Guilherme Boulos: “É momento de ousar, propor novas alternativas, colocando o dedo na ferida e enfrentando os privilégios”

Victória Cócolo|Jornalistas Livres, junho de 2018.
Lisete Arelala e Guilherme Boulos, pré-candidatos a presidência e ao governo do estado de São Paulo, pelo Psol, em coletiva para mídia alternativa, no Sindicato dos Químicos, em Campinas (SP).

Pré-candidato à Presidência da República pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL),  Guilherme Boulos, aproveitou a última semana para fortalecer sua candidatura em uma das principais cidades do interior de São Paulo, Campinas (SP).  O psolista, que esteve na cidade durante quinta e sexta- feira, 14 e 15 de junho de 2018, participou de um debate no teatro de arena da praça do Ciclo Básico da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e conversou com a imprensa local.

Entre os compromissos com os grandes veículos de comunicação, Boulos , junto da candidata ao governo do Estado de São Paulo, a professora Lisete Arelalo,  reservou parte da agenda para atender a mídia independente e conversou  com os Jornalistas Livres sobre suas motivações para se candidatar a presidência, além do seu plano de governo.  Confira a entrevista abaixo.

JL:  Antes de começar, agradecemos por ter concordado em conversar conosco hoje. Boulos, por que você resolveu se candidatar e como a sua candidatura vai contribuir para o cenário político atual?

GB: Primeiro eu que agradeço, admiro muito o trabalho dos Jornalistas Livres, acho que temos que democratizar a mídia brasileira e fazer isso também com as próprias mãos. Não apenas lutar pela democratização, mas fazê-lo, assim como fazem os Jornalistas Livres, como faz a Mídia Ninja, como fazem vários órgãos de democratização no Brasil.

A nossa pré-candidatura tem o objetivo de apresentar um novo projeto para esse país. Nós vivemos numa crise econômica, política e ética, uma crise de futuro e de esperança no Brasil. Essa crise passa pelo abismo que se formou entre Brasília e o poder, e o Brasil real, a sociedade.

Nós precisamos enfrentar esse abismo com um novo jeito de fazer política, que passe por uma construção de aproximar o poder das pessoas, uma construção que não tenha medo de tocar em questões fundamentais, na desigualdade, nos tabus, em questões que são caras, para aqueles que querem liberdade para transformar a sociedade brasileira. Estamos levando a diante um projeto de renovação, que vai muito além das eleições. É um projeto para construir uma perspectiva de futuro da esquerda brasileira.

JL: Você diria que têm prioridades dentro do plano de governo que está traçado? Se sim, quais?

GB: A nossa maior prioridade é enfrentar a desigualdade. O grande problema nacional se chama desigualdade. Desigualdade de riqueza, de renda, de patrimônio, desigualdade racial, de gênero, desigualdade regionais, esses temas são essenciais hoje no nosso país, sempre foram, na verdade. Enfrentar a desigualdade significa ter a coragem de enfrentar privilégios.

Nos treze anos do governo PT foi possíveis ter avanços sociais para os de baixo, com políticas públicas, programas sociais, aumento salarial. Isso sem enfrentar frontalmente os privilégios dos de cima. Aliás, os de cima continuaram ganhando até mais. Foi possível um ‘ganha ganha’, um arranjo social.  Quando a crise apertou, o cobertor ficou curto. Não tem espaço para aumentar o direito das maiorias sociais e ter políticas sociais no Brasil, sem enfrentar os privilégios do 1%, não dá mais. Nós não vamos governar para o mercado, nós vamos governar para os 99% do povo brasileiro.

JL: A quantidade de candidatos lançados unifica ou divide a esquerda?

GB: Temos que olhar a esquerda na diversidade que ela representa. Nós não podemos jogar nenhuma diferença pra baixo do tapete. Aqueles que querem transformar a sociedade brasileira não podem compartilhar de um pensamento único. É uma coisa atrasada, que mata o espírito crítico. Não é saudável para a esquerda compartilhar de pensamento único. Ao mesmo tempo, a esquerda tem que ter maturidade para estar unida naquilo que é fundamental: nos princípios, na defesa da democracia, na defesa dos direitos sociais, exigindo justiça por Marielle [Franco], exigindo liberdade para o Lula, combatendo todos os retrocessos representados pelo governo Temer.

A esquerda também tem que aprender com as lições desse último processo. Não dá para aceitar, depois de tudo o que aconteceu, os setores do campo progressista recomporem alianças com partidos que deram o golpe e que estão na base parlamentar do Michel Temer. Isso é inadmissível, não dá pra aceitar, num momento como esse, tão grave da nossa história, ainda fazer composições com setores que só mostraram que querem espoliar a maioria do nosso povo. É momento de ousar, colocando novas alternativas, colocando o dedo na ferida. Enfrentando privilégios.

JL: Na última eleição elegemos o congresso mais conservador em muitos anos, como revertemos esse cenário? Como eleger um congresso mais progressista?

