Governo de MG esteriliza e amordaça Consulta Prévia, Livre e Informada dos Povos Tradicionais

Por Gilvander Moreira1

Dia 20 de abril último, participamos de Audiência Pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), ocasião em que todas as Entidades e Organizações de Direitos Humanos e Povos e Comunidades Tradicionais repudiaram com veemência e exigiram a revogação e a anulação da Resolução da SEMAD1/SEDESE2, do Governo de Minas Gerais, publicada dia 5 de abril, no Diário Oficial do Estado, porque é inconstitucional, esteriliza, amordaça e mata a Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI) dos Povos e Comunidades Tradicionais no estado de Minas Gerais.

Viola brutalmente todos os direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais. A injusta Resolução fere princípios básicos de participação e da própria Convenção 169 da OIT3 da ONU4, que faz parte do ordenamento jurídico do país, desde 2004. A Convenção 169 da OIT “tem por objetivo ser um instrumento de proteção e salvaguarda dos direitos de Povos e Comunidades Tradicionais, garantindo-lhes, entre outros, o direito à autoatribuição/autodeclaração, o direito à consulta e de participação da tomada de decisões que possam trazer impactos ao seu modo de vida”. A famigerada Resolução faz uma inversão: os Povos e Comunidades Tradicionais são tratados como SOBREPOSTOS às áreas dos projetos. Defende a ideia de que injustiça é os Povos e Comunidades Tradicionais estarem em áreas de interesse da gula sem fim do grande capital. A ilegal Resolução restringe muito o número de comunidades diretamente afetadas, que serão consultadas sob mordaça. Diz que só serão consultadas Comunidades certificadas após Certidão de Autorreconhecimento como Comunidade Tradicional emitida pela CEPCT-MG5, FUNAI6 e Fundação Palmares. Sabemos que pouquíssimas Comunidades são certificadas e já há um bom tempo a CEPCT-MG não emite mais certidão.

O CEDEFES7 já inventariou mais de 1.000 Comunidades Quilombolas em Minas Gerais e há milhares de outras Comunidades Tradicionais em processo de autorreconhecimento e/ou em fase de solicitação de certificado. No mais, a autoatribuição em si, já seria suficiente, segundo a Convenção 169 da OIT, garantindo a autonomia emancipatória dos Povos e Comunidades Tradicionais. Por isto, restringir a CPLI às comunidades já certificadas é grave infração por parte da Resolução da SEMAD e SEDESE, que joga para a invisibilidade as comunidades que não se apresentaram oficialmente para as instituições públicas e/ou optaram por não se apresentar ainda, mas que tem seus iguais direitos garantidos e constituídos.

Conforme bem apontado pelas representantes da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPE/MG), Dra. Ana Cláudia Alexandre, e do CEDEFES, Dra. Alenice Baeta, durante a Audiência Pública conduzida pelas Deputadas Estaduais Andreia de Jesus e Beatriz Cerqueira, esta Resolução é nitidamente um ato de retrocesso, o que não é admitido pelas cortes internacionais e por todo o corolário de normas internacionais no âmbito dos Direitos Humanos. A “Proibição do Não-Retrocesso” é instituto fulcral e deve ser severamente respeitado, pois configura-se claro interesse por parte do estado de Minas Gerais em reestabelecer o “Regime de Tutela”, já superado por meio das conquistas emancipatórias e de autonomia, sobretudo, no âmbito da alteridade sociocultural e histórica, respeitando de forma incondicional as especificidades culturais e territoriais de cada Povo e Comunidade Tradicional. Tal resolução revela, todavia, por parte do estado de Minas Gerais o seu arraigado Racismo Socioambiental e a Discriminação institucional para com os Povos e Comunidades Tradicionais e desrespeito total aos seus direitos constituídos.

