Governador eleito do Rio de Janeiro quer usar negros e pobres como alvos de atiradores

 

Henrique Oliveira*

 

O ex juiz federal Wilson Witzel (PSC) foi eleito governador do Rio de Janeiro com 60% dos votos válidos no segundo turno, derrotando o candidato Eduardo Paes do (DEM). Wilson Witzel é servidor público com passagens pela Marinha e o Instituto da Previdência do Município do Rio (Previ – Rio). É professor e ex presidente da Associação dos Juízes Federais do Rio e Espírito Santo, com uma carreira de 17 anos no judiciário. Na sua campanha para governador, se apresentou como um político não profissional e com experiência no combate a corrupção, completamente desconhecido, ganhou popularidade na reta final das eleições após declarar apoio a Jair Bolsonaro (PSL). O centro do seu discurso se baseou nos pilares do combate à corrupção e à criminalidade, cujo slogan era “mudando o Rio com juízo”. Além de surfar na “Onda Bolsonarista”, que varreu o Brasil e o estado do Rio de Janeiro, onde Bolsonaro só perdeu para Haddad em três cidades. Witzel enfrentou Eduardo Paes, que tem um histórico de aliança com o grupo político do PMDB que está preso, entre eles o ex governador Sérgio Cabral.

Embora tenha feito campanha se dizendo um candidato anti corrupção, Wilson Witzel foi filmado durante uma palestra a juízes do Trabalho, ensinando o que ele chamou de “engenharia”, para o recebimento de gratificação de acúmulo. A gratificação de acúmulo é estipulada num valor de R$ 4 mil, a Lei 13.093, de janeiro de 2015, institui os benefícios para juízes federais de primeiro e segundo graus, sendo pago aos magistrados por acumulação de juízo e acumulação de acervo processual. No vídeo, Wilson Witzel diz que recebe o acúmulo de gratificação dizendo que “expulsa o juiz substituto da Vara”, que todo mês, por 15 dias, o juiz substituto sai da Vara e ele recebe a gratificação. Mas há uma ressalva na lei, de que a gratificação não pode fazer com que o salário ultrapasse o teto de R$ 37 mil. Porém, um levantamento do jornal O Globo na folha de pagamento da Justiça Federal, entre os anos de 2015 a 2017, demonstrou que o salário de Wilson Witzel ficou acima do teto, numa média de R$ 40.954.

O discurso contra a criminalidade de Wilson Witzel também não se mostrou muito firme, porque a revista Veja publicou uma troca de mensagem envolvendo Wilson Witzel e o advogado Luis Carlos Cavalcanti Azenha, condenado por tentar subornar policiais Militares em 2011, na tentativa de fuga da Rocinha, do traficante Antônio Lopes Bonfim, o Nem. Segundo a revista Veja, o advogado contou que manteve durante anos uma forte relação com Witzel, que em nome da amizade, Azenha se tornou uma espécie de coordenador de campanha, pedindo doações, organizando almoços e jantares com apoiadores. Nas mensagens trocadas, o advogado lamenta que Witezel tenha saído de um evento sem antes ter ouvido um elogio. Em resposta, o ex juiz disse que o “advogado o representa”. Outra mensagem é um convite de Wilson Witzel, que estava com um amigo em casa dizendo ao advogado: “Quando quiser venha”.

Em sua campanha Wilson Witzel entrou em atrito com o seu filho trans Eric Witzel, que disse que se sentiu usado pelo Pai, pois tinha pedido para que a sua condição de trans não fosse citada por Witzel em palanque, porque não iria aceitar que o Pai se promovesse em cima de algo que não é verdadeiro. Erick Witzel disse também que nunca conversou com o Pai sobre a sua condição de trans, mas que o pai tinha aceitado a sua maneira. Perguntado se iria votar em Wilson Witzel, o filho disse que o Pai “representava o PSC e toda a sua bancada conservadora e que eles tinham visões políticas totalmente diferentes”.

