Fórum de Emergência Cultural Capital SP cobra respostas de Bruno Covas e Hugo Possolo

Grupo formado para discutir a Lei Aldir Blanc cobra da Secretaria Municipal de Cultura o plano de ação para que os recursos cheguem aos trabalhadores da cultura mais vulneráveis durante a pandemia

Por Humberto Meratti, ativista e gestor cultural, exclusivo aos Jornalistas Livres

Grupo formado para discutir a Lei Aldir Blanc cobra da Secretaria Municipal de Cultura o plano de ação para que os recursos cheguem aos trabalhadores da cultura mais vulneráveis durante a pandemia.

Ontem, o Fórum encaminhou carta oficial com exigências e questionamento do setor. Confira:

CARTA-EXIGÊNCIA / MENSAGEM DIRECIONADA À SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA (SMC-SP) E TAMBÉM AO PREFEITO BRUNO COVAS: REMANEJAMENTO EMERGENCIAL DE SALDO DA LEI ALDIR BLANC NA CAPITAL

O Fórum de Emergência Cultural Capital SP foi criado para acompanhar a implementação, gestão e execução da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc N° 14.017 no Município de São Paulo, a qual dispõe sobre ações emergenciais destinadas ao setor cultural a serem adotadas durante o estado de calamidade pública até o dia 31 de dezembro de 2020 – caso não seja prorrogada. O Fórum é diverso, suprapartidário e formado por aproximadamente 300 membros, representantes de vários Coletivos, Instituições, Grupos, Espaços Independentes e demais Redes e Fóruns, das mais variadas linguagens artísticas e culturais, atuantes do setor em todas regiões da Cidade.

A Lei Aldir Blanc tem sido uma árdua construção e uma conquista exclusiva da mobilização das trabalhadoras e trabalhadores da cultura do país, e não de qualquer gestor, parlamentar ou terceiro que a reivindique pessoalmente. Trata-se de um feito coletivo extraordinário, num período marcado por um Governo Federal que extinguiu o Ministério da Cultura, reduziu seu orçamento e censurou sua autonomia. Nós, deste Fórum, da classe artística e do setor cultural, já vínhamos enfrentando estes desafios, afinal fomos a primeira área e mais severamente impactada durante esta pandemia – e provavelmente seremos o último setor a voltar plenamente. Em meio a tal crise humanitária sem precedentes, nos mobilizamos e contamos com a atuação decisiva de vários teóricos e gestores culturais históricos, que são nossos parceiros, para formularmos e conquistarmos, juntos, a aprovação, promulgação, regulamentação e efetivação desta Lei – a qual, portanto, não foi uma conquista particular de qualquer Secretaria de Estado, as quais simplesmente deveriam operacionalizar e executar os recursos nos princípios, termos e principais diretrizes desta Lei emergencial.

Diante dos resultados dos Editais da Lei Aldir Blanc aqui no Município de São Paulo, porém, constatamos uma flagrante grande distorção dos objetivos originais e fundamentais da própria Lei, quais sejam: o atendimento prioritário e emergencial, frente à calamidade pública ocasionada pela pandemia de Covid-19, dos artistas e técnicos, trabalhadores e trabalhadoras do setor cultural, coletivos e demais grupos técnico-artísticos em situação de maior vulnerabilidade e necessidade durante a crise geral pandêmica. Esse atendimento, ao final das contas, na prática, infelizmente não ocorreu a contento.

Os resultados, até aqui, acabaram por reproduzir históricos privilégios e profundas desigualdade sociorraciais e geográficas internas ao nosso próprio setor, e ainda gritantes nesta Cidade, prejudicando ou mesmo excluindo diversos trabalhadores e trabalhadoras da cultura de acessarem este apoio emergencial – que não chegou ao nosso socorro até aqui, já em fins de novembro. Incansáveis foram os alertas e avisos, durante todo este processo de interlocução, inclusive formalizados, por parte de nossos representantes junto às várias Comissões mistas entre Poder Público e Sociedade Civil para se discutir a implementação e execução da Lei no município.

Dentre os inúmeros erros cometidos, destacamos:

1) A falta de um cadastro ou mapeamento prévio e/ou busca ativa junto aos trabalhadores e trabalhadoras da cultura que mais precisavam destes apoios emergenciais, especialmente nas periferias negras e afroindígenas da cidade, bem como aos integrantes das expressões culturais populares e tradicionais que, historicamente, sempre foram alijados e/ou sempre tiveram (e seguem tendo) muita dificuldade de acessar essa tecnologia (e tecnocracia) mui específica da lógica dos cadastros digitais e de sistemas dos editais – e não dos é de todos;

2) Um prazo de divulgação e de inscrições nos editais da LAB aqui em SP extremamente curto e inexequível, por meio de um sistema eletrônico de inscrições bastante complexo, repleto de burocracias e armadilhas/pegadinhas, o qual apresentou também inúmeras limitações e falhas técnicas – sobre – onerando as pessoas que tentaram inscrever e/ou mesmo prejudicando uma série de inscrições efetivadas ou ainda, pior, que ficaram pelo meio do caminho;