Esta inconstitucional Resolução prevê que, não havendo consenso na Consulta aos Povos e Comunidades Tradicionais, a decisão final será da SEMAD, mesmo que os Povos e Comunidades consultados neguem a aprovação do empreendimento. Isto é, portanto, tentativa insana e irresponsável de retomar a tutela dos Povos Tradicionais, o que é inadmissível! Se a SEMAD com a Câmera de Atividades Minerárias (CMI) do COPAM8 tem aprovado todos os grandes projetos das grandes mineradoras, é óbvio que é injusto, inconstitucional e violação ao que está prescrito na Convenção 169, deixar a SEMAD decidir. Isto significa, na prática, atropelar e violentar os direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais, pois, injustamente, a SEMAD tem atuado de forma subserviente aos interesses das grandes empresas.

É imoral, injusto e inconstitucional, conforme definido na Resolução, atribuir ao responsável pela CLPI – entre eles as empresas com seus grandes interesses capitalistas – o poder de definir quem são os Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs) afetados, qual é a área diretamente afetada (ADA), ditar prazos, estabelecer a metodologia, o plano e conduzir todo o processo regido pela boa-fé das partes envolvidas. Inadmissível isso tudo.

Esta Resolução é injusta também porque impõe prazos que violam o caráter livre e informado da consulta, como por exemplo, o prazo de 45 dias corridos para a elaboração de Protocolos de Consultas e 120 dias para a conclusão da consulta.Isso é desrespeito ao tempo das Comunidades Tradicionais. Para ser Livre a Consulta, quem deve determinar o tempo são as Comunidades Tradicionais; não pode ser uma Consulta acelerada, no ritmo dos interesses do grande capital. Outro absurdo desta Resolução: apregoa que as empresas poderão contratar empresas consultoras para elaborar a Consulta Prévia, Livre e Informada. Isso é o mesmo que colocar raposa para arrumar o galinheiro. Esta injusta Resolução foi publicada após o Ministério Público expedir Recomendação para suspender as Audiências Públicas do Projeto do Bloco 8 da Mineradora SAM, em Grão Mogol e Fruta de Leite, no norte de MG. São ilegais e inconstitucionais os EIA-RIMA9 da mineração da SAM no norte de MG, sem antes fazer a Consulta Prévia, Livre e Informada.

Da mesma forma, o edital de licitação do Rodoanel, rodominério, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Absurdo dos absurdos o Governo de MG continuar insistindo em fazer a licitação do Rodoanel, obra faraônica, autoritária, eleitoreira, hidrocida, ecocida, dragão do Apocalipse, estrada da morte que levará Belo Horizonte e RMBH da grave crise hídrica ao colapso hídrico. Tudo isso sem fazer a Consulta Prévia, Livre e Informada a mais de dez Comunidades Quilombolas e dezenas de outras Comunidades Tradicionais que estão no trajeto do Rodoanel. É injusto e inconstitucional facultar às empresas determinarem qual é a “área diretamente afetada” e restringir a Consulta Livre, Prévia e Informada a esta eventual “área diretamente afetada”. Os efeitos socioambientais dos grandes empreendimentos ocorrem de forma sistêmica e contínua para além do perímetro deliberado e interessadamente compreendido como “área diretamente afetada”.

Esta Resolução é semelhante às resoluções bolsonaristas do desgoverno Federal que tem o objetivo de desmontar todos os instrumentos legais de proteção dos direitos humanos, sociais e ambientais, conquistados com muita luta. Esta covarde Resolução vai contra a legislação, somos contra ela; é um retrocesso às conquistas dos Povos e Comunidades Tradicionais. O Governo de MG, Romeu Zema, está facilitando a todo custo o licenciamento com esta Resolução e com Audiências Públicas ilegais que são farsas públicas. Reiteramos nosso posicionamento: somos contrários a esta resolução violentadora de direitos. Exigimos que esta Resolução seja Cancelada, anulada e jogada na lata de lixo da história.

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) e outras mais de 100 Comunidades Tradicionais, organizações da sociedade civil, Movimentos Sociais Populares publicaram Nota denunciando que o Governo de MG, ao expedir a Resolução conjunta da SEMAD/SEDESE, está violando a Convenção 169 da OIT/ONU e entidades exigem revogação/anulação imediata desta resolução. Esta Resolução é mais uma manobra do Governo Zema, a serviço dos grandes empreendimentos, das mineradoras e empresas do setor de energia, grandes empresas da idolatria do mercado, para criar uma aparência de diálogo. A verdade é que ela é violenta e retira os direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais.

