Fraquê Matsunaga

Bem-vindos e bem-vindas ao “Café com muriçoca” - espaço de compartilhamento literário dos Jornalistas Livres. No texto de hoje, "Fraquê Matsunaga”, Dinha conta a história de um príncipe encantado em busca de uma esposa linda, nobre e recatada - para ser sua escrava doméstica-sexual.
Fraquê Matsunaga em painel na rua
Fraquê Matsunaga e o príncipe encantado
“Só estou avisando, vai mudar o placar
Já estou vendo nos varais os testículos dos homens
que não sabem se comportar”
Em legítima defesa - Elizandra Souza

“Oh, mama, mama, mama
I just shot a man down
In central station
In front of a big ol' crowd
Oh, why?
Oh, why?”
Man Down - Rihanna

Era uma vez um príncipe encantado cujo único objetivo na vida era se casar com uma mulher que fosse linda, nobre e recatada. Segundo o hábito do seu reino, a escolhida deveria também ser leal, fiel, flexível, trabalhadora e fértil. Deveria viver para seu esposo, dele cuidar e a ele obedecer em todas as suas vontades. Caso falhasse em alguma dessas exigências, depois de casada, teria como destino a morte.

O príncipe havia rodado o mundo em busca de quem lhe agradasse, mas apesar de muitas mulheres atenderem ao perfil desejado, seu coração não havia  batido mais forte por nenhuma delas.

Até que, numa manhã de sol de maio, quando o céu fica azul e  a temperatura sob controle, ao parar num farol da Avenida Paulista, sentido Paraíso, com sua moto cara-mas-nem-tanto-assim, ele se deparou com uma bela mulher atravessando a faixa branca de pedestres.

Os cabelos e os olhos negros da moça, como pequenos pedaços do multiverso sem fim que ainda se expande por dentro da massa escura, fizeram seu coração fraquejar, errar a batida e acelerar, junto com a motocicleta que precisou mover em direção ao farol, enfim aberto.

A moça nem sequer o notou, pois estava ocupada com a vida: estudar, trabalhar, namorar, sonhar e construir caminhos. Só se deu conta de que um estranho a cortejava quando uma moto parou do nada à sua frente, na calçada, e a obrigou a interromper seus pensamentos.

Primeiro ela achou que era algum chato. Desses homens que abordam mulheres na rua só para dizer ofensas disfarçadas de elogios. Mas quando ele tirou o capacete, a olhou nos olhos e disse sem dizer que “amor é fogo que arde sem se ver”, a menina intuiu sua linhagem nobre e suas intenções para com ela.

O príncipe então lhe contou que vinha de um reino distante e havia viajado o mundo em busca de alguém para se casar. Contou também que, embora tivesse cruzado com muitas outras mulheres, só ela o fez ter a sensação de que o mundo era infinito, a vida fugaz e que, portanto, era preciso se enroscar nos seus cabelos e celebrar a vida a dois, o quanto antes.

A moça ouviu tudo isso na rua, pensando no sujeito estranho que falava em casamento sem nem mesmo ter lhe perguntado seu nome.

Em frente ao lugar em que fora interceptada, um Mac Donalds se erguia amarelo e vermelho, por trás de um sorvete gigante, feito provavelmente de plástico barato.

Ela entrou. Ele também. 

Deixou a moto no estacionamento enquanto ela pedia dois méqui lanches – o feliz -, soda e batata.

Quando se sentaram, o futuro rei contou a ela sobre sua vida, sua sina e seus encantos. A cada palavra que dizia, via os olhos dela brilharem um pouquinho mais atentos. 

A moça pouco falou, pois o príncipe não deixava. Ele estava ansioso por garantir que sua riqueza e importância comovessem a amada antes que ela tivesse tempo de pensar em recusá-lo. O rapaz estava apaixonado e isso era imperativo.

E assim, depois de meia hora de conversa e hambúrgueres de minhoca, a garota aceitou seu convite para trocar telefones e continuar a conversa no final da noite, depois que seu trabalho e aulas já tivessem terminado. 

Saíam, ele em direção ao estacionamento, ela em direção à porta de pedestres, quando o príncipe percebeu que haviam trocado telefones, mas não sabia o nome da bela. Então, antes de dar a partida na moto, olhou para a tela do smartphone e prestou atenção na última mensagem recém exibida nas notificações:

– Oi! Aqui é Fraquê. Fraquê Matsunaga. Adorei te conhecer.

E o príncipe suspirou apaixonado.


Dinha (Maria Nilda de Carvalho Mota) é poeta, militante contra o racismo, editora independente e Pós Doutora em Literatura. É autora dos livros "De passagem mas não a passeio" (2006) e Maria do Povo (2019), entre outros. 
Nas redes: @dinhamarianilda

LEIA TAMBÉM algumas das crônicas anteriores:

O reizinho genocida

Olha nos olhos e enxerga o bebê

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

COMENTÁRIOS

2 respostas

  1. Ótimo texto parabéns
    É a tese da vara de minerva de Lênin né

    1. Sim… vara de minerva dobrada ao extremo.

POSTS RELACIONADOS