Grupo de palmeirenses critica presença de Bolsonaro em festa do decacampeonato

Carta aberta contra a presença de Jair Bolsonaro na festa do decacampeonato do Palmeiras

São Paulo, 5 de dezembro de 2018

O grupo USParmera, coletivo de torcedores da Sociedade Esportiva Palmeiras formado por alunos, ex-alunos, funcionários e professores da Universidade de São Paulo, vem a público manifestar o nosso repúdio à presença de Jair Bolsonaro durante a cerimônia de entrega da taça do Campeonato Brasileiro 2018 aos atletas do Palmeiras no estádio Allianz Parque.

Por meio desta, solicitamos ainda a imediata investigação da conduta do presidente da Sociedade Esportiva Palmeiras, Maurício Precivalle Galiotte, dentro das instâncias internas do clube por utilizar a imagem da instituição como veículo para manifestar suas posições político-partidárias pessoais e por convidar para erguer a taça desta conquista histórica uma figura que jamais demonstrou ser palmeirense de fato.

As imagens da tarde de 2 de dezembro de 2018 entrarão para a história da Sociedade Esportiva Palmeiras como um momento de infâmia. Ocasião em que o clube, por meio da diretoria comandada pelo presidente Maurício Galiotte, se curvou diante de um dos mais nocivos políticos da história republicana brasileira. O dia em que a Sociedade Esportiva Palmeiras desrespeitou sua história e ofendeu milhões de seus torcedores.

Jair Bolsonaro comemora decacampeonato do Palmeiras (Reprodução Facebook)

A Sociedade Esportiva Palmeiras é uma instituição centenária composta por mais de 16 milhões de torcedores de diferentes raças, credos, etnias e ideologias. Uma instituição historicamente apartidária e que defende os valores democráticos e humanos desde a sua fundação em 1914.

Aqui não está em questão o cargo que Jair Bolsonaro ocupará a partir de 2019, mas sim o que ele representa. Ao longo de toda a sua trajetória política, Bolsonaro destila um discurso de ódio e reiteradamente ofende mulheres, negros, a comunidade LGBT e partidários da esquerda – muitos destes palmeirenses -, pregando até mesmo a prisão e o exílio de seus opositores.

Ao convidar Bolsonaro para o camarote do clube e para a festa do histórico decacampeonato em campo, Maurício Galiotte não apenas concedeu a maior honraria de um clube de futebol – erguer a taça de um campeonato e dar a volta olímpica – a um dos políticos mais autoritários e retrógrados do país, como também ofendeu uma enorme parte de sua torcida, associando indelevelmente a imagem desta conquista e do clube aos valores preconceituosos e antidemocráticos que Jair Bolsonaro prega. Um ideário incompatível com a origem e a história da Sociedade Esportiva Palmeiras.

Para tanto, vamos relembrar algumas frases do – segundo o presidente Maurício Galiotte – “grande palmeirense” Jair Bolsonaro:

– “O erro da ditadura foi torturar e não matar” (entrevista à rádio Jovem Pan, junho de 2016).

– “Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre” (comício em Rio Branco, setembro de 2018).

– “Eu fui num quilombo em Eldorado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para procriador ele serve mais” (palestra no Clube Hebraica, abril de 2017).

– “Seria incapaz de amar um filho homossexual. Não vou dar uma de hipócrita aqui: prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí.” (entrevista à revista Playboy, 2011)

– “Eu não empregaria (uma mulher) com o mesmo salário (entrevista à TV, 2011)

– “Jamais iria estuprar você, porque você não merece” (à deputada Maria do Rosário que também foi chamada de “vagabunda”, 2003)

– “A escória do mundo está chegando ao Brasil” (sobre a vinda de imigrantes e refugiados haitianos, senegaleses e bolivianos ao país, entrevista ao Jornal Opção, setembro de 2015)

– “As minorias têm que se curvar para as maiorias” (encontro na Paraíba, fevereiro de 2017).

Pois bem, senhor Maurício Galiotte. A Sociedade Esportiva Palmeiras já foi uma minoria. Seus torcedores já foram considerados a “escória do mundo”. Ao ser fundado em 1914, o então Palestra Itália era um clube de futebol formado por operários e imigrantes italianos, minorias que tiveram de enfrentar os preconceitos da época para criar uma agremiação esportiva que os acolhesse. Um clube que, posteriormente, foi obrigado a mudar de nome por um governo de caráter fascista e cujos torcedores foram acusados pela imprensa paulista e por torcedores rivais de serem traidores da pátria.

Mas nós não nos curvamos às maiorias. Pelo contrário. Com lutas e sacrifícios, nos transformamos numa instituição centenária que se estende por todo o país e que abraça todos os brasileiros independentemente de suas origens, crenças ou ideologias.