Precisamos dizer o óbvio aqui: à SEDESE compete fortalecer e ampliar instrumentos de democracia direta e participativa; além de promover ações afirmativas e de enfrentamento à discriminação racial contra a população negra, povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. No entanto, injustamente, ao se posicionar como coautora desta inconstitucional Resolução, a SEDESE está traindo sua missão. Como pode a SEDESE e a SEMAD fazerem uma Resolução à revelia da Comissão de Povos e Tradicionais do Governo de MG?

Diante das mudanças climáticas causadas pela imensa devastação ambiental que os capitalistas vêm causando via agronegócio, monoculturas, desmatamentos, garimpo etc., é absurdo dos absurdos uma Resolução fajuta, ilegal, inconstitucional como esta da SEMAD/SEDESE e todas as resoluções, portarias e decretos seja do desgoverno federal bolsonarista ou do desgoverno Zema, que visam apenas “passar a boiada”, acelerando a implantação de grandes projetos do grande capital que têm sido brutalmente devastadores socioambientalmente. Esta resolução põe um manto de legalidade para pavimentar violação brutal dos direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais.

Mais que claro que o tal “Diálogo Social” usado como diretriz do atual governo ZEMA e suas Secretarias parece que não se aplica mesmo aos Povos e Comunidades Tradicionais, mas sim aos interesses do capital, dos empreendimentos econômicos que geram somente a degradação socioambiental de territórios e a pobreza do nosso povo. Perguntamos: o que teria motivado a elaboração desta Resolução esdrúxula? Queremos explicações e transparência sobre este processo absurdo e cobramos firmes posicionamentos por parte do Ministério Público e da Defensoria Pública em nível estadual e federal a respeito.

Basta de devastação socioambiental! Exigimos respeito aos direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais. Que o Ministério Público e o Judiciário anulem esta brutal Resolução. Viva os Povos e Comunidades Tradicionais e fora todos que insistem em passar o trator em cima dos Povos e Comunidades Tradicionais!

Referências.

http://www.cptmg.org.br/portal/nota-tecnica-da-aba-sobre-a-resolucao-conjunta-sedese-semad-no-01-de-04-04-2022/

http://www.cptmg.org.br/portal/governo-de-mg-viola-convencao-169-da-oit-e-entidades-exigem-revogacao-imediata-da-medida/

26/4/2022

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 – Frei Gilvander: Resolução do Governo de MG violenta direitos dos Povos Tradicionais a Consulta CPLI

2 – “É necessário Resolução do Governo de MG sobre a Consulta aos Povos Tradicionais?” (Dep. Andreia)

3 – Geraizeiros exigem anulação da Resolução do Governo de MG sobre Consulta Prévia Livre e Informada

4 – Prof. Matheus REPUDIA Resolução do Governo de MG sobre Consulta Prévia/Livre aos Povos Tradicionais

5 – Dra. Laiza: “Resolução da SEMAD e SEDESE é inconstitucional com vícios insanáveis. Deve ser anulada”

6 – Dra. Ana Cláudia: “Resolução do Governo de MG impõe RETROCESSO aos Direitos dos Povos Tradicionais.”

7 – Tatinha Alves, CEPCTs/MG: “Resolução é inconstitucional e facilita a entrada de mineradoras nos …”

8 – Dra. Alenice, do CEDEFES: “Resolução do Governo de MG: retrocesso q violenta os Povos Tradicionais.”

9 – Dra. Alessandra lista série de ilegalidades da Resolução que viola direitos dos Povos Tradicionais

1 Secretaria Estadual de Meio Ambiente e desenvolvimento Sustentável.

2 Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social.

3 Organização Internacional do Trabalho.

4 Organização das Nações Unidas.

5 Comissão estadual de Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais.

6 Fundação Nacional do Índio.

7 Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva – www.cedefes.org.br

8 Conselho Estadual de Política Ambiental.

9 Estudos de Impacto Ambiental e Relatório de Impactos ao Meio Ambiente.

1 Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: [email protected]  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

COMENTÁRIOS

POSTS RELACIONADOS