3) Excesso de burocracia exigida às pessoas e propostas inscritas, com pouco tempo para se organizar/compilar toda documentação exigida, o que resultou em milhares de pessoas e centenas de grupos culturais excluídos deste acesso, de antemão ou no meio do processo de inscrição;

4) Outro dos pontos de grande impacto foi a decisão da SMC, a despeito da autorização expressa na Portaria 88 para que a Lei pudesse contemplar grupos de cultura de rua, de priorizar o repasse de recursos e apoios/subsídios emergenciais para grupos com sedes / espaços físicos, decorrendo a significativa discriminação ou exclusão de grande número de grupos e coletivos com atuação em formas e espaços alternativos (muitos dos quais, coletivos culturais de rua ou organizados sob outras balizas, justamente mais vulneráveis que, na maioria das vezes, não contam ainda com uma sede física nem fixa) os quais, pela regulamentação federal, teriam pleno direito a pleitear o subsídio através do inciso 2, mas que o município escolheu fazer diferente, preterindo-os em favor da maior prioridade a grupos e até mesmo empresas já plenamente estabelecidas em suas sedes;

5) Inexistência de transparência a respeito de quais foram os critérios objetivos utilizados por estas Comissões de Seleção e Comissões Julgadoras, dentro de cada Inciso e Módulos, bem como suas respectivas atas, para pontuarem melhor e optarem por este ou aquele projeto selecionado em detrimento de uma grande maioria de suplentes ou desabilitados;

6) Outro problema grave com o qual estamos nos deparando foi o fato da SMC ter colocado em seus editais uma vedação desnecessária a respeito de um CPF que hipoteticamente fosse contemplado tanto no Município quanto no Estado, cujos resultados não saíram ainda em sua totalidade, porém à época das inscrições não havia resultado de qualquer das esferas, o que gerou grande confusão entre as pessoas que queriam se inscrever (muitas deixaram de participar de alguns dos editais com medo da hipotética duplicidade), e agora tem gerado dúvida entre contemplados. De modo que nosso Fórum recomenda uma nova posição oficial da SMC a respeito do assunto, abrindo mão formalmente de tal vedação, para que as pessoas e/ou grupos vinculados a tais CPFs não sejam prejudicados no futuro, nem haja maiores confusões ou novos questionamentos.

7) O ponto mais grave e foco principal desta nossa Carta: a própria distribuição geral desigual dos recursos disponíveis (o que passou, portanto, por uma opção política da SMC e da referida Comissão Organizadora da execução da LAB no município de SP) bem como do resultado efetivo dos grupos habilitados e selecionados, e daqueles que ficaram de fora – cujos nomes e valores nós temos tomado conhecimento nas últimas semanas, com a publicação dos resultados no Diário Oficial.

A disparidade atroz entre a quantidade multimilionária de recursos destinados para o Módulo I (Maria Alice Vergueiro), cerca de R$ 32 Milhões, em comparação com a ínfima quantidade de recursos destinada ao Módulo II (Xica Xavier), apenas R$ 2 Milhões (antes dos resultados complementares anunciados na data de hoje, 20/11), justamente aquela mais voltado aos artistas e grupos culturais ligados historicamente à cultura negra, afroindígena, periférica, popular e tradicional, incluindo as suas expressões históricas urbanas como o hip-hop ou o forró, nos saltou aos olhos desde o anúncio dos Editais, e persiste após a divulgação de seus resultados. Temos no Módulo II – Xica Xavier, por exemplo, 48 grupos/coletivos historicamente muito importantes para a cultura de São Paulo, porém na suplência. Pelas informações publicadas no site da Prefeitura e também as demais por nós acessadas, é possível identificar projetos de expressões indígenas, quilombolas, capoeira, hip hop, forró, grupos de samba, escolas de samba, imigrantes africanos etc.

Por outro exemplo emblemático: nós do Fórum de Emergência Cultural LAB junto à Rede de Pontos de Cultura fizemos um levantamento e constatamos que das 75 propostas enviadas por Pontos de Cultura da Cidade – que são locais notoriamente reconhecidos e consolidados como referências socioculturais do município, prioritários no atendimento emergencial – apenas 3 propostas foram selecionadas. Isso configura um processo desigual, discriminatório e/ou até mesmo sintomático do racismo estrutural que insiste em se reproduzir e se perpetuar em nossa sociedade e suas instituições – culturais inclusive.