Uma das principais bandeiras de governo de Wilson Witzel é a segurança pública, em meio a campanha num encontro reservado e fora da sua agenda oficial, Witzel se reuniu com integrantes das forças de segurança, na sede da Associação de Oficiais Militares Estaduais do Rio de Janeiro (AME – Rio), onde disse que se for necessário vai cavar mais covas para enterrar criminosos e fazer navios presídios. E que a partir do dia 29, pós eleição, estava declarado guerra ao crime organizado. Nessa mesma reunião Wilzon Witzel defendeu a “lei do abate”, dizendo que “um bandido de fuzil, só outro fuzil para paralisa ló, que o policial terá ordem para atirar, se o policial for questionado na justiça terá apoio da defensoria pública.” Além de expor toda a sua política belicista, ao dizer que iria pedir a Polícia Militar que faça um uniforme para o governador.

E relembrando sobre o seu passado como ex fuzileiro naval, o governador eleito ainda disse que se pudesse iria trabalhar com a farda camuflada por debaixo da toga. A última vez em que se usou navios presídios no Brasil foi na Ditadura Militar, a exemplo do navio Raul Soares que ficou setes meses ancorado no Porto de Santos, onde se encarcerou  trabalhadores, sindicalistas e oposicionistas da Ditadura. Inclusive, a Comissão da Verdade relevou que a tortura durante a Ditadura Militar começou antes da existência da luta armada, já em 1964 o regime prendeu 50 mil pessoas, utilizando também os navios presídios.

Em entrevistas concedidas a Globo News e ao jornal Estadão, Wilson Witzel voltou a defender a “lei do abate”, e que usaria atiradores de elite, os snipers, para executar pessoas que estejam portando fuzil. Ao ser questionado na Globo News sobre os casos em que pessoas foram mortas por PM’s nas favelas por carregarem uma furadeira ou guarda chuva, o governador eleito respondeu que os policiais na ocasião não estavam preparados. Na entrevista ao jornal Estadão, Wilson Witzel foi mais enfático na sua proposta, dizendo que “a Polícia vai mirar na cabeça e fogo, para não ter erro”.

Ao ser questionado pela jornalista do Estadão, que se matar suspeitos fosse eficiente para reduzir a violência o Rio de Janeiro seria um paraíso, Wilson Witzel disse que a Polícia carioca na verdade está deixando de matar. Mas baseado em que ele diz isso? Os números da letalidade policial mostram totalmente o contrário, durante os 5 meses completos da Intervenção Federal Militar no estado, o número de mortes causados por policiais aumentou 38%. Os números de pessoas mortas por policiais também vem aumentado no geral, se aproximando dos índices da época anterior a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP).

E já tramita no Senado o PLS 352/2017, de autoria do senador José Medeiros do (Podemos/MT), que estabelece que policiais podem atirar em pessoas que estejam utilizando armamento de uso restrito. Na redação do texto o senador diz que “a política esquerdista instalada de vitimização do bandido, protege criminosos e açoitas os policiais. E aquela velha máxima do Exército, de atirar primeiro e perguntar depois foi trocada pelo fique parado, isso porque se ele matar um meliante, sofre séria consequência administrativas e judiciais. Do contrário, se o policial morre nada acontece.” O relator do projeto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o senador Wilder Morais (PP), defendeu a aprovação do projeto dizendo que o mesmo “atende uma necessidade urgente dos corajosos homens e mulheres policiais em todo o país, que estão amarrados pela burocracia na guerra ao tráfico de  drogas.”

A proposta de Wilson Witzel encontrou apoio no futuro Ministro da Defesa, o general da reserva Augusto Heleno, que disse que “já usou esse mecanismo na ocupação do Haiti e que não se trata de uma autorização para matar. E que durante os dez anos de ocupação do Exército brasileiro não houve casos de execuções indiscriminadas”. Mas não é isso que aponta a escritora haitiana Edwige Dantcat, num texto que foi publicado na revista americana The New Yorker, trazendo relatos de violência da MINUSTAH (Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti). A autora relata que durante um protesto civil, as tropas chegaram a subir no teto da Igreja da qual seu avô era pastor, para atirar em pessoas que andavam pela vizinhaça. Em outro fato narrado pela escritora, a MINUSTAH teria usado mais de 22 mil balas e 78 granadas para executar indivíduos classificados como “membros de gangues”.