GB: O sistema político brasileiro, sobre tudo na eleição do congresso, está muito ligado às oligarquias locais.  No momento em que o Lula tinha 80% de popularidade, a bancada do PT era 15% do congresso. É uma expressão de como a eleição no congresso, no geral, não expressa a eleição presidencial e está ligada a fatores mais oligárquicos, clientelistas.

Nós temos que enfrentar isso, isso significa ousar, apresentar uma bancada, uma chapa, que tenha representatividade, que tenha compromisso com os de baixo. É importante apresentar alternativas para renovar o parlamento brasileiro e estaduais, não só com renovação de nome, mas com renovação de práticas, princípios, bandeiras. Isso é fundamental que se construa.

Ao mesmo tempo, nós precisamos entender que esse jeito de fazer política está esgotado. O presidencialismo de coalizão chegou ao limite. Troca de votos no congresso por cargos no governo, financiamento de partidos por grandes empresários e banqueiros, essas pessoas depois cobram a conta em vantagens no governo e no parlamento. Esse é o sistema político brasileiro. Nós temos que oxigenar a política no Brasil com uma nova forma de fazer.  Isto significa nós trazermos os maiores interessados para o centro da discussão, o povo.  Com plebiscitos, referendos, ampliando uma democracia participativa. Isso para nós é essencial.

JL: Você acredita que vivemos a democracia de forma plena?

GB: O Brasil nunca viveu uma democracia plena. A democracia nunca chegou às periferias. Não existe democracia política quando não há democracia econômica e social, isso nunca teve. O que nós tínhamos de democracia foi resultado de muita luta de movimentos sociais.

Com toda a fragilidade, a democracia que foi conquistada foi alcançada com luta social, com mobilização e ela está se perdendo cada vez mais. Nós vemos retrocessos democráticos profundos e temos que estar todos juntos para barrar esse processo.

JL: Quais são seus planos econômicos para o país?

GB: Nós temos que retomar investimento do público, nenhum país do mundo sai da crise sem investimento público. Vamos retomar o investimento público para gerar emprego, renda e distribuir essa renda sobretudo.

Vamos fazer isso através de uma reforma tributária progressiva, cobrando de quem mais tem. Com taxação de grandes fortunas, com tributação de lucros e dividendos, com o aumento da alíquotas de imposto sobre herança. Com a criação de nova da faixa do imposto de renda, já que hoje é um absurdo. Um professor universitário pagar a mesma alíquota que o Neymar, não dá. Então nós vamos enfrentar essa farra da regressão fiscal no Brasil, dos juros da dívida pública, do sistema financeiro como um sistema espoliador – os bancos podem fazer o que querem, é uma república dos bancos isso aqui- e vamos garantir investimento público, para o bem da maioria do povo brasileiro.

JL: Em um artigo que você escreveu para a Carta Capital recentemente sobre saídas não autoritárias, você fala sobre ‘a verdade ser revolucionária’, em quais casos a verdade pode ser revolucionária? 

GB: Eu acho que a verdade é sempre revolucionária, ainda mais em tempos de tantas mentiras, em tempo de tanta intolerância e de ausência de debate público verdadeiro.

Agora no contexto desse artigo, estava falando de algo muito específico, que é o passado da ditadura militar brasileira.  Quando a gente ouve vozes falando de intervenção militar, quando a gente vê um cidadão detestável, como vemos o Jair Bolsonaro propagando o ódio, a violência, fazendo apologia a tortura, nós temos que lembrar que do que aconteceu em 21 anos de ditadura no Brasil, e que segue voltando. Esse passado tenebroso segue assombrando o presente e comprometendo o futuro porque não foi resolvido. Porque não houve memória, verdade e justiça, e é por isso que nós defendemos como uma questão para o futuro do Brasil, a revogação da Lei da Anistia e a punição dos crimes da ditadura militar.

Assista a entrevista na íntegra. 

 

Quem é Guilherme Boulos?

O paulista Guilherme Boulos é pré-candidato à Presidência da República, pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), junto com a líder indígena Sônia Guajajara. Com apenas 35 anos, Boulos é o candidato mais novo da história brasileira.

Coordenador do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) e do coletivo Povo Sem Medo, Boulos é filho de dois médicos e professores da Universidade de São Paulo (USP).  É formado em filosofia pela USP, psicanalista, professor e escritor. Diferente da maior parte dos brasileiros, tomou a decisão de deixar a casa dos pais e mudou-se para a Ocupação Carlos Lamarca, do MTST, em Osasco, grande São Paulo, dois anos após se formar na faculdade. Atualmente, vive no Bairro Campo Limpo, junto da esposa e das duas filhas, em São Paulo (SP).

 

 

 

 

 

COMENTÁRIOS

Uma resposta

  1. Mais um encantador de incautos …seu plano econômico é gastar mais…o dinheiro de nossos impostos que sustenta um bando de parasitas … aumentar alíquotas de impostos num país em que, para o que arrecada…devolve nada em serviços para a população…e usando o exemplo do Neymar…0,0001 % da população?!?!!?…sujeito acha que ainda está no diretório acadêmico da FFCHL???… ridículo

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