Garimpeiros roubam bebê Yanomami; comunidade é incendiada em RR

Além de estuprar e matar menina de 12 anos, invasores compram com ouro o silêncio dos indígenas
Foto: Júnior Hekurari

A Comunidade Aracaçá, no Terra Indígena Yanomami em Roraima, amanheceu em chamas na manhã da última quarta-feira (29). Nesta semana, uma criança de 12 anos que vivia na comunidade foi sequestrada, estuprada e morta por garimpeiros ilegais que atuam na região do Rio Uriracoera. Uma outra criança de 3 anos também foi levada pelos invasores, mas desapareceu depois de cair no rio e ainda não foi encontrada. 

Os crimes aconteceram na segunda-feira (25) e imediatamente os indígenas, através do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana (Condisi-YY), informaram o Distrito de Saúde Indígena (DSEI), a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), a Superintendência da Polícia Federal e a Procuradoria da República. 

No dia seguinte foram deslocadas equipes de apoio da Polícia Federal, MPF, FUNAI e SESAI, mas por conta do tempo não foi possível fazer a visita ao local. Somente na quarta-feira (27) as equipes conseguiram pousar na comunidade. 

“Ao chegar ao local avistamos a comunidade em chamas e sem a presença de moradores indígenas no local, que só apareceram 40min após pousarmos”, relatou Júnior Hekurari Yanomami, presidente do CONDISI-YY. 

Foto: Júnior Hekurari

Segundo Hekurari, os únicos a retornarem para a comunidade foram os indígenas que trabalhavam com os garimpeiros. Eles voltaram para buscar alguns materiais e se recusaram a falar sobre o caso de sequestro, estupro e assassinato da menina Yanomami. De acordo com a liderança, os indígenas teriam recebido 5g de ouro dos garimpeiros para se manterem em silêncio. 

Segundo nota da Hutukara Associação Yanomami (HAY), a falta de colaboração dos indígenas em reportar o crime pode dificultar a investigação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. As equipes retornaram na quinta-feira (28) à comunidade, mas já não havia mais ninguém. 

Em nota, a Hutukara Associação Yanomami (HAY) manifestou-se a respeito da situação e têm auxiliado nas investigações das informações prestadas pelos Yanomami. Como relatado pela Associação, foi nesta Comunidade Aracaça que um estudo conduzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) constatou a presença de altos níveis de mercúrio de garimpo nos habitantes da região.

Nas imagens do vídeo abaixo é possível ver a comunidade em chamas e os estragos do garimpo que contamina as águas, o ar e a terra onde vivem os Yanomami. 

Recém nascido roubado 

Apesar de não comentar sobre o caso desta semana, os indígenas contaram às equipes que visitaram a comunidade sobre outros crimes que aconteceram na comunidade. Segundo eles um bebê recém nascido foi levado pelos garimpeiros para Boa Vista contra a vontade da mãe. Um invasor alegava ser o pai da criança. 

De acordo relatório “Yanomami Sob Ataque”, divulgado neste mês pela Hutukara, a Comunidade Aracaçá está “em vias de desaparecimento” por causa da atividade clandestina. A comunidade, próxima da região do Palimiu, tinha apenas 24 pessoas antes de ser queimada. 

O relatório aponta que os indígenas “deixaram de abrir roças e hoje dependem da alimentação oferecida pelos garimpeiros em troca de serviços, como carregar combustível e realizar pequenos fretes de canoa”.

“Lá, ainda de acordo com os [indígenas] Palimiu Theli, os garimpeiros introduziram bebidas e um ‘pó branco’ que deixaram os [indígenas] Sanöma viciados, alterados e violentos”, afirma trecho do documento, que também destaca os problemas trazidos pela bebida alcoólica. 

Foto: Júnior Hekurari

Ritual de despedida 

De acordo com Hekurari, os indígenas realizam um ritual de queimar o corpo quando um parente [forma como os indígenas se chamam] morre. Durante a visita foram constatadas marcas da queima de um corpo, possivelmente o da menina violentada e assassinada pelos garimpeiros. 

Na manhã desta sexta-feira algumas lideranças Indígenas se reuniram e analisaram as imagens da comunidade queimada. Eles relataram que faz parte da tradição e dos costumes daquele povo abandonar a comunidade quando um ente querido que residia no local parte. 

Ainda não se sabe se os indígenas deixaram o espaço por conta própria ou se foram ameaçados pelos invasores. Também não se sabe como começou o fogo, se foi por parte dos indígenas, dos garimpeiros ilegais ou um acidente por conta do ritual. 

Luta pela vida 

“É mais um triste resultado da presença do garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami, que segue invadida por mais de 20 mil garimpeiros. Até setembro de 2021, a área de floresta destruída pelo garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami superou a marca de 3 mil hectares – um aumento de 44% em relação a dezembro de 2020. O aumento das atividades dos invasores tem refletido de forma negativa no modo de viver dos Povos da Floresta, o qual traz como consequência o aumento da criminalidade dentro do Território, doenças e mortes”, informa a nota do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana.

O CONDISI-YY garante que continuará a investigar e cobrar que os órgãos competentes atuem para retirada imediata dos criminosos que estão no Território Indígena Yanomami. 

A reportagem entrou em contato com a FUNAI, o Ministério Público Federal, a Superintendência da Polícia Federal e a Procuradoria da República, mas até o fechamento desta reportagem não obteve resposta.

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