Um levantamento realizado pelo Apublica.org, mostra que desde 2010 as forças armadas brasileiras mataram 32 pessoas no Rio de Janeiro, entre elas pessoas ‘confundidas’ com traficantes, atingidas no meio dos confrontos e acusadas de serem criminosas. E não há acompanhamento sistemático dessas mortes e nem auxílio as famílias das vítimas. O mesmo general Augusto Heleno, deu uma declaração dizendo que não há progresso na redução da criminalidade nem na contenção do crime organizado, “porque há uma inversão de valores na questão dos direitos humanos”. Em sua visão, “os direitos humanos existem apenas para os humanos direitos”. Essa será a tônica do governo Bolsonaro e aliados, buscar justificativas supostamente em nome dos direitos humanos, para violar os direitos humanos, matando as pessoas que eles consideram não dignas do direito à vida, que é o direito humano base de todos os outros.

O ministro da Segurança Pública, Raul Jungman, disse que é ilegal a proposta de Wilson Witzel, de utilizar atiradores de elite para “abater” traficantes com fuzil, porque precisaria passar pelo crivo da legislação e do judiciário, pois não se podem ter atividades que estejam fora das normas. Ao invés de se colocar contra a proposta sanguinária do governador eleito, o ministro Raul Jungman parece defender um “abate” dentro da legalidade, enquanto Wilson Witzel defende uma política de extermínio de pessoas na ilegalidade mesmo.

Segundo especialistas ouvidos pelo Conjur, o Código Penal não admite que o porte de fuzil represente perigo iminente, é preciso que realmente haja o risco de agressão. E para ser legítima defesa, seria necessário que o policial estivesse reagindo para repelir uma injusta agressão contra si ou terceiros. O porte de fuzil já é um flagrante delito quando se trata de indivíduos não pertencentes às forças de segurança. A proposta de Wilson Witzel permite que um atirador de elite visualize uma pessoa armada e atire, mesmo que essa pessoa não esteja vendo e nem esteja em confronto com esse atirador.

O que o governador eleito está propondo é reinstituir a pena de morte, que foi extinta desde a proclamação da República em 1889. O direito à vida está incluso no rol das garantias individuais, no artigo 5ª da Constituição Federal, uma cláusula pétrea, não pode sofrer qualquer emenda ou alteração. Só existe uma situação em que essa cláusula é suspensa, no caso de uma guerra declarada, sendo que essa guerra só pode acontecer entre nações, num confronto entre exércitos, nunca contra civis. A lei do “abate”, viola o Estado Democrático de Direito, aplicando uma punição sem o devido processo legal, não garantindo o amplo direito de defesa e ao contraditório.

Os ventos autoritários trazidos por Jair Bolsonaro, que durante a sua campanha defendeu dá “carta branca para PM matar”, por meio de uma legítima defesa automática, também passou por São Paulo. O governador eleito João Dória (PSDB) disse que a partir de 1ª de Janeiro a polícia paulista iria atirar para matar. Esses políticos baseiam sua política de segurança pública no Populismo Penal, prometendo resolver o problema da criminalidade com leis mais rígidas, construção de cadeia e uma Polícia mais violenta, métodos aplicados atualmente, que só fazem retroalimentar o sistema punitivo, produzindo mais mortes e insegurança.

E numa sociedade desigual e racista como a brasileira, em que a cada 10 pessoas mortas pela Polícia no Rio de Janeiro, 9 são negras, na qual morador de favela é assassinado pela PM porque eles “confundem” saco de pipoca, com um saco com drogas, homens negros são presos “por engano”, sendo tratados como culpado até que se prove ao contrário. Wilson Witzel acredita que está num jogo de vídeo game, igual ao famoso Counter Strike, sendo a população negra e pobre o principal alvo da artilharia de elite, pois como bem disse o experiente e premiado jornalista investigativo Caco Barcelos, não há violência contra bandidos, mas sim contra os pobres. O estado do Rio de Janeiro não elegeu um governador, o resultado das urnas colocou no Palácio da Guanabara um genocida.

 

Henrique Oliveira é militante do Coletivo Negro Minervino de Oliveira/Bahia

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