Assim, visando uma redução de danos e das distorções neste resultado final da execução desta Lei Emergencial, a presente Carta vem exigir do Poder Público Municipal que efetue o remanejamento de todo recurso remanescente dos 3 Incisos, pelas nossas contas uma quantia superior a R$ 5,7 Milhões, e busque contemplar prioritariamente todas as inscrições habilitadas e classificadas como suplentes nos Módulos II (Xica Xavier), que abarca “coletivos culturais, comunidades de povos originários, de culturas populares, ciganas, de matrizes africanas, irmandades e outros detentores de tradições de saberes e fazeres, que realizam festas populares e/ou outras atividades que promovem o patrimônio cultural imaterial na cidade de São Paulo”, pela importância já destacada acima; e também o Módulo V (Daisy Lúcidi), que contempla o “reconhecimento pelo conjunto da obra e produção cultural para profissionais da cultura, mestres de cultura e/ou guardiões da memória e da cultura de história tradição oral com mais de 60 anos que atuem e/ou atuaram culturalmente na cidade de São Paulo”, os quais pela idade, por se tratar de grupo de maior risco à Covid-19, e também pela importância que damos aos nossos mestres e maestras socioculturais, acreditamos que devam ser atendidos ao máximo possível, de maneira prioritária.

Destaque-se aqui, ainda, a posição de nosso Fórum a respeito da possibilidade desta Prefeitura e pasta, caso haja vontade política, de se contemplar a totalidade dos projetos suplentes de todos os Módulos, o que seria um ato muitíssimo importante ao final de uma gestão que deixou a desejar neste sentido, mas que ao buscar neste momento a sua reeleição poderia executar este gesto prático de compromisso e solidariedade efetiva com o setor cultural na hora em que mais necessitamos, em caráter realmente emergencial.

Recursos, nós sabemos que há. Inclusive, para além dos remanescentes da própria Lei Aldir Blanc, mas de outras fontes orçamentárias ligadas a ações culturais e artísticas que poderiam ser remanejados e/ou complementados por outras fontes do erário público municipal neste momento crucial. Por exemplo: os cerca de R$ 33,3 Milhões que foram empenhados pela SMTUR no último dia 12/11/2020 (pág 125 do DOM-SP) para “contratação de serviços de apoio institucional ao Carnaval Paulistano 2021, referentes às apresentações de espetáculos artísticos e culturais por agremiações, escolas, blocos e cordões carnavalescos”, a serem executados em parceria desta pasta com a SMC e a SPTuris, com a reserva de cerca de R$ 12,8 Milhões para serem gastos ainda este ano, visando um evento cultural que, na prática, ninguém sabe nem mesmo se poderá ocorrer no ano que vem – caso a pandemia persista, o que tudo indica neste momento.

Como explicar que já existe tanto recurso para um hipotético (e incerto) Carnaval de 2021 e não tem dinheiro para uma Lei Emergencial visando socorrer todo setor agora?!

Nós finalizamos esta Carta-Exigência com esta questão decisiva ao Secretário Municipal, Hugo Possolo, e também ao prefeito-candidato, Bruno Covas, ambos que têm manifestado fazer parte do “Partido da Cultura” e terem compromissos com o nosso Setor, inclusive organizando atividades eleitorais da “Cultura com Covas” nos próximos dias: agora é o momento de provarem que de fato estão sensibilizados, implicados e engajados efetivamente em amenizar a grave situação emergencial pela qual passa o nosso setor, fazendo estes remanejamentos e atendendo, ao menos, todas as inscrições que conseguiram ser efetivadas e habilitadas na LAB, bem como demonstrar maiores esforços na ampliação orçamentária para a Cultura visando o novo ano de 2021 que já se anuncia crítico para o setor, chegando ao menos próximo de uma demanda antiga da área cultural para que a pasta tenha 3% do orçamento municipal (e não os menos de 1% atuais), contribuindo assim para uma recuperação factível do setor pós-pandemia.

Enfim, nós escrevemos esta Carta em pleno dia 20 de Novembro deste duríssimo ano de 2020, hoje Dia da Consciência Negra, todos nós sob profundo impacto ante o linchamento racista de João Alberto Silveira Freitas, de apenas 40 anos, no estacionamento de um hipermercado Carrefour em Porto Alegre-RS. Nós temos plena ciência que a longa pandemia enfrentada por todos nós ao longo deste ano, que já levou mais de 168.000 brasileiros e brasileiras, também vitimou em sua ampla maioria homens e mulheres negras e afroindígenas, moradoras das periferias urbanas ou das regiões rurais do país, mas sempre atingindo os grupos sociais e territórios mais vulneráveis.

Em nosso setor cultural, que foi o mais atingido por esta crise pandêmica, aqui na cidade de São Paulo também não foi diferente, foram os artistas e técnicos negros e afroindígenas, bem como os mestres da cultura popular e tradicional, especialmente os mais velhos, aqueles mais atingidos pela crise: inúmeros ficaram desempregados, muitos adoeçeram, outros tantos morreram, e os resultados práticos da Lei Aldir Blanc, criada para dar conta desta emergência sociocultural e racial, precisam impreterivelmente corresponder e atender a esses grupos mais vulneráveis e prioritários dos trabalhadores e trabalhadoras da cultura. Ainda dá tempo de, ao menos, reduzir alguns danos e corrigir alguns erros e injustiças cometidas durante este processo.

Atenciosamente,

Fórum de Emergência Cultural Capital SP

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