigo Higino, de longas datas. Nos conhecemos no Natal de 1974 em Pari-Cachoeira. Naquela época, Pari Cachoeira, era a Capital do país dos Yepá-Masã, Tukano, Tuyuka, Desana, Miriti, Barasana, Hupd’äh, Yohup e outros que tem o grande Rio Tiquié como referência importante.

 

Mas, a última vez que troquei palavras com Higino foi fevereiro deste ano de pandemia. Eu acabara de visitar o museu dos salesianos na região Turim na Itália, onde vi uma imensa coleção de objetos retirados da região ainda no tempo das malocas. Higino estava em Manaus. Trocamos palavras e umas fotografias onde eu mostrava para ele a riqueza de detalhes dos objetos eu havia visto e que estão naquele museu. Ele me dizia, “olha… eu acho que é Tuyuka”. Ele, na ocasião me falou que estava convalescente de uma cirurgia que tinha feito no olho e que estava bem, e esperava um transporte para Gabriel.

No final do ano de 2016, Higino veio ao Recife. Nessa ocasião falamos muito, trocamos muitas palavras, pois ele foi professor na UFPE em turmas do curso Bacharelado em Ciências Sociais e Museologia. Os alunos presentes nas suas aulas ficavam até o fim. Muitas perguntas e muitas conversas de corredor. No final de semana visitamos dois museus, o Museu do Estado de Pernambuco e Instituto Ricardo Brennand. Nossos diálogos foram sobre objetos, coisas e pensamentos Tuyuka sobre o que estávamos vendo. É muito enriquecedor quando visitamos um museu com amigos ameríndios. Já tive essa oportunidade várias vezes. Lembro desses dias com Higino com muito prazer.

 

Hoje, como disse essa notícia me deixou muito triste. Como sempre eu falo e aprendi com os meus mestres. Higino está presente, mas de forma diferente. Pois o espírito dele saiu do corpo, foi para outro lugar. Ou seja, ele passou para o outro lado da vida, onde a dimensão do invisível é parte essencial. Mas, lá onde está, ele sempre estará nos vendo e fazendo aquelas piadas que ele gostava de fazer. Higino vive nas profundezas de nossos corações. Meus sentimentos de pesar a toda sua família e, evidentemente a todos que fazem parte da FOIRN, e um número sem fim de professores indígenas que foram seus alunos e a educação escolar indígenas no alto Rio Negro que ele ajudou a criar nessas últimas décadas. Higino Vive!

Renato Athias,  professor no Departamento de Antropologia e Museologia e do Programa de Pós-graduação em Antropologia (PPGA), Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Etnicidade (NEPE) de Universidade Federal de Pernambuco.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

COMENTÁRIOS

2 respostas

  1. Eu amo o povo indigena…sua cultura seu mundo …Deus os abencoe onde estiverm

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