Fumaça da Amazônia chega a São Paulo

Fumaça e cheiro de queimado em São Paulo é resultado das queimadas na Amazônia. Eduardo Nunomura explica como o fenômeno ocorre
Sobrevoo na região da Amacro (Amazonas, Acre e Rondônia), em uma área com cerca de 8.000 hectares de desmatamento (a maior em 2022) que está queimando há dias. - Foto: Nilmar Lage/Greenpeace 30/08/22

Na manhã desta sexta-feira (9), o cientista Eduardo Landulfo, do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), saiu de casa e sentiu um cheiro de queimada. Ao contrário de milhares de paulistanos que tiveram a mesma sensação, ele tinha a certeza da origem daquele odor: era da Amazônia. No início da noite de quinta, ele já tinha coletado dados do Sistema Lidar do Centro de Lasers e Aplicações (Celap), que mostravam que uma imensa “língua” de materiais particulados tinha chegado a São Paulo e baixado a uma altitude de 2 mil metros. 

Por: Eduardo Nunomura

É comum se detectarem as chamadas “plumas de aerossóis” geradas pela poluição normal de uma metrópole. Mas as imagens de satélite revelam que também a fuligem das queimadas da Amazônia estão agora sob as cabeças dos paulistas e também da população dos estados do Sul do Brasil, assim como na dos vizinhos Bolívia, Paraguai e Peru. “Você vê uma ‘língua enorme’ de material particulado e é isso que, com a umidade, cria aquela sensação de quase neblina, um smog, formando um cenário mais desfavorável para a qualidade do ar”, explica Landulfo, que conversou com a Amazônia Real.

Enquanto a entrevista transcorria, Landulfo enviava imagens que mostram claramente essa “língua” se formando e se concentrando nas Amazônias brasileira e boliviana. No lado do Brasil, há uma linha que começa no sul do Amazonas e do Pará, avançando pelo Tocantins e continuando sobre Acre, Rondônia e Mato Grosso. De lá, ela desce afunilando em direção às regiões Sudeste e Sul. “Quando há uma frente fria entrando, há uma diferença de pressão, que cria um duto entre o Centro-Oeste e o Noroeste, quase que sugando a fumaça”, explica o cientista.

No ranking de dez municípios brasileiros com mais focos de incêndio, detectados pelo Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), todos estão nessa região: Lábrea (AM), São Félix do Xingu (PA), Porto Velho (RO), Altamira (PA), Feijó (AC), Boca do Acre (AM), Colniza (MT), Novo Progresso (PA), Tarauacá (AC) e Candeias do Jamari (RO). Os dados se referem ao número de focos acumulados entre 1 e 8 de setembro.

Em condições normais, os materiais particulados ficam em altitudes elevadas, acima de 3 mil a 4 mil metros, o que faz com que as pessoas não sintam a sua presença. Mas os computadores do Celap detectaram que a pluma de partículas aerossóis desceu a uma altitude de 2 mil metros. Do ponto de vista meteorológico, isso se deu por conta das condições climáticas: a frente fria combinada com o dia quente de quinta-feira fez com que os materiais particulados praticamente aterrissassem na direção do solo – o que fez, enfim, as pessoas notassem algo diferente no ar.

Até o meio-dia desta sexta-feira, não ocorreu um fenômeno assustador, de agosto de 2019, quando São Paulo viu o dia se tornar noite por causa da mesma poluição vinda da fumaça da Amazônia. Mas, segundo Landulfo, o sinal de alerta foi dado, uma vez que a circulação desses materiais particulados deverá se estender por todo o mês de setembro.

“Tem muita coisa vindo de fora do Brasil também, da Bolívia”, alerta o cientista, que relaciona com a alta incidência de queimadas detectadas pelos satélites da Nasa. Segundo os dados do Programa Queimadas do Inpe, o Brasil teve em setembro 26.444 focos de incêndio florestal, ante os 7.245 da Bolívia e os 2.174 do Peru. “Quando há queima (da floresta), todo o material particulado é levado para cima, e pelas condições meteorológicas, elas vão atingindo diferentes níveis, podendo subir ou descer. Se você sente o cheiro de fumaça, é porque ele (o material particulado) realmente caiu.”

O mês de agosto registrou 33.116 focos de queimadas na Amazônia, quebrando desastrosos recordes de destruição nos últimos 12 anos. Apenas no dia 22, houve 3.358 focos de incêndios, mais que o dobro do “dia do fogo” de 2019. Em questão de poucos anos, o Brasil viu sua trajetória descendente de desmatamento se tornar novamente ascendente, alcançando em 2021 um recorde em 13 anos, com 12.415 quilômetros quadrados. Mas a lógica da destruição por meio do fogo continua em setembro.

O “dia do fogo” na Amazônia

Eduardo Landulfo trabalha há 25 anos no Ipen, hoje no Laboratório de Aplicações Ambientais de Lasers. Em agosto de 2019, ele foi um dos pesquisadores que notou a presença da incômoda presença da fumaça vinda da Amazônia. Na época, os dados indicavam que uma grande nuvem de aerossóis se formou por São Paulo a altitudes que variavam de 2 mil a 4 mil metros, que chegaram a obstruir a chegada da luz solar. Isso ocorre porque essa nuvem de poluição é carregada de monóxido de carbono, dióxido de carbono, materiais particulados e até metano. Ao ser questionado se poderia comparar com o que aconteceu três anos atrás, ele afirma que “em 2019 foi pior”, mas com a ressalva de que essa impressão valia até a data de 9 de setembro e o mês ainda está só no começo.

Amazônia Real, em agosto de 2019, relatou que houve um aumento de 300% no número de focos de queimadas na região por conta do “dia do fogo”. Produtores rurais do município de Novo Progresso, no sul do Pará, realizaram uma operação orquestrada para incendiar a floresta amazônica. Na ocasião, funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) ficaram de mãos atadas, não podendo combater as chamas, já que o próprio governo de Jair Bolsonaro, representado na época pelo ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, negou o envio da Força Nacional de Segurança para apoiar as brigadas de incêndio.

No Twitter, a candidata a deputada federal por São Paulo Sonia Guajajara (Psol), uma das principais lideranças indígenas do país, externou pela manhã sua preocupação a fumaça vinda da floresta:

Outro que se manifestou com preocupação na rede social foi o divulgador científico Atila Iamarino:

O que realmente preocupa o cientista do Ipen é que essa queima não parece ser aquela provocada pela cultura tradicional de queimadas que proprietários rurais costumam adotar nessa época do ano. Ou seja, não é tão aleatória quanto se imaginaria. “Quando olhamos os focos de focos, há uma certa organização, não parecem ser pontos pequenos de queimada. É maior e mais organizado, e isso é preocupante”, informa.

“É um sinal de alerta para não pensarmos que o que está na Amazônia não nos afeta. Isso tem consequências para a saúde, (os materiais particulados) vão para o trato respiratório, quem tem asma vai ter uma piora nos próximos dias”, conclui. O sistema do Ipen fica dentro da Cidade Universitária, na zona oeste de São Paulo, e realiza medições diárias das distribuições em altitude do material particulado. 

A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) indicava, às 11 horas desta sexta-feira, que a qualidade do ar na região metropolitana de São Paulo estava na faixa N3 – Ruim, uma vez que os níveis de materiais particulados estavam na faixa dos 113 µg /m³, e que para as próximas 24 horas as condições meteorológicas são desfavoráveis para a dispersão dos poluentes dióxido de enxofre, partículas inaláveis, dióxido de nitrogênio, monóxido de carbono e ozônio.

COMENTÁRIOS

POSTS RELACIONADOS