Desta forma, ao ver Jair Bolsonaro erguendo a taça histórica do decacampeonato, milhões de torcedores do Palmeiras, que não elegeram esse político e já foram sistematicamente ofendidos e agredidos por suas palavras, se sentiram não apenas decepcionados, mas traídos pelo time de coração. Nem mesmo os atletas passaram incólumes a essa vergonha. Fernando Prass, um dos maiores ídolos recentes da história do Palmeiras, estava visivelmente desconfortável com a presença do capitão reformado na cerimônia de entrega da taça.

Nos últimos dias, temos presenciado milhares de depoimentos nas redes sociais de torcedores revoltados com a atitude da atual diretoria da SEP. Muitos cancelaram o Avanti e não se sentem mais bem-vindos ao estádio Allianz Parque. Outros não se veem mais representados pelos valores do clube ou tem receio de sair às ruas com a camisa do Palmeiras e serem associados às ideias racistas e homofóbicas de Jair Bolsonaro. Alguns falam até em deixar de torcer para o time que aprenderam a amar desde crianças.

Porque um clube de futebol é mais do que títulos, taças, ídolos, glórias e sua história. É também um conjunto de princípios. Um ideário com o qual o torcedor aprendeu a se identificar. E no Palmeiras estes valores sempre foram humanos e democráticos. E se não somos mais um clube que acolhe todos os seus torcedores sem divisões ou distinções, então não somos nada. Não somos uma sociedade esportiva. Seremos apenas um clube de futebol movido pelo discurso de ódio e governado por interesses subterrâneos.

A atitude inconsequente do presidente Maurício Galiotte teve ainda a capacidade de criar a divisão e a cizânia entre os torcedores do próprio clube. Porque se é verdade que muitos no estádio aplaudiram Jair Bolsonaro, outros milhares o vaiaram. E estes foram ameaçados de agressões pela outra parte da torcida, tornando a nossa casa um ambiente inseguro para aqueles que repudiam a figura de Jair Bolsonaro.

Este é o grande legado da ação irresponsável de Maurício Galiotte. Dividir a sua torcida e fazer o palmeirense sentir vergonha e repensar o amor que sente pelo seu clube de coração.

Ademais, o que credenciou o capitão reformado a levantar a taça do decacampeonato? O fato de ser um “grande palmeirense”, como apregoa o mandatário Maurício Galiotte?

Não conhecemos grandes palmeirenses que vestem as camisas de Vasco, Flamengo, Botafogo, Sport ou qualquer outro time de acordo com sua conveniência política. Não reconhecemos torcedor do Palmeiras que entoa cântico de apoio ao seu maior rival. Palmeirense que se preze, presidente Galiotte, não grita “vai, Corinthians”.

Aliás, onde estava Bolsonaro quando o clube disputava a série B ou lutava contra o rebaixamento? Ou mesmo nos jogos do time no Rio de Janeiro, cidade onde o ex-capitão reside? Não, Bolsonaro não é um “grande palmeirense”, mas apenas um político oportunista que só aparece quando o clube vence e tenta roubar para si suas glórias.

Grupo USParmera

Por fim, conclamamos os conselheiros da Sociedade Esportiva Palmeiras que se levantem contra este vergonhoso episódio e abram uma imediata investigação para apurar a conduta do presidente Maurício Precivalle Galiotte dentro das instâncias do clube.
Dizer que a presença em campo do capitão reformado foi obra da CBF é jogar uma cortina de fumaça sobre o fato de que foi o próprio presidente Maurício Galiotte quem convidou o político para o seu camarote e, posteriormente, o chamou para erguer consigo a taça do Campeonato Brasileiro de 2018 e para dar a volta olímpica ao lado dos atletas.

De nossa parte, não vemos mais condições para Maurício Precivalle Galiotte ocupar a presidência da Sociedade Esportiva Palmeiras. Trata-se de outro político oportunista que não compreende a liturgia do cargo que ocupa e coloca suas preferências pessoais e partidárias acima dos torcedores e dos interesses da instituição que comanda. Um dirigente que não zela pela história do clube e manchou para sempre as imagens da comemoração do nosso décimo título do Campeonato Brasileiro. O presidente do Palmeiras deve governar para todos os seus torcedores e não apenas para alguns.

E a todos os palmeirenses que se sentiram envergonhados e ultrajados pelo episódio de 2 de dezembro de 2018. Não nos deixemos curvar diante desta mácula em nossa história. O Palmeiras jamais será plataforma para políticos oportunistas, muito menos para aqueles que desrespeitam a nossa história e agridem a nossa torcida. Não permitiremos que o nosso clube seja sequestrado pelos valores nocivos defendidos por Jair Bolsonaro e pela atual diretoria do clube. O Palmeiras é maior do que todos eles. O Palmeiras é de todos nós.

Grupo USParmera

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